segunda-feira, 4 de março de 2013

Yo La Tengo
@ Aula Magna

As duas faces do trio de Hoboken



Quando, com mais de duas horas de concerto e cerca de 20 músicas já tocadas, os três de Hoboken iniciam “Pass the Hatchet, I Think I’m Goodkind“, um dos momentos mais brilhantes do excelente concerto que Ira, Georgia e James deram na Aula Magna na passada sexta-feira, ninguém podia esperar subir tão alto. Ao longo de cerca de 15 minutos, os Yo La Tengo levam-nos até a um universo criado por estes três excelentes músicos, que teimam em manter-se em grande forma. Se Georgia e James aguentam estoicamente um quarto de hora no mesmo registo sorumbático e quase minimal, Ira pega em várias guitarras e dá-lhes vida, conferindo-lhes brilho, animosidade. Os pedais dão uma ajuda e o feedback instala-se no auditório da universidade.O barulho leva-nos ao limite e as reações são diversas: uns tapam os ouvidos, outros abrem os tímpanos e a alma ao puzzle sónico que emana das cordas elétricas que Ira manobra como poucos. A intensidade é tanta, que parece que Kaplan faz amor com as guitarras e, de facto, é paixão em forma de som que se ouve.

Assistir a um espetáculo dos Yo La Tengo é mais do que ir a um concerto - é uma celebração, um convite ao êxtase, e ,na semana passada, isso voltou a confirmar-se durante cerca de três horas, com intervalo, discos pedidos e muito, muito mais.

Quem, ao entrar na Aula Magna, olhasse para o palco, via um cenário pouco habitual. Três réplicas de árvores, inspiradas na capa de “Fade”, o mais recente registo sonoro dos Yo La Tengo, separavam dois conjuntos de instrumentos. Como tem sido habitual nos últimos concertos da banda, o espetáculo tem duas faces diferentes. Se, numa primeira fase, é o registo acústico que toma conta do ambiente, depois do intervalo tudo se transfigura e a eletricidade solta amarras.

Depois dos três músicos entrarem na sala e ocuparem o set acústico, os primeiros acordes são dedicados a “Ohm”, faixa de abertura de “Fade”. Em uníssuno, James, Georgia e Ira cantam devagar, de forma suave, como se nos quisessem embalar. “Two Trains”, também de “Fade”, segue-se e, pela primeira vez, somos confrontados com o som que resulta da caixa de ritmos. A guitarra dá uma ajuda e somos convidados a navegar num mar tranquilo com o jogo de luzes no teto a ajudar a criar um ambiente bonito.

Apesar de não estar cheia, a Aula Magna registava uma casa muito simpática. Ainda assim, Ira repara que entre os lugares mais perto do palco se encontram algumas cadeiras vazias. Simpático, Kaplan convida o público que está mais longe a aproximar-se. Segundo ele, os Yo La Tengo “são pacíficos e inofensivos”. O diálogo com a assistência continua e Ira recorda que já visitaram Portugal muitas vezes, a primeira das quais há cerca de duas décadas. Com memória de elefante, Kaplan recorda a setlist do primeiro concerto por terras lusas e oferece duas músicas que constavam na mesma. “Satelite”, de “May I Sing With Me” (1992), e “Double Dare”, de “Painful” (1993), são as eleitas, mas desta vez são interpretadas em formato acústico.

“Demons”, faixa que integra a banda sonora do filme “I Shot Andy Warhol”, resulta num excelente diálogo entre baixo e bateria e dá liberdade ao dedilhar suave da guitarra de Ira. A seguir, Kaplan agarra-se, pela primeira vez, aos teclados e “Gentle Hour”, um original dos neozelandeses Snapper pela voz de James McNew, é oferecido ao público, que reage com um dos maiores aplausos da noite. “Point of It”, com Georgia nos teclados, inicia um ciclo dedicado a “Fade”, que incluiria a belíssima e intimista “Cornelia and Jane”, a dolente “I’ll Be Around” e a swingante “Stupid Things”. Outro ponto em comum neste conjunto de canções é a doçura da voz de Georgia que, por vezes, faz lembrar o tom enigmático da saudosa Nico.
Antes da já referida pausa, e para finalizar uma primeira parte acústica e intimista, faltava ouvir “Nothing to Hide”, de “Popular Songs” (2009). Mas ainda havia muito mais para ouvir, ver e sentir.

Depois da mudança de cenário, as árvores aparecem atrás da bateria e os amplificadores substituem a sombra do acústico pelo sol da eletricidade. Ira, agora de t-shirt, pede mais luz. Sente-se um espírito mais rock and roll. “Before We Run”, também de "Fade", é o primeiro exemplo dos Yo La Tengo elétricos. A bateria ganha volume, o baixo afirma-se e a guitarra é rainha. Os feedbacks são agora um lugar-comum e bem-vindo, e o público agarra-se ao som. Mas não só as guitarras destilam fúria. Em “Sudden Organ”, faixa retirada de “Painful” (1993), Ira, endiabrado, luta com o órgão e faz as teclas soarem verdadeiramente noise. A seguir, voltaríamos a “Fade”, com “Is Not Enough” a mostrar uns Yo La Tengo com espírito de grupo de baile.

“Beanbag Chair”, de “I’m Not Afraid…” (2006), antecedeu a única incursão da banda em “Electr-O-Pura” (1995), sendo “Decora” a canção eleita. De seguida, voltámos a “Fade”, com a bem esgalhada “Paddle Foward”, para depois ouvirmos um dos maiores hinos da banda, “Little Honda”, de “I Can Hear the Heart Beating as One” (1997), num ambiente surf sustentado por uma muralha sónica.

Numa noite especial não se estranhou nova viagem a “Ohm”, agora numa versão cheia de decibéis, na qual Ira toca a guitarra no seu todo. Kaplan (des)afina a sua companheira elétrica e leva-a ao expoente do suportável. Em versão lenta ou com velocidade supersónica, os Yo La Tengo demonstram que as suas canções têm alma, coração, pés e cabeça.

O primeiro dos encores começaria com uma versão dos The Seeds, de "Sky Saxon", e “Can’t Seem to Make You Mine” foi um exercício competente de aquecimento para “Baskets of Love”, um autêntico hino de rock bem esgalhado pela voz de McNew. O clima de cumplicidade entre a banda e o público valeu que este último tivesse direito a um pedido especial - tão especial que a banda pediu uns minutos para ensaiar.
As duas últimas canções da longa noite, com Georgia fora da bateria, a cantar junto a Ira, seriam um “Big Day Coming” muito suave e “Griselda”, de “Fakebook” (1990).

Ao fim de quase três horas, intervalo incluído, tivemos de tudo. Bons músicos, excelente companhia e um fantástico concerto. Mas a noite ainda seria mais especial com Ira na área de merchandising a distribuir autógrafos e muita simpatia. Acreditem: não se podia pedir muito mais…

In Palco Principal

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