segunda-feira, 29 de julho de 2013

“Killzone: Mercenary”
PS VITA

O despertar do gigante japonês


 
O mundo dos videojogos é uma das áreas em que a tecnologia mais se tem desenvolvido nos últimos tempos. Surgiram comandos sem fios, programas acionados por voz, écrans sensíveis ao toque, milhões de possibilidades e jogos diferentes.

Cada plataforma aposta em algo que supostamente possa ser diferente e trazer um sentido inovador criando assim novas funcionalidades e momentos de prazer aos milhões de adeptos de jogos de consola.

É isso que a Sony tenta fazer com a PS Vita, uma máquina que revela um rio de novas potencialidades mas que, até à data, não conseguiu mais que correntes temporárias de excitação por parte dos seus fãs.
Ainda que a versão completa do jogo apenas esteja disponível em setembro, a demo de análise de “Killzone: Mercenary” já disponível revela-se deslumbrante e pode ser mais um, esperamos, definitivo passo para a afirmação da Vita.

Ao contrário do falhanço que foi “Resistance: Burning Skies”, jogo idealizado pela norte-americana Nhilistic Software e lançado em junho do ano passado, esta nova aventura da saga “Killzone” tem como audaciosa ambição tornar-se num shooter de referência na primeira pessoa no universo Vita e muito promete.

Pegando no final do episódio original de “Killzone” e revisitando a restante trilogia, “…Mercenary” faz o jogador vestir a pele do mercenário Arran Danner, um ex-soldado da UCA que não sente qualquer constrangimento em aceitar missões bem remuneradas ao serviço da ISA ou a favor da Helghast.

Ultrapassada a missão de rotina para evacuar o embaixador Vektan e restante família de Pyrrus, Danner sente que o destino do conflito pode ter no filho do diplomata a sua resolução. Com as duas fações em guerra desesperadas por o melhor desfecho possível, o nosso mercenário começa a pensar se o esforço de uma vitória gloriosa se pode sobrepor a um significativo aumenta da conta bancária…

Logo nos primeiros momentos de jogo, o trabalho dos técnicos da Guerrila Cambridge – ao contrário dos outros jogos da série este é o primeiro que não é da responsabilidade direta dos estúdios Guerrila Games – faz sentir-se sobremaneira.



Os gráficos de “Killzone: Mercenary” são verdadeiramente deslumbrantes e na sequência inicial somos confrontados com um salto aéreo de contornos coletivos com os personagens a atacarem os céus numa descida vertiginosa. Apesar de ser uma sequência curta, as acrobacias realizadas entre as nuvens, os ecos da artilharia e o aproximar da gigantesca base militar leva o jogador, pela primeira vez, a pensar que está num universo longe do que a portabilidade das consolas oferece.

O despertar para a doce realidade faz-se instintivamente ao sentir a Vita nas mãos. À medida que o nível evolui, essa sensação cresce e jogar “Killzone: Mercenary” assemelha-se a sentir um puro tecido de seda sobre a pele tal é a leveza da qualidade gráfica e de jogabilidade deste episódio. Ainda que os gráficos sejam um verdadeiro regalo para a vista, os controlos da Vita tornam ainda mais apetecível viver na pele de Danner.

Por exemplo, os dois sticks, seguros e com uma resposta sempre rápida e afirmativa, proporcionam a possibilidade de uma maior ambivalência no ato de jogar e tendo em conta que estamos perante um cenário que permite sentir a adrenalina na primeira pessoa a performance obtida é fantástica.

A violência continua a marcar presença de uma forma crua e brutal tal como todos os fãs da saga “Killzone” esperam e gostam mas em “…Mercenary” foram elevados os padrões em termos de arena de combate e os vários comandos da Vita possibilitam uma miríade de novos truques bélicos, sendo um dos mais “especiais” a terrível “Manta” que consiste em dois ganchos que articulados permitem furar capacetes alheios. Também o sistema de mísseis “Porcupine” proporcionará momentos visuais extremos.

Sem nunca esquecer que ainda não estamos perante a versão definitiva do jogo, continuamos a receber ordens diretas mas com Darren desta vez a sentir que destino está literalmente nas suas mãos. Outra das ideias que fica é que este é um um jogo que proporciona mais ação furtiva que as anteriores versões e para isso contamos com a preciosa ajuda das câmaras CCTV e outros artefactos.

A forma de conseguir apetrechar o nosso (anti-)herói é trocar o valor que vai recebendo por armas e outros desígnios bélicos. Não convém esquecer que assumimos a pele de um mercenário, alguém que troca a sua ação por dinheiro em vez de honra ou medalhas. Assim, o vil metal pode ser instantaneamente trocado por armas no mercado negro através do acutilante Blackjack. Sendo que o mais comum são os sistemas Van-Guard, a possibilidade de utilização de silenciadores, por exemplo, aguça ainda mais o apetite para os níveis seguintes de “Killzone: Mercenary”.

Existem armas para todos os gostos e necessidades mas no início Darren “apenas” está equipado com um drone controlado remotamente (Mantys Engine), acionado através do painel frontal, para além de granadas M194, uma pistola M82 e a potente STA-18SE.



No que toca à filosofia de jogo, a versão Vita permite dois objetivos diferentes. Se em termos narrativos podemos “seguir” ordens e diplomacia dos altos quadros da ISA, existe também a possibilidade de apenas terminar missões em tempo recorde conseguindo o maior número de conquistas possíveis num mesmo patamar.

O multiplay é outra funcionalidade que leva a pensar que estamos a jogar noutra plataforma que não a VIta, tendo o jogador a possibilidade de contar com a presença de mais sete camaradas de armas ao longo de seis mapas díspares (pensados para lá da versão sniper) e em três modos diferentes, incluindo uma espécie de warzone.

Em jeito de resumo, esta primeira amostra de “Killzone: Mercenary” impressiona e é exatamente aquilo que os fãs dos shooters pretendem: muita ação, adrenalina, sentimento de domínio face aos destinos e controlos do próprio jogo, armas de cortar a respiração e gráficos excelentes.

Ainda que seja cedo para tirar conclusões definitivas parece ser desta que a VIta entra definitivamente no coração dos apreciadores deste tipo de jogos, algo que o gigante japonês procura de forma a afirmar a consola no mercado como também a dizer presente face à crescente concorrência.

In Rua de Baixo

quarta-feira, 24 de julho de 2013

“O PALÁCIO DA MEIA-NOITE”
de CARLOS RUIZ ZAFÓN

Os oito em Calcutá



Depois do enorme sucesso que o espanhol Carlos Ruiz Zafón conseguiu com “A Sombra do Vento” – especialmente – e “O Jogo do Anjo”, o autor natural de Barcelona entrou numa negação produtiva que apenas foi quebrada com “O Prisioneiro do Céu”.

De forma a colmatar essa ausência editorial, Zafón reeditou alguns dos livros que escreveu antes das aventuras de Daniel Sempere no Cemitério dos Livros Esquecidos e que tinham, como público-alvo, uma faixa etária mais juvenil.

Para além de “O Prisioneiro do Céu” – que revisita os inesquecíveis personagens de “A Sombra do Vento” – e “Marina”, a editorial Planeta lança agora “O Palácio da Meia-Noite”, segundo volume da Trilogia da Neblina composta por o também já editado “O Príncipe da Neblina” e que terá, como tomo final, “As Luzes de Setembro”.

Escrito em 1994, “O Palácio da Meia-Noite”, agora revisto e melhorado, volta a revelar a mestria de Zafón que consegue, com uma magia inata, criar uma estória sinónimo de montanha-russa emocional que prende o leitor da primeira à última página e que tem, como ingredientes principais, um misto de fantasia, terror, suspense e um cenário escuro que apenas ganha brilho com a conduta dos vários personagens.

A grande novidade deste romance é o cenário da ação. Ao contrário dos outros livros de Zafón, não é em Barcelona que se vivem todas as peripécias mas sim na mística Calcutá, no coração da misteriosa Índia.

Ao longo das páginas deste livro ficamos a conhecer a maravilhosa e fatídica estória de Ben e Sheere, dois irmãos gémeos separados à nascença que, na companhia dos outros membros da Chowbar Society – irmandade que se reúne semanalmente no Palácio da Meia-Noite -, se vêem envolvidos na derradeira e maior aventura das suas vidas, que vai mudar o destino destes destemidos jovens que tomavam como sua a cidade de Calcutá, prolífera em edifícios e com uma atmosfera única.

A ação divide-se entre 1916 e 1932, e a aventura inicia-se quando numa inimaginável noite de terror o tenente inglês Peake tenta proteger com a sua vida dois bebés que fogem ao pior dos destinos: o desejo de vingança de Jawahal. Lutando contra a morte a cada passo, Peake consegue entregar as pequenas criaturas a Aryami Bosé, sua avó, que se afigura com a única salvação.

De forma a salvar os únicos rebentos que resultaram da feliz união da sua filha com o peculiar engenheiro e escritor Chandra Chantterghee, Aryami Bosé decide levar Ben para o orfanato St. Patrick, dirigido por Thomas Carter, para manter Sheere sob a sua proteção.

Dezasseis anos depois, o terrível Jawahal decide voltar a ameaçar tudo e todos de forma a dar o golpe final e completar os seus maquiavélicos planos. No centro deste turbilhão de acontecimentos vividos em plena cidade dos palácios, os oito membros da Chowbar Society vão sentir, literalmente, o fogo do ameaçador e sinistro Jawahal – uma das mais interessantes personagens criadas por Zafón – e lutar contra os próprios medos.

A forma como Zafón leva o leitor por entre as ruas escuras de Calcutá e os embrenha no mistério de Ben e companhia torna “O Palácio da Meia-Noite” num livro obrigatório, não só para os fãs do autor de “A Sombra do Vento” mas para todos, independentemente da idade, que gostam de um estória maravilhosa, repleta de ação, fantasia e enigmas.

Para a memória ficarão, sem dúvida, as maravilhosas descrições de uma cidade repleta de edifícios e locais mágicos, assim como o conhecimento do “Pássaro de Fogo”, a arma mortífera de Jawahal ou o assustador comboio de chamas.

In Rua de Baixo

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Pet Shop Boys
“Electric”

A experiência é um posto




Imaginem que misturamos uma dose de New Wave, pitadas de Micheal Nyman, porções generosas de synth-pop, batidas oriundas da década de 1980, um toque de Rap e - espantem-se - versos de Bruce Springsteen. Finalizada a mistura de todos os ingredientes, confiemos na magia do chef Stuart Pierce (figura de proa na produção de nomes como The Killers, Madonna ou Kylie Minogue), que dá os toques finais a esta receita imaginada pela dupla Neil Tennent e Chris Lowe que, ao fim de três décadas, continua a ocupar o lugar mais alto do universo eletropop.

Falamos, claro, de “Electric”, o décimo segundo disco da carreira dos britânicos Pet Shop Boys, que tem a particularidade de ser o primeiro disco desta dupla a ser editado fora da mítica Parlaphone, estreando assim a X2, etiqueta propriedade dos criadores de sucessos como “West end Girls” ou “Go West”.

Depois do mais escuro e introspetivo “Elysium”, editado em 2012, os Pet Shop Boys arriscaram uma mudança de paradigma e lançaram-se numa aventura mais dançável e solarenga, recuperando anteriores bases rítmicas que tinham como mote ondas de sintetizadores futuristas, batidas agitadas, excelentes exemplos líricos e uma urgência digna de uns rapazes de vinte anos. Ainda que nada, ou pouco, tenham a provar, os Pet Shop Boys tornaram “Electric” num disco inspirado nas pistas de dança, sendo que para isso tiveram o precioso contributo do já referido Stuart Pirece, que conseguiu dar uma ambiência refrescante e descaradamente pop ao disco número doze da banda londrina.

São muitas as surpresas em “Electric” e, por exemplo, o astuto “Love is a Bourgeois Construct”, tendo como base uma criação datada de 1982 de Micheal Nyman, retirada da banda sonora do filme “The Draughtman’s Contract”, denota uma assinalável carga digital. Por outro lado, “Axis”, a faixa que abre o disco” e primeiro single deste novo trabalho, emerge de um mar repleto de toadas atmosféricas de cariz sintético, enquanto “Fluorescent”, envolta de um house de características góticas, afasta definitivamente os fantasmas de “Elysium” e abre as portas à nostalgia new wave.

Tendo em conta a multifacetada discografia dos Pet Shop Boys, este novo trabalho reforça a sua condição de ser assente num sofisticado electropop, que povoava os dois primeiros discos do duo e que, a meio da década de 1980, encantava os mais exigentes frequentadores das pistas de dança. Assim, são muitas as referências a “Please” (1986) e “Actually” (1987) e músicas como “Inside a Dream” e “Thursday” carregam consigo texturas que percorrem caminhos onde os teclados cintilantes dão lugar a vigorosos pianos e vozes sampladas. Se, no primeiro caso, somos remetidos para algumas paisagens sonoras de uns saudosos New Order ou Eletronic, em “Thursday” a colaboração do rapper britânico Example faz a música dos Pet Shop Boys soar mais eclética, característica que também pode ser encontrada na elíptica “Bolshy” e na enérgica “Vocal”, segundo single retirado de “Electric”.

É certo que a nostalgia pop é uma constante em “Electric”, mas existem alguns traços de arrojo que funcionam em pleno. Um desses exemplos é a surpreendente e eficaz versão de “The Last to Die”, um original de Bruce Springsteen que nas mãos dos Pet Shop Boys torna-se numa emotiva peça dançável de faz corar os mais sábios mestres das pistas.

No fundo, com este trabalho a dupla londrina faz um disco muito interessante que funciona como uma espécie de doce regresso a casa, que apenas uma carreira experiente pode permitir. Sem ser uma óbvia repetição de fórmulas, “Electric” é um disco que enche as medidas aos fãs de sempre de Tennent e Lowe que, de forma segura, apresentam nove composições que fazem uma viagem pelos mais de trinta anos de uma carreira acima de qualquer suspeita, e que marcou definitivamente o espectro musical das décadas de 1980 e 1990, sem cair em fúteis tentações oriundas de ditaduras musicais sazonais.

Para os Pet Shop Boys, fazer música é, acima de tudo, uma forma de estar na vida e contribuir para a felicidade de quem os ouve, e “Electric” assume-se com um disco maduro e familiar, sem soar a repetição de fórmula, o que, nos dias de hoje, é já uma façanha em si mesma.

Alinhamento:

01. Axis
02. Bolshy
03. Love is a Borgeois Construct
04. Fluorescent
05. Inside a Dream
06. The Last to Die
07. Shouting in the Evening
08. Thurday (Featuring Example)
09. Vocal

Classificação do Palco: 7,5/10

In Palco Principal

sexta-feira, 19 de julho de 2013

“ROLANDO TEIXO”
de PEDRO BIDARRA

As desventuras do homem-árvore



Depois de Ana Zanatti e Joana Pereira da Silva terem tido a honra de iniciar a coleção “Poucas Palavras, Grande Ficção”, a editora Guerra & Paz lança agora “Rolando Teixo”, um livro da autoria de Pedro Bidarra, que versa sobre a natureza solitária de um homem normal cuja banalidade da existência é assombrada por uma série de acontecimentos que o levam a refugiar-se numa natureza especial.

Depois da experiência como psicólogo, pianista, professor de composição, produtor de discos e homem da rádio, Pedro Bidarra, um dos maiores nomes nacionais do ramo da criatividade publicitária, oferece-nos agora, em formato livro, pedaços da vida de Rolando, um bancário que se vê a braços como uma transformação psicológica e física que vai mudar a sua vida.

No fundo, este novo tomo da coleção “Poucas Palavras, Grande Ficção” surge, mais uma vez, como a confirmação que não são necessárias muitas páginas pare se escrever um excelente romance. Em “Rolando Teixo”, Bidarra consegue transmitir um certo clima de anormalidade, de desconforto face a uma vida que a banalidade rotineira pode destruir a cada dia que passa e, como uma transformação – ainda que surreal -, pode representar uma esperança pensada perdida.

Mais importante que ter um carro de alta cilindrada, um emprego ou uma vida “arrumadinha”, é a sensação de se estar vivo, de sentir a alma crescer ainda que de forma metaforicamente vegetal e que contraria o curso normal da vida.

Fingir ser aquilo que não somos, seguir uma existência sem raízes que faz corpo e alma explodir em metades que não conseguimos unir, leva a olhar a vida como uma doença sem explicação e que faz jurisprudência com a realidade que se abraça.

“Rolando Teixo” é uma viagem pelo interior de um homem desalmado, que se refugia nos jardins de uma cidade invernosa que liberta raios de sol e esperança quando menos se espera; e que é dona de um silêncio que abafa qualquer ruído saído de um noticiário, que apenas serve de banda sonora para quebrar a monotonia que uma relação desgastada oferece.

Por vezes os finais felizes surgem de forma inesperada e manifestamente diferente. “Rolando Teixo” faz a ponte entre o homem-máquina e o ser vivo que precisa de amor e carinho, de alma, e é um livro para todos os que gostam de segredos e, essencialmente, de uma boa estória.

In Rua de Baixo

“AS PERFEIÇÕES PROVISÓRIAS”
de GIANRICO CAROFIGLIO

O Método Nostálgico




Ao longo da vida existem momentos raros onde tudo parece encaixar, funcionar, existir. É nessas alturas que hesitamos olhar para o passado ou tentamos imaginar um futuro, pois o presente assume-se perfeito, ainda que de forma temporária, provisória.

São estas as ocasiões que o italiano Gianrico Carofiglio tenta aprisionar dentro de um objeto que convencionámos chamar de livro e que é, no fundo, a extensão da própria vida e, neste caso, um combate à solidão.

Ainda que “As Perfeições Provisórias” seja o quarto romance deste italiano, magistrado de profissão e conhecido juiz antimáfia, esta é a primeira vez que Portugal tem o privilégio de conhecer algum do quotidiano de Guido Guerrieri, um advogado de Bari que aposta na investigação de casos que roçam a poesia do policial de tendências negras e que o acesso à complicada meia-idade o tornou mais humano, mais ponderado, mais nostálgico.

E é o recorrente regresso ao passado que torna especial o método utilizado por Guerrieri na resolução de mistérios e casos aparentemente sem nexo, causa ou sentido. Desta vez, o peculiar advogado de Bari, já instalado no novo e impessoal escritório e com a sua equipa aumentada, é confrontado por um desconcertante desaparecimento de uma jovem que deixou amigos e familiares à beira de um ataque de nervos e incompreensão.

Antes de conhecer a investigação que o vai acompanhar nos dias seguintes, Guido desloca-se a Roma para mais uma aventura com a justiça. Para este homem, qualquer situação banal pode transformar momentos de alguma normalidade em verdadeiros hinos contra a inércia e são esses truques que fazem com que este romance ganhe uma fluidez própria e sagaz. No curso da referida viagem, por exemplo, Guerrieri conhece um taxista apaixonado por livros e, durante a corrida para o aeroporto, desenvolve-se um diálogo literário entre os dois homens, frases que proporcionam uma outra visão da vida e que tornam um encontro fortuito num episódio especial, num caso onde a “perfeição” é provisória…

Este é um dos exemplos que vamos encontrar ao longo das páginas de “As Perfeições Provisórias”, que faz também um retrato de sociedade italiana que ainda não conseguiu afastar definitivamente um quotidiano marcado por acessos racistas, corrupção, chantagem emocional e tráfico de influências e substâncias ilícitas.

Concentrando-nos novamente no cerne deste romance, levado aos escaparates pela Porto Editora, Guido vê-se confrontado não com a defesa de um cliente nas barras do tribunal, mas sim com a tentativa desesperada de um casal cuja vida perdeu sentido há cerca de seis meses com o desaparecimento da sua filha Manuela.

Esta difícil realidade chega às mãos de Guerierri através de um amigo e Guido dá-se conta do desespero dos Ferraro, um casal que se encontra na mesma faixa etária do nosso investigador (a meio dos quarentas) mas que a ansiedade e o sentimento de perda transformaram em seres amorfos e seculares.

A polícia deu o caso por encerrado depois das inconclusivas investigações mas, para os Ferraro, ainda tudo pode acontecer. E é com uma réstia de esperança que pedem a Guido para rever o processo, de forma a encontrar uma ponta solta que os leve a acreditar um dia saber o que aconteceu à sua filha, se a mesma está viva e onde se encontra.

Renitente, Guido acaba por aceitar o trabalho anda que não deposite grandes veleidades na sua proto-investigação. Para tentar entender o que (não) aconteceu, Guerrieri volta a falar com os investigadores e convoca os amigos mais chegados de Manuela, que conviveram com ela nos últimos dias antes do intrigante desaparecimento depois de um fim de semana conjunto.

Como é apanágio deste homem, a reinvestigação do caso leva-o a diversos conflitos interiores e acessos nostálgicos que são o sumo de uma vida algo solitária e carente que vê, na amizade, um dos seus maiores desígnios. Uma das ligações mais fortes deste advogado com a existência é feita no Chelsea Hotel, um bar especial que é propriedade de Nadia, uma ex-prostituta e cliente do escritório de Guido que se revela uma companhia douta, reconfortante e compatível, cuja paixão comum pelo cinema leva a um das mais interessantes e emotivas passagens deste romance.

Mas, tal como já referimos, este é também um livro sobre a solidão, a falta de palavras, o silêncio, mas que o acutilante humor da escrita de Carofiglio na primeira pessoa transforma em momentos de indiscutível beleza. Guido é o expoente do homem metafórico que apenas se solta quando assume o papel de advogado e se afasta do ex-pugilista amador que encontra no seu (mister) saco de boxe o parceiro ideal de “conversa”.

A forma como o autor conduz a trama deste livro afasta a mesma da normal cadência de um livro policial, e a investigação parte de uma tendência unidimensional para se transformar, aos poucos, num enredo maior e mais rico quando Guido convoca a presença das amigas de Manuela ao escritório, com óbvio destaque para a personagem de Caterina, a melhor e cativante amiga de Manuela que provoca uma série de dilemas interiores no investigador.

Com um ritmo muito próprio e particularmente emotivo, “As Perfeições Provisórias” é uma obra altamente recomendada para os amantes de um policial inteligente e nostálgico e que vai, com certeza, deixar os leitores a salivar por mais aventuras de Guido Guerrieri.

In Rua de Baixo

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Optimus Alive'13
dia 3: Sociedade das Nações

Foi um desfilar de diferentes nacionalidades que encheu os palcos no último dia do Optimus Alive'13. Os australianos Tame Impala, os portugueses Linda Martini e Brass Wires Orchestra, os franceses Phoenix, o dominicano George Lewis Jr., vocalista dos Twin Shadow, os norte-americanos Band of Horses e Kings of Leon, os islandeses of Monsters and Men e os ingleses Jake Bugg e Alt-J foram uma amostra da universalidade de um evento como este. Porque a música ainda consegue unir nações.



Linda Martini – 18h00, Palco Optimus

Mais um dia, mais uma viagem. No derradeiro capítulo do Optimus Alive 2013, o palco principal do evento contou, a abrir, com um nome nacional. A celebrar a primeira década de uma carreira segura e em crescendo, os Linda Martini, a cerca de dois meses de lançarem um novo álbum, tiveram a merecida honra de seguir os Oquestrada no dia anterior.

Para além da aglutinação cultural que um festival como este significa, a função divulgadora do mesmo ocupa um lugar de destaque nos seus propósitos. Existem muitas e boas bandas portuguesas que, ao terem a possibilidade de fazer parte de um cartaz exigente como é o deste Optimus Alive, têm uma oportunidade de ouro para mostrar o seu trabalho em termos internacionais. Para além da imprensa estrangeira apostar em força na divulgação deste festival - de forma a seguir as suas bandas conterrâneas -, a organização do Optimus Alive aponta para a presença de mais de 15 mil almas de outros quadrantes que, durante estes últimos três dias, dançaram, vibraram e sentiram o paraíso sonoro vivido no Passeio Marítimo de Algés.

E como é de música que mais importa falar, os Linda Martini voltaram a dar um excelente concerto, conseguindo atrair a maior moldura humana registada aquando do primeiro espetáculo no palco Optimus. Com uma legião de fãs que os segue há mais de uma década, a banda de “Amor Combate” começou o concerto com um dos seus maiores hinos, “Dá-me a Tua Melhor Faca”. Depois, “Juventude Sónica” e “Amor Combate” levaram os presentes a sentir a potência do som do quarteto, que testou dois temas de “Turbo Lento” (a sair a 30 de setembro), com “Ratos” já a ser cantado em uníssono pela grande maioria do público.

Sempre muito comunicativo, Hélio Morais agradeceu a todos pela fidelidade que já dura dez anos, prometendo mais aparições ao vivo no próximo outono, com os presentes a responderam em forma de aplauso. O infelizmente curto concerto continuou com “Belarmino”, dedicado a todas as mães, e “O Amor é Não Haver Polícia”, que fez subir os decibéis. O final foi feito, como tem sido habitual, com “100 Metros Sereia” a levar Hélio a mergulhar num crowdsurfing à beira-rio.

Os Linda Martini estão de parabéns pela década de vida, luta, perseverança e talento, e um dia esperemos vê-los uns degraus (ainda mais) acima no alinhamento de um festival deste gabarito.

Brass Wires Orchestra – 18h40, Palco Heineken

E enquanto os Linda Martini «partiam a louça» no palco principal, os também portugueses Brass Wires Orchestra subiam ao Palco Heineken para mostrarem a sua música folk.

São poucos os que já aqui estão – afinal, as bandas mais fortes subirão bem mais tarde aos palcos –, mas nota-se que conhecem bem as canções da banda, que vai buscar influências a nomes como Munford & Sons, Beirut e Fleet Floxes, entre tantos outros.

Metais, como trompete e saxofone, bateria, violino, guitarras acústicas e elétricas, e violoncelo compõem a parafernália de sons que saem das colunas. As canções incluem desde a mais conhecida “Finders Keepers”, até “Wash My Soul” ou “Tears of Liberty”. Uma música que faz grande sucesso em festas académicas e que, no cenário mais exigente de um festival, consegue dar conta do recado.

E é tempo de mudar para o palco principal, onde, dentro de minutos, estreia Jake Bugg.

Jake Bugg – 19h00, Palco Optimus

Era grande a expectativa perante a estreia do jovem inglês em Portugal. Com apenas um álbum gravado, “Jake Bugg” (outubro 2012), e apenas 19 anos, Bugg conseguiu, no entanto, reunir um bom número de pessoas junto ao Palco Optimus e não se deixou intimidar pelo espaço. Aliás, Jake tinha apenas 17 anos quando foi escolhido pela BBC para estar no palco dedicado às «novidades» no famoso festival de Glanstonbury. Depois disso, tudo são «peanuts».

Além de algumas canções do seu trabalho, como “Two Fingers”, “Taste it”, “Seen it All”, “Trouble Town” ou “Ballad of Mr. Jones”, Bugg foi buscar ainda novidades como “Kentuchy”, entre outras, uma delas tocada ao vivo pela primeira vez, revelando que está preparado para um segundo trabalho. Contudo, a apresentação de novas canções, além das do álbum, provocou alguma desilusão no público, que esperava, talvez,ouvir as melodias que já conhecia.

De sorriso tímido e obviamente satisfeito, Jake agradeceu, continuou sobriamente a cantar e conseguiu ainda ser brindado por uma fã mais atrevida, que expôs o peito nu - momento captado pelas câmaras, para gáudio do público.

Depois de trocar de guitarra, Jake Bugg fica sozinho em palco para interpretar “Broken”, uma das melhores canções do seu álbum. É difícil acreditar que aquelas letras e músicas saem da caneta de um, praticamente, adolescente, quando falam de experiências tão adultas. E são as guitarras, acústicas e eléctricas, as grandes companheiras do músico, que vai alternando entre Martin, Fender, Gretsch e Gibson.

Se havia dúvidas sobre a prestação de Jake num palco desta dimensão, ficaram bem dissipadas. Agora, as expectativas subiram de parada. Mas Bugg tem tudo para dar conta do recado.

Of Monsters and Men – 19h45, Palco Heineken

Contrariando e adaptando um dos mais conhecidos provérbios portugueses, podemos dizer que da Islândia só bom vento e casamento. Quem ontem assistiu ao concerto da banda de Nanna e Ragnar sentiu que, ao contrário dos seus nomes impronunciáveis, a música que resulta deste coletivo composto, no total, por sete elementos é de uma simplicidade desarmante, onde o folk de características algo indie e doces encantou um Palco Heineken a rebentar pelas costuras.

O público, maioritariamente jovem, é certo, cantou, dançou, saltou e celebrou durante os cerca de 50 minutos que durou o concerto como se não houvesse amanhã, deixando visivelmente emocionados os membros da banda originária de Keflavik, cidade localizada no extremo sudoeste da ilha.

Naquela que foi a primeira atuação em Portugal, o alinhamento do concerto teve no álbum “My Head is an Animal” o maior filão, encantando os OMAM o coração dos presentes com temas descaradamente pop e orelhudos como “From Finner”, “Dirty Paws”, “Slow and Steady”, ”Your Bones”, “King and Lionheart” e, obviamente, “Little Talks”, canção que deu origem a um verdadeiro motim festivo entre os presentes.

A fechar, os OMAM tocaram “Six Weeks” com uma bandeira portuguesa oferecida pelo público atada à estrutura que segurava o microfone de Ragnar. No final do concerto todos sentiam que assistiram a uma espécie de ritual despretensioso, onde a celebração da felicidade era o que mais ordenava.

Tame Impala – 20h10, Palco Optimus

Eléctrico, psicadélico, encadeante. São estas as melhores palavras para descrever aquilo que se viu em palco durante a prestação da banda australiana que lançou, no final do ano passado, o aclamado “Lonerism”, uma efusão de cores psicadélias e rock dos anos 60, com a voz fabulosa de Kevin Parker, que parece fazer-nos viajar para uma comunidade hippie dos anos 60. A par com a música, as imagens que foram passando pelos ecrãs, revelaram-nos cores psicóticas, grafismos abstratos e movimentos que poderiam ser induzidos por substâncias menos legais.

Os cinco músicos conseguem, muito fielmente, traduzir em palco as teclas, as guitarras e a voz de Parker conforme ouvimos no CD. Guitarradas poderosas, teclados fortes, baterias aceleradas e a vontade de se divertir desta banda, que é fortemente aplaudida pelos milhares que ali se vão acumulando, são o forte dos Tame Impala. E se há momentos em que o público parece hipnotizado por aqueles sons, outros há em que as notas iniciais de canções como “Feels Like We Only Go Backwards”, “Apocalypse Dreams” e a mais roqueira “Elephant” parece acordá-los de um torpor aparente, para os eletrificar até aos ossos.

Twin Shadow – 21h01, Palco Heineken

Um dos melhores concertos deste Optimus Alive, pela energia, pela dança, pela alegria em palco do vocalista George Lewis Jr. O público cantou e dançou, numa explosão de bons sentimentos, canções como “Golden Light”, a conhecida “Five Seconds” – numa ligação mágica entre Lewis e o público –, “Backburner”, “At My Heels”, “Run My Heart”, “Be Mine Tonight” e Patiente”, entre outras, numa onda que mistura a influência dos 80’s synth com o rock também dessa década.

Lewis saltava e dançava pelo palco e estava esfusiante com a reacção do público, com o qual acabou por partilhar um segredo. “You are way better than the spanish”, afirmou em jeito de confidência, agarrado ao microfone, para depois se justificar perante os muitos espanhóis que se encontravam no recinto: “You are great, but portuguese do it a little better”. Claro que nós respondemos à altura. E, talvez por isso, tenhamos sido brindados com uma canção que foi estreia absoluta ao vivo na Europa. Num ritmo mais lento, George Lewis entoou: “If you ever get out alone…”

Canções em coro, namoradas estimuladas a subir aos ombros dos namorados e palmas, entre outras trocas de amor entre banda e audiência, foram apenas um dos muitos estímulos deste concerto. Valeu a pena ver, ouvir, dançar, cantar e viver um momento destes. É para isso que aqui, também, estamos.

Phoenix – 21h20, Palco Optimus

Hoje, particularmente, o Palco Optimus serviu como uma espécie de nações unidas. Depois dos portugueses Linda Martini, do britânico Jake Bugg e dos australianos Tame Impala, eis que surge a vez dos franceses Phoenix.

Praticantes de um rock assente na potência rítmica que resulta do trabalho feito nos sintetizadores, a banda natural de Versalhes, que saltou para a ribalta com “Wolfgang Amadeus Phoenix”, álbum de 2009, chega a Portugal meses depois de lançar “Bankrupt”.

A sempre complicada tarefa de figurar como a banda que antecede o cabeça de cartaz de um festival foi superada com distinção por Thomas Mars e restante pandilha, que deram um concerto potente, onde guitarras, bateria e, claro, sintetizadores, disputavam à vez uma supremacia que apenas resulta fazendo parte de um todo.

Em forma circular, os Phoenix começaram e fecharam o concerto com “Entertainment”, faixa roubada ao recente “Bakrupt”, e pelo meio distribuíram eletricidade com “Lasso” - momento no qual a banda contou com dois bateristas –, seguido de “Litszomania”, que contou com a ajuda das vozes vindas do público, que, sob um órgão hipótico, cantava e dançava.

“Armistice”, faixa que encerra “Wolgang Amadeus Phoenix”, “Girlfriend”, “1901” e “Run, Run, Run” demonstraram que o som que os Phoenix praticam ao vivo supera em intensidade o registo de estúdio, tornando a sua música mais densa e interessante, ideal para ouvir nos dias de um verão que continua intermitente.

Um dos momentos mais intensos da atuação dos franceses registou-se com “Like a Sunset”, com Mars a invadir as primeiras filas do público, local que adaptou como seu até quase ao final de um concerto que entusiasmou sobremaneira os milhares que já aguardavam pelos Kings of Leon.

Kings of Leon – 22h00, Palco Optimus

Foi por eles, certamente, que muitos dos que encheram o recinto da terceira noite esperavam. E talvez tenha ficado bem surpreendidos - ou talvez não.

Ao vivo, os Kings of Leon conseguem levar mais pontos do que quando jogam apenas em «casa», nas aparelhagens, e acabam por ser mais interessantes. Ainda assim, o rock dos Kings of Leon não traz grandes surpresas e, para quem não é grande apreciador do género, pode revelar-se aborrecido. Muitas guitarradas, muitos riffs, muitas batidas de bateria, numa noite em que os cabeça de cartaz se revelaram muito pouco faladores.

“Sex on Fire” fechou a noite e foi o momento mais alto deste concerto. Ficou uma espécie de ressaca de boa festa, mas sem festa.

No palco no outro extremo do recinto, há Band of Horses e uma festa real para ver.

Band of Horses – 00h05, Palco Heineken

Aparentemente tranquilo quando lá chegámos, no momento em que se adivinhava a subida da banda ao palco, o recinto compôs-se. Muitos foram, certamente, os que abandonaram os King of Leon para ver o que se passava deste lado.

E por aqui começa-se mal, para acabar bem. Nas primeiras duas canções, o som da bateria e das teclas sobrepõem-se, e muito, à voz bem característica de Ben Bridwell e às guitarras. O som só parece acertar em cheio no terceiro tema.

Em vez de optarem maioritariamente pelo último álbum, “Mirage Rock”, os Band of Horses saltam entre “Everything All the Time” (2006); “Cease to Begin” (2007); e “Infinite Arms” (2010). O público, conhecedor, não se importa e reage com entusiasmo a canções como “Monsters”, “The Funeral” e “The Great Salt Like”, do primeiro; “No One’s Gonna Love You”, do segundo; e, a fechar, “Knock KnocK”, do último.

“It’s been a long time since we’ve been here. Thanks for taking us back”, diz-nos um Ben Bridewell, que escorre água por todos os poros. Com o seu típico boné, que ora vai tirando, ora vai colocando, o vocalista canta com uma emoção a que não ficamos indiferentes. É como se as canções lhe saíssem, literalmente, do coração.
E fechamos assim mais uma noite de Optimus Alive. Por aqui, passaram cerca de 150 mil pessoas, muitos espanhóis e ingleses, a contribuir ainda mais para a diversidade de nações. Para o ano, nos dias 11, 12 e 13 de julho, estaremos de volta. E a música continuará a ser o nosso ponto comum.

Texto: Carlos Eugénio Augusto e Helena Ales Pereira

Fotografias: Manuel Casanova e Marta Ribeiro

In Palco Principal

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Optimus Alive'13, dia 2
Música para as massas e uma imensa minoria

Depois de uma sexta-feira com muitos e bons concertos, esperava-se um segundo dia de Optimus Alive forte - e foi isso que aconteceu. Foram cerca de 50 mil os presentes no Passeio Marítimo de Algés que deliraram com Depeche Mode, vibraram com Rhye, Capitão Fausto e com o felino Paulo Furtado, sentiram o som fantasmagórico dos How to Dress Well ou o sonhador indie rock dos interessantes DIIV, e ainda tiveram tempo para agitar a alma com os Chrystal Castles.



DIIV – 17h45, Palco Heineken

Quando o cartaz desta edição do Optimus Alive foi divulgado, alguns dos nomes que faziam parte dos palcos secundários eram ilustres desconhecidos para a grande maioria das pessoas. É também essa a missão de um evento como este: divulgar, dar a conhecer novas bandas, novos sentimentos e emoções.

Envoltos nesse espírito de descoberta, decidimos começar a nova aventura neste sábado assentando arraias no Palco Heineken logo na abertura. A primeira surpresa, muito boa diga-se, chega-nos de Brooklyn, Nova Iorque. Chamam-se DIIV (antes denominavam-se DIVE) e praticam um rock de tendências indie a roçar o shoegaze e o dream pop, onde as guitarras em desalinho mostram um caminho sublinhado por uma bateria competente e umas teclas sóbrias.

Quinteto formado em 2011, e que tem nos Nirvana uma das suas maiores referências, segundo o próprio vocalista da banda, Zachary Cole Smith, os DIIV basearam a sua performance em “Oshin”, o único álbum da banda, que ficou entre os melhores 40 discos de 2012, de acordo com a prestigiada "Pitchfork".
Durante cerca de 30 minutos, ouvimos “Follow”, “Sometime”, “Ocean” ou a nova e mais sónica “Dust”, e ficou a sensação de estarmos perante uma banda de futuro, que tem na sua juventude uma das maiores características. A reação do público foi excelente: quem estava junto do Palco Heineken, deu por bem empregue o seu tempo, certamente.

Em jeito de despedida, Zachary, que já tinha elogiado o grande concerto que os seus patrícios Vampire Weekend tinham oferecido naquele mesmo palco na noite anterior, aconselhou os presentes a dar um salto ao Palco Clubbing, de forma a verem How to Dress Well. Nós, que gostamos de bons conselhos, lá fomos…

How to Dress Well – 19h00, Palco Optimus Clubbing

Depois de assistirmos a uma muito interessante prestação dos portugueses Oquestrada, que tiveram honras de abrir mais um dia no palco principal, voltámos baterias para a zona mais dançável do festival.
Às 19 horas certinhas, os poucos presentes no Clubbing aplaudiam a entrada de Tom Krell, que ontem se fez acompanhar por um MC discreto, que tem também a responsabilidade de tocar violino durante as atuações dos How to Dress Well (HTDW), conferindo ao já especial som da banda um tom ainda mais intimista.

E por sabermos que estávamos perante um dos projetos que mais reclama o silêncio para conseguir demonstrar a sua música na plenitude, este concerto revestia-se de alguma expetativa. Bem-disposto, Krell, licenciado em Filosofia e que tem entre as suas maiores influências Mariah Carey e Lubomyr Melnyk, pedia alguma paciência aos presentes pelo som à sua volta e reclamava espaço para os seus vídeos, que tornam os concertos dos HTDW numa experiência ainda mais especial e que podem conter imagens estáticas de peças de roupa ou exercícios contorcionistas.

Infelizmente, um espaço como um festival não é, definitivamente, o local ideal para a música deste projeto. A hora escolhida (com Jurassic 5 no palco principal e Wild Belle no Heineken) revelou-se madrasta para a música intimista dos HTDW. Mas, quem assistiu ao belo recital de Krell e comparsa, saiu de alma cheia.
A atuação concentrou-se maioritariamente em “Love Remains” e “Total Loss” e, ao longo do concerto, as batidas sintéticas down tempo e o violino serviram de paisagem para a maravilhosa voz de Krell, qual Farinelli, que com uma simplicidade arrebatadora transforma minutos de fragmentos musicais em peças de rara beleza.

Entre as escolhidas estiveram as belíssimas e desconcertantes “Running Back”, “Talking to You”, “Ocean Floor for Everything”,“I’m Gonna Miss Her”, dos referidos álbuns, mas ainda tivemos o privilégio de ouvir “No More Death”, uma das novíssimas canções dos HTDW.
No final, Krell enaltece a organização do festival, bate palmas e, em troca, recebe mimos da audiência. Foi bonito, justo e de salutar. Esperemos, sinceramente, rever os HTDW, mas noutro tipo de ambiente, se faz favor. Paz!

Rhye – 20h00, Palco Heineken

A expetativa era grande sobre uma banda que arrancou exclusivamente na Internet, disponibilizando alguns vídeos sem grande informação. O álbum “Woman” (março 2013) e as imagens de corpos feminino ajudaram à criação de alguns enganos sobre o projeto. Muita gente queria ver o rosto por detrás daquela voz suave, feminina, que nos levava ao reino dos sonhos.

Por isso, a surpresa foi grande quando se viu Mike Miloshi a assumir os comandos do microfone. Com “Verse” reconhecemos imediatamente aquela voz, relaxante. E é assim que a maioria do público vê este concerto, de forma descontraída, muitos sentados no chão, sem os saltos habituais dos concertos nos festivais. O duo, composto pelo, já referido, canadiano Mike Miloshi (voz e percussão) e pelo dinamarquês Robin Hannibal (sintetizador), é acompanhado por baixo, violino, bateria, contrabaixo elétrico e trombone, estes dois tocados por Claire, a única mulher da banda.

A música dos Rhye está no plano dos sonhos: um indie pop, que faz um casamento entre soul e easy listening, numa onda meio etéreo, meio mágica. Apaixonado por jazz, Miloshi, que começou a tocar violino aos três anos de idade, sabe misturar na perfeição todas estas influências para criar algo que é difícil de descrever, mas muito fácil de ouvir, e que nos conquista à primeira.

“It’s the first time we play to so many people. We’re very nervous”, confessa Miloshi. Os concertos da banda são, geralmente, quase às escuras e muitas das entrevistas são feitas com pouca luz, para que os rostos não estejam muitos expostos. É normal que, num concerto ainda de dia, os nervos estejam à flor da pele. “TheFall”, “Woman” e “Last Dance” são alguns dos temas que se vão ouvindo. “City” é uma surpresa mais acústica, quando o baixista troca o baixo por uma guitarra acústica. “This is a song from my solo album”, explica Mike Miloshi. Lançado em 2006, “Meme” é um dos três trabalhos a solo do músico.

Depois de muitos pedidos, os Rhye acabam por ceder. “Do you wanna ear 'Open', right?”. O público grita, está à espera dessa canção. Mike confessa que a banda está apaixonada pelo nosso país. Chegaram uma semana antes do concerto e andaram a viajar por Portugal. Mas, num festival, o tempo marca tudo e Mike vai olhando para o relógio e afirma que tem só mais dez minutos para tocar. Depois de apresentar “Hunger”, com Claire a fazer um belíssimo solo de trombone, e depois das apresentações da banda, é tempo de dizer adeus. A fechar, mais uma canção de Miloshi, do álbum “Meme”: “It’s Over”. Com muita pena nossa. Vamos esperar pelo regresso.

Editors – 20h30, Palco Optimus

Depois de uma estimulante performance dos Jurassic 5, donos de uma energia hip hop contagiante e que resulta na perfeição no âmbito de um festival como o Optimus Alive, os milhares que estavam na principal área no Passeio Marítimo de Algés esperavam os britânicos Editors, uma das bandas que melhor herdou os ensinamentos mais obscuros dos anos 1980.

Entre a massa presente, a grande maioria envergando t-shirts dos Depeche Mode, claro, o sentimento dividia-se entre a vontade de ver a banda de Tom Smith e o desejo de ver ou rever Dave Gahan, Martin Gore e Andy Fletcher.

Envoltos em luzes de tom escarlate, os Editors começam o concerto com “Sugar”, do mais recente álbum “The Weight of Your Love”, e a receção é algo cinzenta, tal como o corpo deste novo trabalho da banda de Birmigham que criou uma grande número de seguidores com os excelentes “The Back Room” e “An End as a Start”.

Como seria de esperar, as coisas aquecem à medida que os Editors tocam músicas como “An End as a Start” ou “Munich”, um dos seus maiores hinos. Tom Smith e restantes companheiros revelam uma entrega total e, durante segundos, poucos, o mar de gente que rodeia o Palco Optimus esquece a ansiedade de ver os Depeche Mode.

“A Ton of Love”, cujo registo de Smith lembra, a espaços, a voz do malogrado Ian Curtis, uma das maiores inspirações indie de sempre, e “Honesty” aquecem os corações que disparam ao sentir a fantástica “Smokers Outside the Hospital Doors” ou a épica “Papillon”, tema que encerrou o competente concerto dos Editors, uma banda segura que aposta nas sonoridades mais escuras de um rock potente e melódico.

Ao despedir-se, Tom Smith deseja um bom concerto aos Depeche Mode e o nervoso miudinho que acompanha as quase 50 mil almas que se concentram no recinto faz o coração saltar de emoção. Ainda faltam uns minutos, a contagem decrescente começa e ninguém arreda pé das imediações do palco. O estômago e a bexiga podem aguentar um par de horas pois aqui há quem esperou anos, uma vida inteira, para ver os senhores de Essex.

Capitão Fausto – 21h25, Heineken

Os cinco músicos portugueses tinham um desafio pela frente: conseguir aguentar o público até ao fim, sem que este fugisse para o palco principal, onde, às 22h00, tocavam os Depeche Mode.

Além das canções do álbum “Gazela”, já de 2011, como “Teresa”, “Santa Ana”, “José Cid” e “Sobremesa”, entre outras, os Capitão Fausto levantaram ainda um pouco da cortina do próximo trabalho, a ser lançado em setembro. “Célebre Batalha de Formariz” é o nome do novo tema que já circula por aí e que traz a mesma alegria de “Gazela”. Bateria energética, guitarras e baixo imparáveis, e mais uma canção para pôr toda a gente a mexer. E foi isso que se fez durante os cerca de 40 minutos que durou o concerto. É bom ver que, apesar de um nome mainstream tocar no recinto, quem estava ali pelos Capitão Fausto se manteve até ao fim.

A salientar, a tranquilidade que se vive no recinto, enquanto os Depeche Mode tocam. Sem estar esgotado, nota-se que a grande maioria do público desta noite estava ali por eles. Pior para quem subiu ao palco nessa altura, como James Lidell, no palco Heineken, que acabou a tocar para um espaço muito pouco composto.

Depeche Mode – 22h05, Palco Optimus

Se existem bandas que se tornaram referências e ícones pop durante as últimas décadas, os Depeche Mode são, seguramente, um dos seus maiores exemplos. Longe vão os tempos de “Speak and Speel”, é certo, mas, na casa dos cinquenta, Gahan, Gore e Fletcher - hoje acompanhados por Peter Gordeno (teclas) e Christian Eigner (bateria) – continuam a carregar consigo uma energia a toda a prova, alicerçada nos êxitos que ao longo de mais de três décadas tornaram especial a carreira da banda de “Enjoy the Silence”
.
É com uma audiência com nervos em franja que o palco, agora negro, oferece as primeiras cores. Círculos coloridos e pitadas sonoras sintéticas trazem ao palco os três magníficos e é com “Welcome to My World” e “Angel”, de “Delta Machine”, que iniciam as cerca de duas horas de um concerto memorável.

O som que emana é excelente, a brilhante componente cénica é o complemento certo para engrandecer a performance, e o público está completamente entregue quando se ouvem os primeiros acordes de “Walking in MyShoes”, obrigando os presentes a recuar vinte anos até “Songs of Faith and Devotion”. Depois, seguem “Precious” e “Black Celebration”, e todos sentem que o “período de aquecimento” está concluído e podemos passar ao jogo propriamente dito.

Gahan, em grande forma física, encanta a audiência, dança, rodopia, dá espetáculo. Continuando a sua missa negra, os Depeche Mode tocam, para as massas, “Policy of Truth”, uma das malhas mais viciantes da história da pop, regressam ao presente com “Should Be Higher”, terminando mais um ciclo musical com “Barrel of a Gun”, de “Ultra”.

Olhando à distância que o passar dos anos permite, notamos os Depeche Mode diferentes, não querendo dizer com isto se estão melhores, ou não. A banda cresceu, os seus membros tornaram-se super-estrelas internacionais, a música perdeu um pouco da força dos sintetizadores, tornando-se mais orgânica, mas a genialidade mantém-se intacta.

Quem também continua dono de uma voz especial é Martin Gore, que pega no microfone em “Skake the Disease”. Depois de bastante saudado, Gore devolve o maior protagonismo a Gahan, que ataca “Soothe My World” e “A Pain That I Used To”, sujeita a uma interpretação com nova mistura, que a excelência cénica que envolve o concerto torna ainda mais especial.

Antes do encore seguiram-se três das maiores músicas da banda. Se “Question of Time” revela toda a importância que tem a bateria nos concertos dos Depeche Mode, as brilhantes “Enjoy the Silence”, com direito a uma pequena jam session, e “Personal Jesus” colocam todos em delírio, de braços no ar, a celebrar. Futebolisticamente falando, os Depeche Mode jogam em casa e goleiam com distinção.

No regresso ao palco, é novamente Martin Gore que oferece uma versão intimista de “Home”, apenas acompanhado por Gordeno nas teclas, e já com os restantes elementos em palco segue-se “Halo”, maravilhosamente secundada por um dos muitos filmes que passava nas costas da banda. Depois, “I Just Can’t Get Enough”, outro dos momentos altos da noite, leva o visivelmente satisfeito Gahan a puxar pelo público, deslocando-se aos extremos do palco.

Antes do final, mais dois momentos desconcertantes. “I Feel You” e “Never Let Me Down Again”, com dezenas de milhares aos saltos e braços no ar a compasso, complementariam um concerto que apenas pecou por ser “curto”. O público, ainda que cansado, mas feliz, merecia mais uns minutos de festa. Quem lá estava sabe que sim.

The Legendary Tigerman – 00h05, Palco Heineken

A sincronia desta edição do Optimus Alive é espantosa. No exato momento em que os Depeche Mode diziam adeus, Paulo Furtado entrava em cena no Palco Heineken. À semelhança do que aconteceu com os Vampire Weekend na sexta-feira, o espaço Heineken parecia pequeno para receber tanta gente.

Em género de homem dos muitos instrumentos, o talentoso Paulo Furtado ofereceu uma hora de rock and roll até à medula, abrilhantada pela presença de alguns convidados, como foi o caso de Paulo Segadães (dos desaparecidos Vicious 5), na bateria, e Filipe Costa, ex-Bunnyranch, nos teclados.

Sentado na sua especial bateria sonora, com gongos e kazoo à mistura, o nosso homem-tigre dispara “Naked Blues”, “Radio TV”, “Light Me Up Twice” ou “Them Come the Pain”, temas assentes num rock nu de esquemas e preconceitos, que enche os ouvidos de uma audiência conhecedora e apreciadora de boa música. Na especial versão de “The Saddest Thing to Say” a tela colocada atrás de Furtado, que entretanto passara filmes da autoria do próprio, apresenta a presença virtual de Lisa Kekula.

O final do muito aplaudido show chegaria com o excitante “Big Black Boat”, a mostrar toda a mestria e magia de Paulo Furtado, que tudo ou quase consegue fazer com uma guitarra naquela mão esquerda. O gongo ditou o final do concerto, mas não de um dia que só terminaria com os sons mais dançáveis e quentes de bandas como os Hercules and Love Affair e Crystal Castles. Amanhã há mais!

Texto: Carlos Eugénio Augusto e Helena Ales Pereira

Fotografia: Manuel Casanova e Marta Ribeiro

In Palco Principal

domingo, 14 de julho de 2013

“DENTRO DE CASA”
DE FRANÇOIS OZON

Novela da vida real



No início de mais um novo ano lectivo Germain (Fabrice Luchini), um professor de francês frustrado com a ausência de interesse dos seus alunos por literatura, sente na pele o sentimento errante de uma missão infrutífera que, ano após ano, perpetua-se no vazio de uma geração mais ligada a telemóveis e entretenimento fácil e descartável do que a “perder-se” entre páginas de livros.

Germain resolve pedir aos seus recentes pupilos uma redação simples de forma a avaliar as “capacidades” de escrita dos jovens. O tema versa os acontecimentos passados num fim de semana e as expectativas são poucas ou nenhumas. Mas, entre textos telegráficos e verdadeiras odes ao vazio, o professor retém a sua atenção no trabalho de Claude (Ernst Umhaeur), um aluno de 16 anos que revela qualidades inatas na sua escrita.

Convencido que Claude possa vir a ser o que ele próprio tentou em tempos ser – um bom escritor – Germain começa a dedicar-lhe mais tempo e atenção adensando a relação professor/aluno, vista como algo obtuso por parte da restante comunidade escolar. A tensão psicológica entre os personagens cresce à medida que ambos sentem a evolução da própria estória que Claude escreve e que tem como inspiração a vida familiar de um colega de turma que entretanto recebe as suas explicações de matemática.

Aos poucos o quotidiano privado de Rapha Artole (Bastien Ughetto) é apropriado por Claude cuja presença cada vez mais assídua em casa do seu novo melhor amigo (objeto) transforma os dramas da existência familiar alheia no epicentro de uma narrativa que assume contornos de novela adaptável e manipulável consoante os desejos do seu autor e suas consequentes frustrações pessoais e que tem em Germain e sua mulher Jeanne (Kristin Scott Thomas) um público que se divide entre o entusiasta e o comedido.

Assim, o trio familiar composto por Rapha filho, Rapha pai (Dénis Menochet) e Esther (Emmanuele Seigner) vê a sua paz ser invadida pela presença carente e algo enigmática de Claude que assume um papel fantasmagórico capaz de despertar amores, ódios ou sentimentos de pura indefinição.

À medida que o filme avança e as técnicas literárias explicadas por Germain ao seu aluno são aplicadas na escrita deste, o suspense cresce e a narrativa fílmica de François Ozon, um dos nomes maiores da nova vaga do cinema francês, ganha contornos de maior consistência ficando o espetador deliciado com um filme que navega num mar onde a comédia negra, o drama e a crónica de costumes vão desaguar num dos mais interessantes projetos que o realizador de “Swimming Pool” fez nos últimos anos.

Afastando-se um pouco de algumas temáticas que têm assombrado os seus últimos trabalhos (a alusão à homossexualidade, por exemplo, tem uma referência minimalista em “Dentro de Casa”), Ozon aposta num filme simples e eficaz que ousa refletir sobre um dos maiores problemas da sociedade atual e que se prende com a tentativa de tentar ver e achar na vida dos outros, por mais banal e “normal” que seja, pontos de interesse que a nossa perdeu.

No caso de “Dentro de Casa” é Claude que preso a uma vida madrasta com uma mãe ausente e um pai a braços com uma deficiência motora procura nos alicerces familiares “normais” de Rapha algo que possa ser sinónimo de felicidade nem que para tal entre num jogo, que tal como um exercício matemático, se assemelha a uma equação resultante da soma entre obsessão, chantagem e apropriação da felicidade alheia.

Aquilo que Ozon faz (muito bem), nesta adaptação cinematográfica da peça do espanhol Juan Mayorga “El Chico de la Última Fila”, é revelar um jogo perigoso onde a realidade pode ser adaptável consoante os desejos singulares de uma mente isolada que manipula o (in)verosímil através da exploração do sentimento alheio e com a ajuda da crescente necessidade voyeurista que a sociedade presente desenvolveu quase naturalmente e que os vulgares reality shows televisivos banalizam sazonalmente com um sucesso (?) repetido até ao limite do tolerável.

“Dentro de Casa” projeta-se num labirinto onde a literatura é apenas o pretexto para transformar aquilo que a vida se nega a ser, seja a existência um misto de emoção, infertilidade, ciúme, racionalidade, fuga da realidade ou a própria arte enquanto comunicação. No fundo aquilo que Fraçois Ozon faz é interrogar-nos sobre qual a diferença entre a realidade e a ficção e até onde se alargam os horizontes da imaginação onde o medo da própria vida é um ingrediente de peso.

In Rua de Baixo

Optimus Alive'13, dia 1
Surpresas & "the same old same"

A música, o pop folk e o pop rock, foram os protagonistas da primeira noite da edição deste ano do Optimus Alive. A par de alguns nomes mais sonantes, como os cabeça-de-cartaz Green day, tivemos a estreia de Jessie Ware, o rock (em tronco) nu dos Biffy Clyro, a energia contagiante dos Chrystal Fighters, bem como a magia de bandas como os Dead Combo ou Vampire Weekend.

Mas é pelo início que se começa.





Stereophonics – 19h00, Palco Optimus

Os Stereophonics abrem o palco principal. Uma banda que passa despercebida em Portugal, mas que, ainda assim, consegue reunir um número de entusiastas. “Catacomb”, “A ThousandTrees”, “We Share thesameSun” e “IndianSummer” são algumas das canções que passam pelo palco. A fechar, uma das mais conhecidas: “MaybeTomorrow”. Sim, talvez fique para amanhã uma outra oportunidade de agarrarem o público português. Por enquanto, vai sendo difícil.

Enquanto aguardamos que, no Palco Optimus, se façam as devidas alterações entre o concerto dos galeses Stereophonics e a atuação dos escoceses Biffy Clyro, circulamos pelo recinto do festival, observando a gente que chega, que encontra camaradas de luta sonora e explora os muitos pontos de entretenimento que assaltam o Passeio Marítimo de Algés.

Os sons surgem difusos pelo ar e o aproximar dos palcos é uma sensação confortável. Combinam-se jantares, olha-se para o (muito bom) programa do evento e fazem-se escolhas. Faltam poucos minutos para as 19h00 e o Palco Heineken é um dos destinos prováveis.

Deap Vally – 18h45, Palco Heineken

Em palco estão as pouco conhecidas Deap Vally, um duo feminino nascido na Califórnia composto por LindseyTroy (guitarra e voz) e JulieEdwards (bateria e voz), que traz consiga a tradição sonora de um rock de tendências firmes, assente na herança sonora dos anos 1970 e que, a espaços, lembra os bons tempos dos White Stripes.

Apenas com um álbum editado em 2012, as norte-americanas são de uma simpatia arrebatadora e fazem de “Sistrionix” o disco das suas vidas, sendo que o sol que resulta dos acordes da loura Troy e da bateria da ruiva Edwards encantam um público sedento de experimentar e sentir novos sons.

O concerto, como esperado, é curto, mas deixou marcas nos presentes – principalmente na ala masculina, dizemos nós – e temas como “Gonna Make My Own Money”, single de estreia da banda, ou “End of the World”, que abre o álbum e encerrou o concerto de ontem, conseguiram provocar boa impressão no público e diríamos que será muito interessante ver e ouvir estas enérgicas californianas noutro contexto.
Para já, nota positiva para o garage rock muito blusy desta despachada dupla, que sintetiza a sua música em pouco mais de três minutos de cada vez e que tem na sua entrega total, e charme, alguns dos seus pontos fortes. No fundo, é tudo rock’n’roll…

Biffy Clyro – 19h10, Palco Optimus

Deixamos para trás os sons quentes do sol da Califórnia e regressamos ao Palco Optimus para ver os Biffy Clyro, que acabam de subir ao palco com ganas e muito calor, como provam alguns dos elementos da banda (é ponto assente que apenas os verdadeiros membros da banda têm o privilégio de atuar despidos, sendo que os músicos que fazem o devido apoio em tournée têm ordens para manter o tronco coberto) que, numa posse muito rock’n’roll, exibem o tronco nu e enfeitado por uma miríade de tatuagens que as câmaras, que alimentam os ecrãs gigantes, fazem questão de destacar de quando em vez.

Contrariando o céu que se mostrava muito cinzento, Simon Neil e comparsas trouxeram luz aos presentes e deram um concerto muito competente, assente em temas como “BlackChandelier”, “Bubbles” ou “Spanish Radio”. Formados na aurora do século XXI, estes escoceses praticam um rock que varia entre tonalidades que tocam, ainda que levemente, o grunge e as tendências mais alternativas, mas que, por vezes, vão desaguar a águas mais melódicas e intimistas.

Tendo como pano de fundo o seu mais recente trabalho, “Opposites”, os Biffy Clyro souberam como estimular o público, que reagiu com vontade e deleite às provocações dos elementos.

Perante um “Let’sfucking do this!”, de Neil, aos primeiros acordes de “Stingin’ Bell”, a massa respondeu positivamente e durante os 45 minutos que durou a atuação destes britânicos muito se saltou, cantou e divertiu. A energia contagiante dos membros da banda rapidamente passou para o público, que também aplaudia com agrado o excelente português do baixista James Johnston.

Por entre músicas como “The Captain”, “Many of Horror”, “The Golden Rule” ou “Mountains”, que encerrou a suada atuação dos BiffyClyro, o líder da banda dava o seu show pessoal com as constantes trocas de guitarra entre canções, nunca deixando de puxar por um público que sabia ao que vinha, pois estes escoceses, como todo o mérito - diga-se - há muito deixaram de ser uns ilustres desconhecidos.

A banda deixou o palco com o sentimento de dever cumprido e, em forma de agradecimento, Simon Neil despediu-se envolto numa bandeira com as cores portuguesas. Fica a sensação de até já. Enquanto isso, muitos dos presentes aproveitam a pausa entre os concertos para jantar, pois ainda muito muito havia para ver e nada melhor do que o estômago cheio para aguentar esta simpática maratona musical.

AlunaGeorge – 19h45, Palco Clubbing

Uma das bandas mais aguardadas por quem procura o som e a energia da dança. Apesar de começarem ainda de dia – quando a dupla britânica de música electrónica, Aluna Francis, voz; e George Reid, produtor e teclista, pede um ambiente mais noturno –, os AlunaGeorge souberam puxar pelo público que ali se encontrava. O desfilar de canções abriu com “Just a Touch”. Ao terceiro tema, Aluna perde a, aparente, timidez, despe o casaco e dança pelo palco ao som do sucesso “You Know You Like It”. O público já se rendeu à voz «sugar sweet», quase de criança, de Aluna. Os fãs vibram e, apesar da curta carreira, uma vez que lançam agora o seu primeiro álbum, “Body Music”, há já entre o público quem os tenha visto oito vezes, como uns sevilhanos que por ali se encontram a dançar. Os chamados aficionados…

“Outlines”, “Attracting Flies”, uma jamsession, com Aluna a partilhar as teclas com George, “This Is How We Do It”, “Kaleidoscope Love” e, a fechar, “Your Dreams, Your Love” são alguns dos temas que vamos escutando. Pela entusiasmada receção, está garantida, quase de certeza, uma vinda da dupla a uma sala mais pequena. Os AlunaGeorge merecem esse ambiente mais acolhedor e seleto e o seu público também.

Two Door Cinema Club – 20h25, Palco Optimus

O indie pop dos irlandeses Two Door Cinema Club é uma lufada de frescura, depois do rock fenético dos Biffy Clyro, que apresentaram um dos concertos mais fortes da noite. De fato e gravata, Sam Halliday (voz e guitarra) e os mais descontraídos Alex Trimble (guitarra rítmica, sintetizadores) e Kevin Baird (baixo) abrem com “Sleep Alone”, que anuncia ritmo e uma pop que não se desmancha.

”Do You Want It All”, “Wake Up”, “Come Back Home” e “Sun” são alguns dos temas que vamos ouvindo. É impossível não gostar dos TDCC: a boa onda em palco, a música que põe qualquer pé a dançar e o objetivo simples de se divertirem são razões para nos fazerem esquecer que a noite arrefeceu, depois de semanas de calor intenso. “Good evening, Optimus Alive. How are you feeling? Let’s have some fun!”, pede-nos Sam Halliday. É para isso que aqui estamos, certo?

Dead Combo – 21h00, Palco Heineken

Enquanto a agitação é grande entre muitos dos presentes, porque está cada vez mais próximo o espetáculo dos Green Day, um dos nomes que mais gente trouxe a este evento, nos outros palcos a animação é muita e boa.

Com uma pontualidade britânica, como foi apanágio deste primeiro dia de Optimus Alive, é ao som das 21 badaladas e do característico chamamento dos amoladores que se dá início ao concerto dos portugueses Dead Combo, uma das bandas de maior culto por terras lusas.

Em formato aumentado, o duo Tó Trips e Pedro Gonçalves traz consigo Alexandre Frazão, que ocupa a bateria com uma mestria assinalável e que faz crescer ainda mais a música da banda. O palco «panfletário» está ornamentado com diversos sinos que assumem o papel, ainda que ficcionado, de megafones, que encontram nos conjuntos florais dispersos entre os membros da banda um curioso habitat.

O ambiente é excelente e, durante cerca de uma hora, os muitos que assistiram a mais um excelente concerto, que percorreu praticamente toda a história musical da banda de “Lusitânia Playboys” e “Lisboa Mulata”, viajaram por sonos onde o western se funde com o tango ou ritmos mais rock ou cabaret.

“Sopa de Cavalo Cansado”, “Anadamastor” e “Cachupa Man” eram interpretadas de uma forma exemplar e faziam esquecer que, do céu, caía uma chuva ligeira, fenómeno algo estranho quando o calendário mostra o mês de julho, até há poucos dias sinónimo de temperaturas acima dos 40 graus.

Se bem que o milagre da pluviosidade ajudava a compor a tenda que acolhe o palco Heineken, é justo que se diga que muitos dos que se resguardavam a cabeça e alma da chuva acabaram por ser convencidos a ficar, pois música dos Dead Combo tem o condão de provocar sentimentos de fidelização espontânea.

Estava-se, de facto, bem no Palco Heineken e a melodia agarrava os presentes, que dançavam os ritmos de Trips e companhia. Os aplausos acaloravam com as composições mais conhecidas, como “A Menina Dança”, mas ainda houve espaço para a ousadia, como, por exemplo, uma excelente versão de “Temptation”, de Tom Waits, que viu a sua enigmática voz ser substituída pelo kazzo soprado por Pedro Gonçalves.

Green Day – 21h55, Palco Optimus

A abrir o espetáculo dos cabeça de cartaz da primeira noite, temos a canção dos Ramones “Blitzkrieg Bop”, a que se segue o tema musical do western spaghetty ”O Bom, o Mau e o Vilão”. A banda de punk rock norte-americana entra em palco e automaticamente os muitos milhares que ali se encontram despertam.

Esta é, por excelência, uma banda de festivais, onde estão garantidas as canções em coro com o público, e a troca entre os “huuuuus” do vocalista e guitarrista, Billie Joe Armstrong, e o público. O grito de guerra de abertura “Lisboa” abre as hostes para um espetáculo que ultrapassará as duas horas. Billie Joe corre, salta, grita, pede para refletirmos sobre o mundo à nossa volta, para nos unirmos… “This night we’re gonna dance, we’re gonna sing, we’re gonna put our hands in the air, ‘cause this night is all about us!”. Já sabemos que ele ama muito Portugal, Lisboa, que nós somos “great”.

Mas, além do divertimento, devemos ter ainda em conta a corrupção, a violência, “so much to think about”, continua Billie Joe, que remata: “this is all about love and joy”. Pelo meio das tiradas de intervenção, há canções. “99 Revolutions”, “Stay the Night”, “Stop Whe the Reds Lights Flash”, “Holiday”, “Wake Me Up When September Ends”, entre muitas, muitas, outras.

Depois de uma cover de rajada, que inclui “Shout”, “Always Look on the Bright Side of Life” e “Satisfaction”, os Green Day cantam “Minority” e despedem-se. O encore é feito com mais três canções. O público, a grande maioria com, seguramente, menos de 25 anos , está ao rubro e a banda cumpriu bem a sua função: entreter.

Edward Sharp and the Magnetic Zeros – 22h30, Palco Heineken

Passar dos Green Day para os Edward Sharp é passar de um mega centro comercial para um café de bairro, onde todos nos tratam pelo nosso nome. Aqui vive-se a música, vibra-se com a banda, deixamo-nos levar pela onda de emoções que nos tocam a pele. Com uma das melhores prestações da noite, a banda norte-americana, com dez membros em palco, consegue manter o público numa espécie de comunhão total de boa onda.

As vozes de Alex Ebert e Jade Castrinos encantam-nos e abrem com “40 day Dream”. Não serão 40 dias, mas é certamente perto de uma hora de sonho. “I’ve got all my love to send to you”, canta Jade. E isso sente-se em cada canção, em cada movimento do vocalista que, às tantas, abandona o palco e desce junto do público, que parece «beber» das suas palavras. Alex brinca com uma máquina fotográfica e entretém-se a fotografar o público e a ele próprio. Depois pega num telemóvel e fala com alguém que, do outro lado, parece não acreditar que está a falar com o vocalista de uma banda que toca no Optimus.

Aqui, não há estrelas nem protagonistas. Todos podem acabar a interpretar uma canção e esse é um dos pontos mais fortes deste concerto: a diversidade, a diferença. Ainda assim, conseguem criar uma união muito forte entre os membros da banda e entre esta e o público. O espetáculo fecha com a aguardada “Home”, que leva a uma explosão do público e a uma alegria contagiante. Um convite a lembrar que é hora de voltarmos a casa. Ficam as sensações boas para nos acompanhar.

Jessie Ware – 22h55, Clubbing

Quando chegamos da energia de Edward Sharp, já Jessie Ware teve tempo de aquecer a noite. Em boa hora, a cantora britânica resolveu não seguir Jornalismo e deixar grupos como Joke e SBTRKT, onde cantava como voz de apoio, e lançar-se a solo na aventura “Devotion” (2012). Temos uma «soul funkiesista» que, além da voz maravilhosa, tem um swing quente e uma presença forte em palco, capaz de criar um ambiente muito cool, como uma onda de descontração. Jessie traz apenas dois músicos, porque não precisa de muito mais, e ficamos com a sensação de que, se ela cantasse à capela, a noite teria tido a mesma eletricidade.

“Devotion”, a abrir, “Night Light”, “Sweet Talk” e “Swan Song” são alguns dos temas que dão ritmo a este público e a este ambiente jazzie e R&B . Uma proposta de casamento, “Jessie, I’m gay, but marry me!”, é o prólogo do tema mais aguardado da noite, “Wildest Moments”. A noite fecha com “Running” e com Jessie Ware a anunciar que não se quer ir embora: “Maybe, I’ll come back”. Vamos rezar para que sim.

Vampire Weekend – 00h00, Palco Heineken

Trazendo na bagagem o novo “Modern Vampires of the City”, os nova-iorquinos Vampire Weekend assumiam-se com um dos nomes maiores do cartaz do Optimus Alive'13 e, acreditamos, que estará para breve reservada a atuação da banda de Ezra Koening num dos palcos principais, no que toca a festivais por terras portuguesas.

Ainda assim, é sempre bom, acreditem, sentir uma maior proximidade com uma banda como os Vampire Weekend, que explora um território sonoro ímpar composto por ritmos que vão buscar influências ao new wave dos Talking Heads, aos tiques mais independentes dos melhores momentos dos Smiths, assim como assentam arraiais na genialidade trovadoresca de um Paul Simon de “Graceland”.

Transformado numa sala cosy britânica, envolta de um papel de parede kitch com um espelho que assume a forma de candelabro vitoriano, o Palco Heineken revela-se pequeno quando recebe os simpáticos Vampire Weekend em plena euforia. O concerto abre com o excitante “Cousins” e todos os presentes são invadidos, definitivamente, pelo som característico de uma banda que assenta o seu som na mestria dos diálogos entre guitarras, bateria e teclas, assim como na voz particular de Koening.

Durante mais de uma hora, os Vampire Weekend percorrem os seus três álbuns e o público dança com “White Sky”, “Cape Cod Kwassa Kwassa” ou “Diane Young”. Com o público completamente rendido, foi estender o tapete e rever a matéria dada, onde se alinharam hits (será exagero?) como “Step”, “A-Punk”, “Há-Hey”, “Oxford Comma” ou “Hanna Hunt”, esta última com dedicatória especial a um dos presentes.

O final do concerto, já com os sons de Steve Aoki no ar, vindos do Palco Optimus, seria feito com o excitante “Walcott”, uma espécie de chamamento interior que foi servido aos presentes como a tal cereja em cima de um bolo doce, especial, que se quer repetido, por favor.

Crystal Fighters – 1h45, Palco Heineken

Mais um dos bons concertos da noite. Mais de uma hora de dança e alta energia, apesar da hora tardia. Uma banda que mistura o profissionalismo britânico com a energia castelhana e que descreve o seu estilo como “rápido e apaixonado”.

Música de dança progressiva com influências do folclore basco, numa mescla de sintetizadores, baixos, cavaquinho, txalaparta (instrumento basco, uma espécie de xilofone) e percussão. Por isso, é fácil para a banda oscilar entre o pop folk, o rock ou a música de dança. E nada, aqui, parece metido a ferros. Muito pelo contrário. Todas as músicas têm uma cadência e uma ligação entre elas que parece uma corrente de água: forte, mas cristalina.

“Follow” é uma das primeiras a fazer com que, literalmente, o público salte durante mais de três minutos. Todos «seguem» a ordem: e a ordem é para ninguém parar! Apenas agora, Sebastian Pringle entra em palco: blusa de lantejoulas, saia preta, por cima de umas calças. Está dado o mote: aqui não há julgamentos, aqui diverte-se! “I Love London”, “Love Is All I Got”, e, nas palavras de Sebastian, “it’s all about You and I”, o sinal de “You And I”, uma das canções do mais recente trabalho, “Cave Rave" (2013).

E já que estamos perto da praia, vamos até à “Plage”. O público rebenta a cantar os primeiros versos da canção e Sebastian emociona-se: “Man, that’s beautiful…”.

A noite fecha com “At Home”, uma das canções em que o sintetizador de Gilbert Vierich mais se faz notar. Se houve momentos que tornaram a noite inesquecível, a interpretação desta canção foi um deles. O bem-estar envolve o público e os sorrisos parecem contaminar tudo e todos. E é nestas alturas que devemos abandonar a festa: quando o momento está perto da perfeição e as recordações vão ser as melhores.

Texto: Carlos Eugénio Augusto e Helena Ales Pereira

Fotografia: Manuel Casanova e Marta Ribeiro

In Palco Principal

quinta-feira, 11 de julho de 2013

“A SEGURANÇA SOCIAL É SUSTENTÁVEL”
de RAQUEL VARELA

Uma luz ao fundo do túnel



As mudanças sociais provocadas por profundas crises económicas assolam o mundo principalmente desde as primeiras décadas de 1900. Ainda que ocorrida há cerca de um século, “A Grande Depressão” deixou marcas que dificilmente vão ser esquecidas.

Ainda que inserida num contexto diferente, a Europa de hoje vive uma das maiores tempestades económicas e sociais da sua existência e, países que eram sinónimo de estabilidade, estão hoje no epicentro da uma avalancha de dificuldades totalmente inesperadas.

Portugal está entre os países da chamada Nova Europa a sentir na pele uma conjuntura completamente desfavorável e, sentindo-se encurralado, viu os seus dirigentes governativos apelarem à ajuda financeira internacional, algo que sucede pela terceira vez depois da presença do FMI por terras lusas em 1977 e 1983.

Perante um país desgastado pelo desemprego, precariedade e com a sociedade civil em autêntica combustão, a investigadora Raquel Varela, responsável pela coordenação do grupo de estudos de trabalho e dos conflitos sociais do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, lança “A Segurança Social é Sustentável”, uma obra escrita em conjunto com mais de uma dezena de colaboradores cujo propósito é ressalvar a capacidade de Portugal ainda ser um país com um apoio social competente.

Para além de identificar os problemas das alegadas ingerências governamentais, este pertinente livro lançado pela Bertrand vai mais longe e apresenta soluções. Segundo a historiadora não é possível, por exemplo, conseguir uma sociedade estável quando a precariedade substitui a ideia do pleno emprego, defendendo ainda que a massa ativa em Portugal é sinónimo de maior riqueza afastando os fantasmas de um cenário negro sem salvação.

Ao longo das mais de quatrocentas páginas de “A Segurança Social é Sustentável” respira-se um sentimento de esperança, ainda que não se negue que vivemos tempos que roçam a tragédia grega em termos económicos. E são algumas das maiores vítimas deste ajustamento social que têm honras de dedicatória no prefácio do livro: reformados, desempregados e trabalhadores precários são apontados como os mais prejudicados desta barbárie financeira e é, principalmente, a esta gente que Raquel Varela e seus pares dedicam a sua obra.

A muito pertinente leitura de “A Segurança Social é Sustentável” dá-nos uma outra visão do cenário de crise de um país que pode, e deve, arregaçar mangas para sair de um buraco que cresce desde a década de 1980. Mais que apontar responsáveis, este livro contra corrente indica um caminho, uma saída, ainda que a mesma seja uma ténue luz ao fundo do túnel.

In Rua de Baixo

segunda-feira, 8 de julho de 2013

“O ARMAZÉM E OUTRAS ESTÓRIAS”
de PATRÍCIA MADEIRA

O mundo é um labirinto



A vivência mundana encontra-se nos mais singelos pormenores, nas ações tomadas de forma mais ou menos consciente, em sonhos que transcendem o próprio ato de pensar algo maior que a fértil imaginação.
Em “O Armazém e Outras Estórias”, Patrícia Madeira reúne 18 pequenas peças escritas de um puzzle que pode bem ser um misto das nossas vidas, ou o resultado da própria alienação da realidade enquanto unidade insofismável da complicada, mas aliciante, tarefa de existir num mundo que desafia o limite do ser humano.

No fundo, cada uma destas estórias assemelha-se a uma curta-metragem que versa sobre os mais diversos temas, algo que a autora revela como tendo sido das suas formas iniciais de escrita. Numa cadência que desafia propositadamente qualquer lógica, temas como o amor, a solidão, o sexo, a amizade ou a morte são alvo de caricatura, revistos e transformados em textos agridoces que captam por completo a atenção do leitor.

Se, por exemplo, na estória inicial (“O Armazém”) somos levados para um local surreal assente num mar que junta fantasia, desejo e humor, logo a seguir, “A Confidente” fala da solidão que encontra companhia na frieza da ocasional imagem que se repete a si mesma.

O desgaste das relações pessoais, (“Amo-vos Muito”), a roleta das paixões ocasionais (“Esta Cidade é Pequena de Mais”), as inevitabilidades e certezas da vida finita (“O Que Dizem os Búzios”), as desventuras de um herói errante (“Roy Blue Está na Cidade”) ou os dilemas da arte da escrita (“Quem Quer Ser Escritor?”) são outros episódios trazidos à vida por Patrícia Madeira, cuja escrita atraente e fascinante torna este e-book numa espécie de copo de água fresca num dia particularmente quente.

Para tornar esta edição ainda mais especial, as ilustrações de João Raposo dão um toque requintado às palavras encantadas da autora de “2001, Instantâneos de Sapo” e “Lau Mim”, que tem agora em “O Armazém e Outras Estórias” o mais recente capítulo de um filme que merece sequela.

In Rua de Baixo

sexta-feira, 5 de julho de 2013

“O SUPLENTE”
de RUI ZINK

Regresso ao local do crime



Dez anos depois da primeira edição, “O Suplente”, uma das obras maiores de Rui Zink, vê-se agora revisto, alterado e com novas ilustrações da responsabilidade de António Jorge Gonçalves, um dos artistas plásticos mais importantes da nossa praça. Esta edição, responsabilidade da editora Planeta, promete devolver ao grande público um dos mais importantes livros da literatura nacional dos últimos anos.

Quem já leu pode voltar a ler, quem ainda não leu tem uma oportunidade única de conhecer um livro que nasceu a partir de acontecimentos verídicos e que fala das várias perspetivas da noção de perda, do vazio que é ver um ente querido partir e sentir as mudanças que uma tragédia pode provocar – ou agudizar – na vida de cada um.

O atropelamento acidental que leva antes do tempo a vida de Tiago dá o início a uma avalancha de acontecimentos onde nada, ou ninguém, pode prever a reação que o caos pode provocar. A esperança torna-se efémera e a redenção pode estar escondida atrás de algumas perguntas, cujas respostas estão nos segredos de entidades díspares escondidas entre a bizarria do quotidiano.

Ao contrário do futebol, a vida é um “jogo” em que as substituições não são possíveis. Se dentro das quatro linhas se pode trocar o nome de uma das peças de xadrez, a existência não se compadece com alterações táticas, adaptações de jogadores ou exímios contra-ataques.

Numa das muitas fases especiais deste livro, Zink escreve: «O insuportável vem depois. Quando passou o choque mas ainda não passou o choque. Quando o relógio não pára. Quando a dor já nem dói, porque dói tanto que já estamos anestesiados, como droga que já não bate porque o corpo se fechou em copas. Então, quando já não há dor, ou quando ainda não há dor, é que tudo se torna estranho.»

É por entre linhas “tortas” como estas que se escreve uma das estórias mais direitas que a literatura portuguesa já conheceu, e “O Suplente” tem o condão de reunir todos os sentimentos dentro de um romance que percorre a tristeza e a desesperança através de um caminho que se serve da acutilância, particular humor e genialidade da escrita de Rui Zink para tornar as nossas vidas mais ricas, mais cheias.

In Rua de Baixo

quarta-feira, 3 de julho de 2013

“PARÁGRAFOS LEONOR”
de MÁRIO C. BRUM

Menina, mulher, canção da própria vida




Os olhos são pérola, castanhos e redondos. O nariz gravita por cima de lábios cor de vinho que servem de caminho para uma boca de dentes, espaçados, tingidos pelo branco. As orelhas completam um rosto que se reveste pelo desalinho de cabelos castanhos, escurecidos.

Assim, em traços largos, Mário C. Brum (pseudónimo literário do jornalista alfacinha Pedro Luís Vieira) descreve a sua, e também nossa, Leonor, personagem que preenche e dá vida a “Parágrafos Leonor”, a sua segunda experiência literária; um livro que, segundo o autor, relata episódios da vivência de uma menina natural do Alentejo que rumou a Coimbra para se formar enquanto estudante, mas que tem Lisboa no imaginário.

Durante esta aventura, que se quer inesquecível, estamos perante o especial quotidiano de Leonor, que percorre um caminho pautado por doses surrealistas condimentado por um humor peculiar de tonalidades escuras.

Leonor ou Leonoroshkas, talvez neta de uma avó polaca e nascida num 10 de setembro, descreve emoções, percorre dúvidas e caminhos incertos, retrata a vida entre as cores e o preto e branco, brinca com as proporções da existência, apaixona-se e apaixona, revisita a literatura e poetas, confessa-se e procura um final feliz na Rua Alegria. Ao leitor cabe a tarefa de encontrar a saída do labirinto literário que extravasa as páginas desta obra.

A edição de “Parágrafos Leonor” está limitada a 72 exemplares, é uma responsabilidade da Associação Tentáculo e teve o privilégio de ser ilustrada por Sónia Oliveira.

In Rua de Baixo

terça-feira, 2 de julho de 2013

Michael Nyman
CCB 28 de junho de 2013

O Desafio do Silêncio



A música é, sem qualquer tipo de dúvida, uma das formas mais completas de comunicação. Associar sons, ritmos e andamentos díspares a situações, sentimentos e estados de alma é consequência direta daquilo que a música representa para o ser humano enquanto ouvinte.

Se à qualidade inata da música se lhe juntar a cumplicidade com o artista que a cria o ciclo atinge limites onde a perfeição simplesmente acontece.

Quem teve o privilégio e a felicidade de estar entre o público que encheu a sala principal do Centro Cultural de Belém na passada sexta-feira sentiu momentos de uma delicadeza e sensibilidade ímpares, minutos que se sucediam numa cadência que apenas seriam perturbáveis pelo fascínio da arte de se tocar um piano que não é mais que o prolongamento da alma de quem está a manobra-lo, a tocá-lo, a fazê-lo viver.

E é isso que o britânico Michael Nyman faz com o seu Steinway. Das teclas brota poesia, da música que nasce do simples toque acontece magia. Por vezes, ao fechar-se os olhos num concerto de Nyman imaginamos mais que um homem ao piano, sonhamos com uma orquestra que manobra o onírico de forma sublime.

E como o sonho comanda a vida, aos 69 anos, Nyman é um homem realizado, seguro, um artista que tem na sua obra a razão de viver, e as cinco décadas que passou em frente a um piano conferem-lhe uma experiência excecional. Nesta sua mais recente digressão, Nyman junta à sua música outra paixão: o cinema. A “Solo and Cine Opera” é sinónimo de uma miscigenação entre o som e a imagem e o resultado são espetáculos sensíveis, intensos, intimistas e completamente inesquecíveis.

Conhecido por compor bandas sonoras para filmes como “O Piano”, “O Fim da Aventura” ou “Gattaca”, o músico nascido em Stratford, Londres, decidiu agora dar alma a alguns filmes que realizou aquando das suas muitas viagens bem como pintar musicalmente outros fragmentos fílmicos.

Num palco espartano, temos um piano, colocado à esquerda, que serve de legenda para o centro do palco ocupado por uma tela negra. Enquanto se aguarda pela entrada do músico, sente-se uma atmosfera tranquila que nem a ausência de luz questiona. Quando Nyman entra em palco e se ouvem as primeiras palmas cresce a certeza que aquela próxima hora e meia será um dos momentos mais belos que os ouvidos presentes vão sentir durante a sua existência.

Ainda que seja a música o grande elo aglutinador na noite é a imagem que abre um concerto. Numa cadeia especial, a imagem inspira Nyman que depois, já ao piano atira-se a percorrer a sua longa carreira incidindo em peças de várias bandas sonoras da sua autoria.

Trajando de vestes escuras e seguro por detrás de uns peculiares e já familiares óculos, Nyman percorre, numa primeira abordagem composições de “Wonderland”, obra que nos faz recuar até 1999. Desta que seria a sua primeira colaboração com o cineasta Michael Winterbottom somos premiados com duas faixas. Num disco cujas músicas são nomes, cabe a “Franklin”, “Debbie” e “Jack” a honra de agraciar os presentes.

As mãos de Michael Nyman percorrem as teclas com uma cadência perfeita que encontra na tela uma maravilhosa ligação. O músico segue atentamente as imagens e coordena com as mesmas os seus andamentos. Depois de imagens onde alguma violência contrasta com a solenidade da música, surgem apontamentos que têm no inverno da existência o seu sumo. Imagens de idosos trazem consigo a triste consciência da solidão que a cor e o preto e branco do filme alternam com a azáfama de uma urbe que torna cidadãos em peças anónimas.

Sem interrupções, Nyman segue de pauta em pauta, livra-se das mesmas atirando-as para o chão depois de uma música terminada e espera pelas imagens para seguir viagem. A próxima paragem seria “Gattaca” e “The Morrow”, “Became Jerome” e “The Departure” são reduzidas à condição mínima de um piano solitário. Longe de 1997, do futuro ou de outra qualquer data, a música vibra pela sala e as sensações sentem-se na pele, os impulsos chegam rapidamente à alma.

A metáfora musical de Nyman prossegue e as imagens de “Love Train”, um filme que mostra a união entre duas carruagens de um comboio “apaixonado”, que simboliza as próprias relações humanas assentes em carris que por vezes proporcionam distanciamentos ou aproximações. Antes, foram os sons de “O Fim da Aventura” a ditarem o andamento musical. De seguida, sob uma música subtil, a desafiar o próprio silêncio, somos confrontados com uma imagem dúbia que se revela ser o reflexo de um espelho partido num café algures. O filme denominado “Privado” tem o som resgatado à banda sonora de “O libertino” e no ar soam as pinceladas românticas de “This Mistress. Depois, “The Witness I” mostra retratos de pessoas comuns, gente que a memória desafia.

“A Story of Cinema, part 67” é a partitura visual que se segue e é difícil aos presentes esconder a emoção que é ouvir alguns temas do mais conhecido trabalho do compositor. De todas as aventuras cinematográficas de Nyman é inquestionavelmente “O Piano” de Jane Campion, obra de 1993, que colocou definitivamente o britânico do imaginário de todos. “My Big Secret” ou “The Heart Ask Pleasure First” encheram a sala do CCB de emoção e carinho.

Sentia-se que o público queria aplaudir, agradecer, mas o pianista seguia o seu trajeto sendo o filme de Jean Vigo e Boris Kaufmen, “A Propos de Nice”, a peça seguinte. Este que é o mais longo tema da atuação de Nyman revela toques de uma burguesia opulente onde a sensualidade esconde-se e revela-se onde menos se espera.

Depois da sentida interpretação Nyman vai até ao centro do palco, faz uma tímida vénia e recebe, finalmente, a merecida ovação da audiência. De regresso ao piano, é a vez de “Morra” encantar os presentes, composição marcada por um som altivo e (muitíssimo) competente. No final da interpretação, o músico sai brevemente do palco, debaixo de muitos aplausos e acaba por regressar de seguida para tocar “Horizoints I”. Desta vez a imagem divide a atenção entre paisagens marítimas e terrestres.

O final deste recital levou o britânico de volta ao centro do palco e, manifestando algum cansaço, despede-se da audiência, acenando e aplaudido os presentes. Lá fora a noite quente de verão convidava a passear mas o coração ficou, em parte, dentro da sala.

Imagem: http://www.colstonhall.org/whatson/Event3478