sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Pink Floyd
”The Endless River”

Música intemporal


A cultura, principalmente no século XX, serviu de importante alicerce para a sociedade. Do choque, descontinuidade e de uma certa marginalidade surgiram nomes incontornáveis nas várias vertentes. Da pintura ao cinema, passando pela música, a ordem era surpreender, cativar e criar novos universos.

Com base nesse espírito, em 1965, Syd Barrett, Nick Mason, Roger Waters e Richard Wright, quatro estudantes londrinos, fundaram uma das maiores instituições musicais jamais criadas. Misturando ambientes como o rock de tendências arty, progressivas e psicadélicas com laivos de um elegante sentido de blues, os Pink Floyd surpreenderam o mundo com discos como os seminais “The Piper at the Gates of Down”, “Ummagumma”, “The Dark Side of the Moon” e “The Wall”, ou puros devaneios líricos como, por exemplo, “Live at Pompeii”, um esdrúxulo filme que transcende a noção de uma certa fronteira entre a performance e a música, a solidão e a partilha, a mestria e um sentimento intimista.

Ao longo de quase cinco décadas, os Pink Floyd, moldaram mentes e transportaram a música para outra dimensão, conseguindo, como poucos, aliar argumentos artísticos com um sustentado sucesso comercial, e ultrapassando, com maior ou menor dificuldade, graves crises internas de liderança ou de orientação criativa, ou mesmo originadas pela morte de elementos da banda. É certo que existiram hiatos, pausas e momentos de alguma inatividade, mas com a morte de Rick Wrigth, em 2008, todos pensámos que seria, de facto, o fim do conceito Pink Floyd. Essa certeza cresceu mais com a reedição de alguns discos da banda entre 2011 e 2012. No ar sentia-se, naturalmente, o fim tantas vezes anunciado.

Mas “The Endless River” veio demonstrar que ainda existe a crença de continuar, nem que tal se assuma na forma de um derradeiro suspiro que homenageia Wright e todos os nomes associados aos Pink Floyd.

A ideia de “The Endless River” não é recente. Este disco, ou o seu eventual esboço, começou a ganhar forma em 1993, depois de Gilmour, Mason e Wright trabalharem em “The Division Bell”. O trio efetuou inúmeras jams e o material, timidamente, foi surgindo, algo que não acontecia verdadeiramente desde os anos 70. As gravações ficaram na gaveta, até que, em 2012, Gilmour as mostrou ao engenheiro Andy Jackson e aos produtores Phil Manzanera e Martin Glover. A partir daí, o projeto evoluiu e o resultado é extremamente agradável.

Uma das maiores características (e feitos) de “The Endless River” é o seu perfil inovador face a uma eventual repetição de fórmula baseada na música dos Pink Floyd. É certo que neste disco estão presentes os tiques musicais da banda, mas a globalidade não soa redundante, pelo contrário. Também muito importante é o contributo de Wright no todo conceptual, algo que também está presente no próprio trabalho artístico da capa, uma clara referência ao mítico concerto de Veneza de 1989 - um espetáculo que é considerado por muitos como o “concerto do século”.

O álbum abre com “Things Left Unsaid”, uma composição assinada por Wright, Gilmour e Mason, que anuncia um disco que vagueia entre o experimental e o etéreo, onde a palavra dá lugar ao som, salvo escassos momentos.

Logo a seguir, “It's What we do” leva-nos até ao universo de “Wish You Were Here”, onde a tímida guitarra de Gilmour divide espaços sonoros com bateria e teclas. O momento é de clara contemplação e ao ouvinte reserva-se o privilégio da fruição. Essa ideia prolonga-se ao longo de todo o disco e, por exemplo, “Skins” é um autêntico delírio floydiano e, sem dúvida, um dos expoentes do álbum, onde a bateria é senhora do espaço enquanto outros sons invadem os nossos ouvidos.

Em contrapartida, “Anisina” dá mais preponderância aos solos de Gilmour, que não tem qualquer pejo em partilhar o destaque com os toques característicos de clarinete e saxofone. A lembrança de “Shine on you Crazy Diamond” não é, de todo, descabida.

A vez do piano chega com “Allons-y (1)”, uma maravilhosa composição que faz, obrigatoriamente, parte do leque das mais bonitas canções de “The Endless River”, e que se completa com “Allons-y (2)”, um momento contrastante e descaradamente mais rock. No fundo, é deste equilíbrio sonoro que resulta a globalidade do álbum.

O disco encerra com “Louder Than Words”, e, se este for o último momento criativo que ouviremos dos Pink Floyd, é um bom exemplo do que os ingleses sempre fizeram, isto é, uma excelente canção que facilmente se enquadra num espírito best-off. E, contrariando o ambiente global de “The Endless River”, as palavras invadem uma música que flutua entre a guitarra e voz de Gilmour e a restante orquestra floydiana, que, numa lógica sem fim, cola, sonoramente, o último suspiro do disco ao primeiro acorde da música inicial.

Para um grupo tão global e unanimemente adorado, um disco como “The Endless River” é uma boa assinatura emocional e surge no momento “certo”. Para além de trazer os Pink Floyd à atualidade, esta coleção de canções serve também como um bom cartão de visita para quem sempre seguiu o trabalho da banda ou para quem nunca lhe deu a devida (e merecida) atenção.

Alinhamento:

01.Things Left Unsaid
02. It’s What We Do
03. Ebb and Flow
04. Sum
05. Skins
06. Unsung
07. Anisina
08. The Lost Art of Conversation
09. On Noodle Street
10. Night Light
11. Allons-y (1)
12. Autumn ’68
13. Allons-y (2)
14. Talkin’ Hawkin’
15. Calling
16. Eyes to Pearls
17. Surfacing
18. Louder Than Words

Classificação do Palco: 8/10

in Palco Principal

“O Assalto”
de Daniel Silva


Enquanto está em Veneza a restaurar um retábulo de Veronese, Gabriel Allon pensa na vida. Dani, Chiara e Leah não saem da cabeça do espião israelita. Mas, esse momento reflexivo, é interrompido por uma chamada urgente da polícia italiana.

Julian Isherwood, o excêntrico negociante de arte londrino, deu de caras com o cenário de um brutal assassinato e é, agora, o principal suspeito. Para salvar a sua honra, recorre aos préstimos de Gabriel, seu amigo de longa data. Allon vê-se assim envolvido numa misteriosa trama e não tem outra alternativa senão encontrar o rasto dos homicidas, assim como procurar uma das mais emblemáticas obras de arte entretanto desaparecidas: a Natividade com São Francisco e São Lourenço, uma das obras maiores de Caravaggio.

Naquela que é uma das mais perigosas e fascinantes missões que já esteve envolvido, Allon é obrigado a percorrer o mundo e a entrar nos submundos do crime. Essa demanda levará o israelita a uma discreta instituição bancária austríaca, onde um perigoso ser gere a fortuna de um dos mais cruéis ditadores do século.

Para o ajudar nesta intrincada aventura, Gabriel conta com uma corajosa jovem que sobreviveu a um dos piores massacres da história da humanidade e tem, finalmente, a oportunidade de vingar-se de uma dinastia que lhe roubou familiares e amigos.

Basta folhear duas ou três páginas de “O Assalto” (Bertrand Editora, 2014), o décimo quarto livro da série Gabriel Allon, para voltar a sentir o peculiar universo de Daniel Silva. E o sentimento é de alívio, um conforto que apenas os fãs do espião israelita, restaurador de arte nas horas vagas, entendem depois de muitas horas agarrados ao prazer da escrita de um dos mais excitantes e assertivos contadores de estórias que misturam enredos de espionagem e thriller.

Mais uma vez somos transportados para uma viagem ao mundo obscuro da espionagem, desta vez com estreitas ligações ao Médio Oriente e ao complexo mercado paralelo da arte, que nos leva a percorrer Itália, Inglaterra, França, Alemanha, Holanda, Suíça, Áustria, Israel e Síria.

Pelo meio de um maravilhoso discurso narrativo – “O Assalto” é, sem dúvida, um dos melhores livros de Daniel Silva – há espaço para assassinos, velhas videntes, generais de dúbia intenção, assaltantes de peças de arte e quadros desaparecidos, a cultura Baath e a Primavera Árabe. Esses pressupostos servem (também) de pretexto para o escritor norte-americano contar um pouco da história de quadros, pintores e ambientes que marcaram o mundo (da arte) nos últimos séculos.

Em um dos períodos mais intensos da sua vida, Gabriel Allon assume-se neste livro num personagem cada vez menos unidimensional, à beira de uma nova forma de redenção, cuja complexa alma alberga inúmeros fantasmas. A par de Allon, o grande destaque vai para a construção do perfil de Jihan, uma mulher que reflecte a luta de um povo sem meios para se defender de um inimigo que corrói, corrompe, rouba e mata.

E, por falar em personagens, Daniel Silva consegue transformar Allon, Chiara, Lavon, Shamron ou Navot numa verdadeira família, daquelas que fazem falta, das quais se sente saudades e se espera ver em breve, sentimento esse que também se aplica a uma próxima aventura deste maravilhoso coletivo pois, a partir do momento que se lê a última linha de “O Assalto”, aquilo que se pergunta é: para quando outro livro de Daniel Silva?

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terça-feira, 27 de janeiro de 2015

“Eu, Alex Cross”
de James Patterson


Ler as aventuras de Alex Cross – para muitos o melhor detetive do Mundo – é obrigatório para os fãs de um (bom) policial. De uma forma gradual mas muito sustentada, James Patterson conseguiu, ao longo da última década, uma das mais interessantes sagas da literatura policial contemporânea e, sem grande surpresa, alcançou o lugar cimeiro do New York Times.

Desde a edição de “A Conspiração da Aranha” – primeiro volume das aventuras do personagem e que deu origem a uma adaptação cinematográfica, cabendo o papel principal ao enigmático Morgan Freeman – já passaram cerca de 15 anos e, a incrível capacidade de trabalho e dedicação de Patterson, fez-nos recentemente chegar “Eu, Alex Cross” (Topseller, 2014), o 16º tomo da série e, sem dúvida, um dos mais interessantes livros do autor.

Tudo começa com um crime hediondo. Numa altura em que Alex Cross acaba de prometer à família que quer estar mais presente nas suas vidas, o destino revela-lhe uma das mais negras surpresas: a sua sobrinha Caroline foi vítima de um assassinato bárbaro. Em dia de aniversário, Cross recebe assim a pior das prendas. Mas as más notícias não ficam por aqui.

A investigação leva Alex Cross a descobrir outra terrível realidade. A sua sobrinha fazia parte de uma rede de acompanhantes de luxo que deliciava muitos dos homens mais poderosos de Washington, DC, e não foi a única vitima.

Tudo leva a crer que estejamos perante um assassino infiltrado no poder e, a Alex Cross e à sua parceira Bree Stone, apenas resta entrar num universo que apenas os mais ricos e poderosos têm permissão.

À medida que a verdade se torna mais clara e evidente, Cross tem de lidar com segredos que podem colocar em causa a própria estabilidade do globo, e os membros desse poderoso e restrito círculo tudo vão fazer para manter as coisas como estão – e a qualquer preço.

O maior desafio de Alex Cross será a própria sobrevivência, pois “Eu, Alex Cross” tem tudo para ser a mais arrepiante aventura do detetive. E, como é apanágio das obras de Patterson, é o ritmo alucinante que comanda toda uma ação repleta de reviravoltas e acontecimentos imprevisíveis que elevam os níveis de suspense a patamares singulares.

Para isso, muito contribui a (habitual) construção narrativa de Patterson que aposta em capítulos curtos, fluidos e de perfil descaradamente cinematográfico. As surpresas e as explosões (emotivas e factuais) envolvem o leitor de uma forma completamente viciante e o virar de cada página assume a forma do normal e irrevogável exercício de respiração.

Algo que também torna a leitura de “Eu, Alex Cross” ainda mais pertinente é a sua extrema “exploração” do lado mais íntimo e emotivo de um personagem que, desta vez, tem também de lidar com o sofrimento da própria família, nomeadamente no que toca à doença que afeta Nana, a sua avó, depois do trágico desaparecimento da sua sobrinha Caroline.

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segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

“Quatro Amigos”
de David Trueba


Com experiências na área do jornalismo e na criação de argumentos cinematográficos e guionismo (já venceu seis Prémios Goya, os Óscares do cinema espanhol), David Trueba chegou pela primeira vez às livrarias nacionais há cerca de cinco anos com “Saber perder”, mas seria “Aberto toda a noite” que colocaria o espanhol no rol dos mais interessantes (novos) escritores vindos da vizinha Espanha.

Com o mais recente “Quatro Amigos” (Alfaguara, 2014) Trueba conta-nos as peripécias de quatro companheiros que sentem o fecho da juventude e querem celebrar esse ciclo. A forma que encontram para o fazer assume o perfil de uma viagem que significa deixar para trás trabalhos, famílias e problemas, improvisando uma road trip por terras de Espanha onde se entregam, em forma de derradeira redenção, aos excessos adolescentes com muito álcool e mulheres à mistura.

Assim, Solo, Blas, Raúl e Caudio partem à aventura e comprovam que as etapas da vida são finitas e que o passado é um polícia da alma que não se coíbe de passar as devidas coimas à alma, ainda que tais multas possam misturar gargalhadas com lágrimas.

À medida que se galgam quilómetros, são feitas confissões, acusações, revelam-se traições, sente-se a verdade alheia. No fundo, os quatro amigos vão ao fundo de si mesmos, descobrindo que a vida tem de ser vivida da melhor forma possível, ainda que as lições daí retiradas possam cauterizar processos e experiências acumuladas ao longo dos anos.

Tal como já havia feito em “Saber Perder” e “Aberto toda a Noite”, David Trueba revela uma capacidade agridoce de relatar uma idade aqui entendida como o final de um período de vida – vulgarmente referida como juventude, com ou sem aspas. A frustração sublinha e gere uma narrativa que se foca nas dores de um crescimento (por vezes forçado) e numa espécie de linha contrastante entre um lado mais romântico e laivos de uma peculiar análise entre a comédia, a ternura e o rancor.

Ainda que no seu todo “Quatro Amigos” seja um romance interessante, não deixa de ter, por vezes, uma abordagem algo superficial, especialmente no que toca a alguma falta de profundidade do perfil dos personagens (e do próprio enredo) mas que, ainda assim, consegue fazer emergir momentos de certa pertinência, nomeadamente resultantes dos confrontos/conflitos entre Solo, Blas, Raúl e Caudio, dando azo ao entendimento de definições como a felicidade e, paradoxalmente, o medo que tal pode provocar.

Comparativamente com o que fez em, por exemplo, “Aberto toda a noite”, David Trueba não consegue fazer do humor uma arma que sustente a narrativa, optando por uma abordagem simplicista e por vezes desinteressante da mesma em detrimento de uma apropriação perto do lado mais negro.

Infelizmente, “Quatro Amigos” não consegue descolar o leitor de uma história banal que versa sobre a amizade entre quatro camaradas imaturos que decidem viajar juntos, sem destino, em uma carrinha a tresandar a queijo e que têm, no devaneio sexual com o maior número de mulheres possível, o seu grande objectivo.

Fazendo uso da metáfora cinematográfica, tão cara a Trueba, a mais recente obra do espanhol está mais próxima de um ambiente de filmes para o universo (pós)teenager do que de uma abordagem dramática de um ritual de passagem (de idade).

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domingo, 25 de janeiro de 2015

“Vibração”
Anders De La Motte


Henrik “HP” Pettersson libertou-se finalmente do centro nevrálgico do Jogo de Realidade Alternativa e, agora, encontra-se na Suécia na posse de várias identidades falsas e com dinheiro suficiente para conseguir uma vida confortável. Apesar de o remorso de ter abandonado a irmã não deixar de o perseguir, ele sabe que apenas assim ambos estarão a salvo.

A fortuna acumulada é uma almofada confortável depois de uma terrível experiência, mas HP não está satisfeito. Afinal, a clandestinidade não é tão estimulante na vida real como nos filmes.

Para dar algum alento a sua vida, HP decide viajar para o Médio Oriente em busca de alguma adrenalina. No Dubai conhece a enigmática, sensual e rica Anna Argos e a vida ganha um novo colorido. Ainda assim, há algo em Anna que levanta suspeitas, principalmente no que diz respeito ao seu telefone.

Rebecca está agora mais tranquila, mas a vida teima em não encaixar. Foi promovida, a sua vida amorosa sorri mas algo não está bem. Tudo se complica ainda mais depois de explorar um fórum na Internet, onde conhece um detective que escreve histórias ameaçadoras sobre a sua pessoa.

Num ápice, o cerco aperta-se, fecha-se, sobre Rebecca e HP, surgem muitas dúvidas e o medo assombra. Afinal, qual a diferença entre a realidade e o sonho? Em que e em quem se pode confiar? Como podemos defender-nos de uma ameaça silenciosa, sem rosto ou motivo?

Sinónimo de uma leitura viciante – quem leu “O Jogo”, sabe o que falamos – “Vibração” (Bertrand Editora, 2014) é a sequela perfeita. A narrativa está construída sob grandes doses de uma tensão multidisciplinar e formal e o frenesim típico de um thriller anda à solta nas páginas do livro de Anders De La Motte.

Se “O Jogo” conduz o leitor por uma trama cujo enredo está repleto de conflitos de ordem pessoal e ética, “Vibração” assume-se como uma espécie de orientação narrativa que permite assimilar, compreender e absorver todos os acontecimentos que assolam as vidas de HP e Rebecca.

Essa contextualização leva-nos, por exemplo, a captar algo do que se passa na mente de HP, um mero pião de um jogo que, afinal, não se centrava na sua pessoa, mas que pode ser ele a única peça que pode quebrar a engrenagem de uma oleada máquina maquiavélica que mais uma vez coloca o dedo na ferida em questões tão fraturantes como o poder e a (extrema) dependência das tecnologias, assim como o decisivo rombo na privacidade de que tal é sinónimo.

Uma vez mais, o autor sueco apimenta os pensamentos de HP com uma especial expressividade, algo que assenta cada vez melhor no personagem e na sua construção, que vai viver momentos de enorme tensão emotiva e sensual. No fundo, “Vibração” confirma uma extrema (e positiva) dependência face a um personagem pouco consensual como HP e aguça ainda mais os fãs da trilogia para o próximo e decisivo volume.

Com um argumento longe da “linear” trama de um policial nórdico, “Vibração” vai apaixonar quem gostou de “O Jogo” e faz crescer ainda mais a ideia de que algumas obras deviam ser editadas em simultâneo, ou quase, pois enquanto se espera pela conclusão da trilogia vamos deixar de ter unhas para roer ou cabelos para arrancar.

in deusmelivro

Ano novo, edições novas
a rentrée literária 2015


Com o primeiro mês do novo ano já muito para lá da sua metade, o Deus Me Livro desvenda um pouco daquilo que o leitor poderá esperar neste novo ano de 2015 relativamente a algumas das editoras nacionais.
Uma nota de destaque para a não-ficção, que irá ter um espaço considerável, mostrando que nem só de romances se vai alimentado o critério editorial. Mas há mais, muito mais. Para conferir de seguida. De A a 20.

Antígona

“La Nebbiosa” (Setembro) – no título original -, o guião-romance de Pier Paolo Pasolini inédito na versão integral, será um dos grandes destaques da editora nacional mais refractária de Portugal, a juntar à publicação do Prémio Femina 2013: “A Estação da Sombra” (Abril), de Léonora Miano.

Jean Meckert, Charles Bukowski, Léonora Miano, Max Horkheimer, Karl Marx ou Hugo von Hofmannsthal são outros dos nomes que integram o plano de edições da editora para 2015.

Assírio & Alvim

O grande destaque vai para a edição fac-similada de “1915 – o Ano da Orpheu”, no ano em que a revista comemora o seu centenário.

Em Março as atenções vão para a edição da “Obra Poética” – num volume único – de Sophia de Mello Breyner Andresen, que apresentará alguns poemas inéditos que integram o espólio da autora em depósito na Biblioteca Nacional.

Nota de relevo para o mais recente livro de poemas de Adília Lopes, “Manhã”, assim como para a reedição da obra de Mário Cesariny (a começar por “O virgem negra”).

Outros pontos de interesse editorial são “En la orilla”, romance do espanhol Rafael Chribes, a reabilitação do anuário de poesia para novos autores – um projecto que remonta aos anos 1980 – e “A Estrada do Esquecimento e Outros Contos”, que apresenta 20 contos inéditos de Fernando Pessoa.

Bertrand Editora

Destaque para a publicação de “A Ética das Finanças” (Janeiro), um olhar profundo sobre o sistema financeiro, da autoria do Nobel da Economia Robert J. Shiller.

Para quem gosta de policiais, chega já este mês às livrarias “As instruções da Pitonisa”, da dupla Erik Axl Sund – pseudónimo dos autores suecos Jerker Eriksson e Hakan Axlander Sundquist -, o volume que encerra a trilogia Victoria Bergman que tão boa imagem tem deixado. Ainda em Janeiro chegam às livrarias “A Cidade Perdida”, de James Rollins e “Aquele Instante de Felicidade”, de Federico Moccia.

Booksmile

A Booksmile vai publicar, em Fevereiro, uma edição original de “O Principezinho”, com tradução de Ana Saldanha.

No mês seguinte chegam às livrarias “O Menino Quadradinho”, de Ziraldo – considerado um dos livros mais importantes da literatura infantil brasileira – e “Não Deixes o Pombo Guiar o Autocarro e Não Deixes o Pombo Ficar Acordado até Tarde!”, do premiado autor Mo Willems.

Caminho

Em Maio chega às livrarias o quinto volume da “História de Porugal”, dedicado aos Filipes, da autoria de António Borges Coelho. Também no campo da não ficção está prevista a edição – na recta final do ano – de “Diários da Prisão”, de Luandino Vieira.

Destaque para a publicação do novo romance de Mia Couto, ainda sem título, numa edição prevista para Junho ou Outubro.

Cavalo de Ferro

Nos primeiros meses de 2015, a Cavalo de Ferro reforçará o seu catálogo com novos e conceituados autores da literatura europeia moderna (François Mauriac, Leo Perutz) e contemporânea (Ófeigur Sigurdsson), prosseguindo ao mesmo tempo a publicação da obra de autores já conhecidos dos seus leitores (Živković, Cortázar, Canetti).

Há também a aposta no ensaio contemporâneo de qualidade, em diferentes áreas da cultura e das ciências sociais: filosofia, sociologia e literatura (Onfray, Jaspers).

Clube do Autor

Destaque maior para a edição de “The shift and the shocks” – título original -, da autoria de Martin Wolf, editor do Financial Times e considerado, por muito boa gente, como um dos comentadores económicos mais influentes do planeta. Um olhar sobre a crise financeira e aquilo que já aprendemos – e ainda iremos aprender – com ela.

Companhia das Ilhas

A primeira edição do ano é a peça “Para além do Muro”, de Gisela Canãmero, com uma versão inglesa (Beyond the Wall) da responsabilidade de Mischa Stöcklin. Ainda em Janeiro a editora publicará o livro de poemas “Música de anónimo”, de José Manuel Teixeira da Silva e, no mês seguinte, dose dupla de edições: “Os lugares”, poesis de Fernando Gandra e “Da vida das marionetas”, um ensaio de José Alberto Ferreira.

Março trará a reedição de “Vidas Caídas. Diário de Um Repórter na Amazónia”, de José Amaro Dionísio e um romance de Maria da Conceição Caleiro, “Até para o Ano em Jerusalém”, que inaugura a azulcobalto | ficção, dedicada à ficção portuguesa contemporânea (seguem-se João Reis e Armando Almeida).

Até final do ano haverão obras de Luís Serra, Rui Almeida, Luís Quintais, José Ricardo Nunes, Carlos Alberto Machado e Nuno Félix da Costa, entre outros.

Dom Quixote

Já a pensar na rentrée de Setembro, a Dom Quixote assinalou já na agenda a edição – simultânea com a americana – de “City on Fire”, de Garth Risk Hallberg – sensação da Feira do Livro de Londres de 2013 – e, soem as trombetas da felicidade, “Purity”, de Jonathan Franzen.
Romancistas e autores nacionais estarão em força: António Lobo Antunes – “Da Natureza dos Deuses” (Outubro), Pepetela, João Ricardo Pedro, Nuno Camarneiro – “Se Eu Fosse Chão” (Abril) –, Isabel do Carmo – “Histórias que as Mulheres Contam” (Fevereiro) – e Inês Pedrosa – “Desamparo”, (Fevereiro) – estão entre os eleitos.

Na poesia destaca-se a edição da “Antologia Poética de Adonis” (Outubro), com tradução e organização de Nuno Júdice.

Quanto a não-ficção serão publicados “Ordem e Decadência Política, da Revolução Industrial à Globalização da Democracia” (Fevereiro) – segundo volume – e “Idade Média 4”, o último volume da enciclopédia sobre o período coordenada por Umberto Eco que a Dom Quixote vem a editar nos últimos anos.

Editorial Presença

Steven Levitt e Stephen Dubner, autores dos clássicos de economia “Freakonomics” e “Superfreakonomics”, regressam às edições nacionais com “Pense como um freak”.

No universo policial destaque para a publicação, já em Janeiro, de “O bicho-da-seda”, o segundo livro de Robert Gailbrath, pseudónimo masculino escolhido por J. K.Rowling – sim, a do Harry Potter – para uma aventura noutro universo literário.

Entre outros títulos já calendarizados teremos “Merlin – Os anos perdidos” (Janeiro), de T. A. Barron, “Galveston” (Janeiro), de Nic Pizzolato e ainda duas edições prometedoras ainda sem título em português: “A Treacherous Paradise”, de Henning Mankell e “Home”, de Toni Morrison.

No campo infanto-juvenil está prevista a publicação de vários títulos, sendo certo que a colecção de Geronimo Stilton continuará de vento em popa.

Gradiva

Até ao final do ano, o académico Eduardo Lourenço terá publicada praticamente toda a sua obra através da Gradiva, com a edição de títulos como “Do Brasil: Fascínio e Miragem” (Janeiro), “Sobre a Pintura” (Março), “Salazar como Questão” (Maio), “Requiem por Alguns Vivos” (Julho), “O Cinema como Mitologia Cultural” (Setembro) e “Estudos Camonianos” – título ainda provisório – (Novembro).

Quanto a romances, o menu será de degustação total, um verdadeiro festim para os leitores. Há livros novos de Ian McEwan – “The children act” (Março) no original -, Kazuo Ishiguro – “The burried giant” (Abril), título original -, Peter Carey – “Amnésia” (Agosto) – e Umberto Eco – “Número zero” (Maio).
Guerra & Paz

Em 2015 a editora irá apostar em dois autores franceses de grande sucesso: Jean D’Ormesson e Delphine de Vigan. Quanto a autores portugueses esperam-se livros de Jorge Reis-Sá, no romance, e Eugénia de Vasconcelos, em romance e poesia.

Na colecção Fio da Memória, colaboração da Guerra e Paz e da Sociedade Portuguesa de Autores para a vida e obra de figuras nacionais, teremos livros sobre José-Augusto França, António Victorino D’Almeida, António Pedro Vasconcelos e José de Guimarães.

Contem ainda com um novo livro do economista José Manuel Félix Ribeiro e a publicação da correspondência de Jorge de Sena com o seu editor Luís Amaro.

Jacarandá

“O Assassinato de Margaret Thatcher”, colectânea de contos da duas vezes Bookeriana Hilary Mantel, é um dos destaques desta nova editora nascida de uma costela da Editorial Presença.

Kalandraka

Já este mês chegam às livrarias três novos títulos: “A história de Erika”, de Ruth Vander Zee – história de uma sobrevivente do extermínio judeu na Alemanha nazi; “Tio Lobo”, de Xosé Ballesteros – à volta das ideias da mentira e do castigo; “A avó adormecida”, de Roberto Parmeggiani – a história de um menino e da sua avó,que fica doente.

Marcador

Ainda sem título em português será publicado o romance “Beautiful You”, de Chuck Palahniuk, escritor de culto para muito boa gente.

Entre outros títulos previstos estão “Viagem ao coração dos pássaros”, de Possidónio Cachapa, “Viagem ao infinito” – a biografia de Jane e Stephen Hawking -, “Concerto à memória de um anjo”, de Eric Emanuel Schmitt, “A morte de um apicultor”, de Lars Gustafsson – com nova tradução de Afonso Cruz – ou dois títulos ainda sem título em português: “Elizabeth is missing”, de Emma Healey, ou “Dancing on broken glass”, de Ka Hancock.

Nascente

Em Março sairá o novo livro da conhecida nutricionista Magda Roma.

Orfeu Negro

No universo dos adultos, destaque para duas obras: “Os Filmes da Minha Vida” (Março), de François Truffaut e “Da Rua para o Palco – Estudos de Performance” Maio), de Richard Schechner. Se no caso de Truffaut podemos contar com uma compilação que reúne mais de uma centena de artigos escritos pelo cineasta para o mítico Cahiers du Cinema, Schechner apresenta uma série de ensaios sobre a arte da performance.

Da Orfeu Mini destacamos, já em janeiro, “Não Fiz os Trabalhos de Casa Porque…”, de Davide Cali e Benjamin Chaud, um livro que relata algumas das mais hilariantes desculpas para os mais pequenos não fazerem os trabalhos de casa. No mês seguinte é editado “Este Chapéu não é Meu”, de Jon Klassen – livro que premiado com a Caldecott Medal em 2013 e a Kate Greenaway Medal em 2014 -, sequela de “Quero o Meu Chapéu”, assim como “Os Nicos em Não Fui Eu, de Oliver Jeffers.

Em Março chega “Mãos à Obra: Cada Casa a seu Dono”, de Didier Cornille, responsável por texto e ilustrações, um livro que tenta explicar a arquitetura contemporânea aos mais pequenos através de desenhos precisos e miniaturistas. Já no mês das chuvas mil chega a vez de “Quero um Abraço”, de Simona Ciraolo - autora/ilustradora que em 2014 recebeu o Sebastian Walker Award -, uma história bem-humorada sobre a importância do toque ilustrada com muita ternura e expressividade.

Para maio a Orfeu Mini planeia colocar nas livrarias novas obras da autora e ilustradora Catarina Sobral, assim como da ilustradora brasileira Renata Bueno.

Pato Lógico

Para 2015 a Pato Lógico tem prevista a reimpressão dos “Estrambólicos” (finais de Fevereiro/inícios de Março) – 4096 Estrambólicos para descobrir à medida que se viram as páginas -, de José Jorge Letria e André Letria, entretanto esgotados há algum tempo. Está também em preparação “Teatro” (Março), com texto de Ricardo Henriques e ilustrações de André Letria, um novo atividário que irá suceder a “Mar”.

A colecção Imagens irá contar com mais dois títulos, ainda sem título definitivo, dos autores Bernardo Carvalho e João Fazenda, que seguirão as mesmas premissas dos antecessores “Sombras”, “Bestial”, “Capital” e “Vazio”: histórias apenas contadas por imagens, em 32 páginas, com títulos de uma só palavra
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Penguin Random House

Será inevitável falar de “Submissão” (ainda sem data concreta de publicação), romance da autoria de um escritor que, sempre que pega na pena, instala a polémica: Michel Houellebecq.

Com pronúncia espanhola teremos “O mundo de fora” – Prémio Alfaguara 2014 -, de Jorge Franco, e também “Así empieza lo malo”, o novo romance de Javier Márias que está muito bem cotado entre jornalistas e leitores do país vizinho, uma história passada na Madrid dos anos 80.

Serão também editados “O Fim”, de Fernanda Torres – uma comédia moderna sobre várias personagens, onde há muito humor mas também alguma melancolia – e “O Jantar”, do holandês Herman Koch – um romance sobre o papel da família e dos afectos no nosso tempo.

No plano nacional esperam-se dois novos romances de João Tordo, bem como um romance e uma nova enciclopédia da estória universal de Afonso Cruz.

Planeta

Pablo Escobar, provavelmente o narcotraficante mais famoso do globo terrestre, terá a sua história contada em “Meu Pai” (Abril), escrita pelo filho Juan Pablo Escobar. Ainda na vertente da (auto)biografia, a editora irá lançar “Então, de qualquer maneira” (Abril), do MontyPythoniano John Cleese e, ainda este mês, Caroline Alexander conta em “O Endurance” um dos mais emocionantes relatos da Idade heróica da exploração: a tentativa falhada da travessia a pé da Antárctida levada a cabo pelo explorador Schackleton e 27 homens.

Ainda neste primeiro trimestre chegam às livrarias “28 Dias” (Janeiro), de David Safier – o autor do best-seller “Maldito Karma” num registo completamente diferente – e “Sacrifício a Molek” (Março), da autora revelação do policial nórdico Asa Larsson.

Porto Editora

A Porto Editora traz aos escaparates obras de Patrick Mondiano – “L`Herbes des nuits” (Abril), “Pour que tu ne te perdes pas dans le quartier” (maio) e “Dora Bruder”, que esgotou a primeira edição portuguesa de 1998, já este mês -, novos títulos de Leonardo Padura, Rosa Montero e Ian Rankin, assim como reedições de José Saramago, Valter Hugo Mãe, Mário de Carvalho, Almeida Faria, Francisco José Viegas, Sveva Casati Modignani, Eugénio de Andrade e Sophia de Mello Breyner Andresen.

Grande notícia foi a da aquisição da Livros do Brasil, que vai apresentar uma nova imagem gráfica e dedicar especial atenção às obras completas de Eça de Queirós, à coleção Dois Mundos (onde pontuam nomes como Steinbeck, Hemingway, Virginia Woolf, André Malraux e Truman Capote) e à coleção Vampiro, dedicada ao crime e ao policial.

“A ridícula ideia de não voltar a ver-te”, de Rosa Montero – uma obra não-ficionada – e “Hereges”, de Leonardo Padura – que estará em fevereiro no Correntes d`Escritas – são algumas das maiores apostas da editora, assim como “La fin de l`homme rouge”, da russa Svetlana Alexievitch e “1889”, do brasileiro Laurentino Gomes. Regressa também às livrarias “Os passos em volta”, de Herberto Helder, obra entretanto esgotada.

Quetzal Editores

O inigualável Agostinho da Silva será biografado em “O estranhíssimo colosso” (Fevereiro), da autoria do académico António Cândido Franco.

Luz verde para o mais recente romance de Martin Amis,”The Zone of Interest” – título original -, que se diz ser um olhar satírico sobre os campos de concentração. Mais polémica a caminho, portanto. Ainda sem data será lançado “Cifra”, do chinês Mai Jia.

Relógio D`Água

A Europa e o seu papel estarão em destaque com a publicação de “O que quer a Europa?”, da autoria conjunta de Slavoj Žižek e Srecko Horvat e prefaciado por Alexis Tsipras.

A Relógio D`Água publicará também “A senda estreita do norte profundo” (Fevereiro), a obra de Richard Flanagan vencedora do Man Booker Prize do ano passado, bem como “O homem enamorado” (Maio), o segundo volume da colossal saga intitulada A minha luta, de Karl Ove Knausgård.

Saída de Emergência

“O poço da ascensão”, de Brandon Sanderson, chega às livrarias já este mês e, se for tão bom como o primeiro livro da saga, é motivo mais do que suficiente para os amantes do fantástico fazerem a festa.
Mas há mais destaques: “Eleanor & Park”, de Rainbow Rowell, uma história de amor improvável; “What if?”, de Randall Munroe, respostas com uma base científica séria a hipotéticas perguntas absurdas; “Rave, de Sylvain Reynard, autor da trilogia “Saga de Gabriel”.

Nota especial para a edição de “World of Ice and Fire”, de George Martin, uma edição ilustrada e de cariz enciclopédico que desvenda toda a história de Westeros antes de as Crónicas do Gelo e do Fogo terem início.

Sextante

A publicação da fabulosa saga de Edward St Aubyn chega ao fim com o quinto volume: “Por Fim” chega às estantes em Abril. A Sextante vai apostar também em “As raízes do céu”, de Romain Graru, obra que venceu o Prémio Goncourt em 1956, assim como numa dupla que faz a primeira aparição no mercado editorial português: a italiana Viola di Grado, com o romance “70% acrílico 30% lã”, e Hans Keilson, o escritor holandês de origem alemã, com “Comédia em modo menor”.

Entre as outras surpresas da Sextante estão “Hotel Locarno”, novo livro de contos de António Mega Ferreira, “Choriro”, do moçambicano Ungulani ba Ka Khosa e “Angola – Quando o Impossível Se Torna Possível”, de Anabela Muekalia, duas obras com o irresistível toque de África.

Teorema

Destaque para a publicação do novo romance de Ana Margarida de Carvalho, Grande Prémio de Romance e Novela APE.

Tinta da China

A editora com as capas mais bonitas do mercado livreiro continuará a apostar em força na Colecção de Viagens: “Era uma vez em Goa” (Janeiro) – de Paulo Varela Gomes – e “Viagem à volta do meu quarto” (Abril) – de Xavier de Maistre – são dois dos títulos confirmados.

A autora de culto Teresa Veiga regressa à ficção com “Gente melancolicamente louca”, um livro de contos, a sair em Março na Colecção de Ficção de Língua Portuguesa.

Na Colecção Pessoa, dirigida por Jerónimo Pizarro, está prevista para Fevereiro a edição de «Sobre o Fascismo, a Ditadura Militar e Salazar», de Fernando Pessoa, com organização de José Barreto.

Outros títulos confirmados são: “Os Filósofos e o Amor” (Janeiro), de Aude Lancelin e Marie Lemmonier, com prefácio de Eduardo Lourenço – reedição em formato bolso; “O Crocodilo Que Voa – Entrevistas a Luiz Pacheco” (Fevereiro) – reedição em formato bolso de um título há muito esgotado; “Os Bebés da Água” (Abril), de Charles Kingsley, na Colecção Clássicos Juvenis Ilustrados; “Eu Confesso” (Abril), de Jaume Cabré – premiado romance de um dos mais importantes escritores catalães da actualidade. E, claro, a Granta 5, que chegará às livrarias em Maio.

Topseller

Na Topseller, em Fevereiro, destaca-se o lançamento de “A Cada Dia”, romance do premiado autor bestseller David Levithan.

Março será um mês de muitas edições, entre os quais sublinhamos “Pop Goes the Weasel”, mais um thriller de M. J. Arlidge, autor do aclamado “Um, Dó, Li, Tá”. O mês terminará com o lançamento de “Miúda Online”, o romance-sensação de Zoella, a jovem blogger britânica seguida no YouTube por 7 milhões de subscritores que, no Reino Unido, vendeu mais numa semana do que o romance de estreia de J.K. Rowling.
Em Junho sairá o terceiro – e muito esperado – volume da coleção «Will Trent» de Karin Slaughter, intitulado “Génesis”.

Vogais

Em Fevereiro a Vogais apresenta “How Google Works”, da autoria do ex-CEO Eric Schmidt e publicado com a chancela Google, que revela as estratégias principais da empresa, tanto na relação com os colaboradores, a arquitectura da empresa e o pensamento estratégico, como no contacto com os clientes.
Em Abril edita-se “O Diário de Mary Berg”, uma das memórias mais significativas do século xx, escrita por um dos poucos sobreviventes do Gueto de Varsóvia.

Para junho a Vogais tem prevista a publicação de “A História Escondida dos EUA”, escrito a duas mãos pelo cineasta Oliver Stone e pelo historiador Peter Kuznick, inspirada na homónima minissérie documental que relata a ascensão e o declínio do império americano.

20|20 Editora

Maio verá nascer a nova chancela literária da 20|20 que, até ao final de 2015, contará com um catálogo de cerca de 20 livros. A estreia far-se-á com um romance inédito da Prémio Nobel Pearl S. Buck.

In deusmelivro
com Pedro Miguel Silva

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

“O Rei Pálido”
de David Foster Wallace


David Foster Wallace foi um escritor diferente, um acutilante pensador que extrapolava fronteiras morais e filosóficas com um encanto próprio e uma extrema capacidade de encontrar sentido (ou sentidos) onde, por vezes, a emoção ou a lógica se revelava ausente – ou tomada pelo poderoso fantasma do aborrecimento.

Estudante de Filosofia e Inglês, Foster Wallace – paralelamente a toda a sua vida – nunca escondeu a sua paixão pelo ténis, modalidade que lhe conferia uma espécie de equilíbrio para a existência, bem como para a sua expressividade literária.

Não sendo um escritor muito prolífero, deixou para a posteridade algumas das mais pertinentes obras que o último século teve a oportunidade de ler, entre elas o delirante, inovador e colossal exercício “narrativo” apelidado de “A Piada Infinita”. A par disso, ousou pensar a própria sociedade através de artigos jornalísticos, pensamentos e ensaios como “E Unibus Pluram: a Televisão e a Ficção Americana”, “Uma Coisa supostamente Divertida Que nunca mais Vou Fazer” e “Pensem na Lagosta”.

Apesar de um assinalável reconhecimento de público e crítica, David Foster Wallace nunca conseguiu ultrapassar o eterno estado depressivo que o assolava e desistiu da vida aos 46 anos.

Ciente que a genialidade de Foster Wallace não terminou com o último suspiro do autor e pensador, o seu editor norte-americano decidiu publicar o puzzle reflexivo deixado pelo homem natural de Ithaca, Nova Iorque, nascendo assim o projeto póstumo apelidado de “O Rei Pálido” (Quetzal, 2014), um romance que resulta de uma teimosa certeza de que algumas vozes não devem ser esquecidas. Este livro prova que é impossível separar a obra do seu autor e, no fundo, objectos literários assim não precisam de votos de simpatia, pois os seus méritos inatos são uma indiscutível mais-valia.

Mais do que o conceito de “obra-prima”, “O Rei Pálido” assume-se como uma espécie de reflexão interior que encontra eco em alguns manuscritos incompletos de Foster Wallace, ou em capítulos avulso de uma sentida noção de complementaridade patrocinada por uma lógica interna que cimenta a conectividade entre letras, palavras, frases e ideias.

A linguagem de David Foster Wallace em “O Rei Pálido” é metafísica. Definições de felicidade, conformidade e gratidão são facilmente confundidas (ainda que não gratuitamente) com a máquina aniquiladora do aborrecimento e dos seus efeitos sobre a alma.

As páginas fluem de forma sublime onde uma análise abstrata captura a atenção do leitor, qual hipnose. Alguns “personagens” crescem sob uma onda de pânico cujo diálogo interior ganha contornos alucinatórios enquanto tentam, desesperadamente, acelerar a velocidade dos minutos. Em outros momentos, simples paragens no intenso tráfego podem ser sinónimo de monólogos que refletem a pertinência do sistema de impostos ou a filosofia de vida norte-americana, que parece fruto de um megalómano jogo de sociedade onde a ansiedade extrema é um “prémio” mais que garantido.

Com uma magistral e moderna arte de escrever, Foster Wallace alia sentimentos como o tédio, a esperança e o desespero em um todo paradoxal e poderoso que encontra paralelismo numa realidade desconfortável mas mágica pois, a medo, o autor de “A Piada Infinita” parece confessar ter descoberto – ou andar lá muito perto – uma alegria frenética, embora desgastante, face à observação (claustrofóbica e) rigorosa da vida.

Depois de ler algo como “O Rei Pálido” é aconselhável ao leitor um período sabático, um hiato que vai permitir um saudável regresso à leitura de romances normais, com enredos e personagens principais reconhecíveis. Este livro de Foster Wallace é tão fascinante e único que está para além da noção de comparável, pois habita na sua própria estratosfera e é, sem dúvida, uma excelente forma de match point literário.

In deusmelivro

Little Big Planet 3 - PS4

Um mais três igual a (PS)4


Cinco anos depois dos profissionais da Media Molecule fazerem nascer a saga Little Big Planet (LBP), eis que as aventuras de Sackboy chegam à PlayStation 4 pela mão dos estúdios Sumo Digital. Esta mudança criativa deu origem ao episódio mais ambicioso da série em vez de uma atitude (talvez esperada por muitos) mais conservadora, e hoje LBP3 revela não uma, nem duas, mas mais três razões (e meia) para se tornar em uma referência no mundo das consolas.

Isto porque, LTB tem novos personagens pois Sackboy tem novos amigos. Se Oddsock é um rápido canino capaz de escalar paredes, Swoop é uma ave especial que voa livremente pelo gameplay e consegue apanhar pequenos objetos assim como resgatar os seus companheiros de aventura quando estes se encontram em apuros. Já Toggle, é um amigo de peso que utiliza o seu robusto perfil para derrubar obstáculos ou plataformas. Para além disso, Toggle também pode reduzir o seu porte e transformar-se em um pequeno e rápido personagem que consegue passar pelo buraco da agulha ou caminhar à superfície da água. No seu todo, estas surpresas, a par de uma inovadora noção de profundidade graças ao novo motor gráfico, são sinónimo de uma miríade de interessantes atrativos para o onírico mundo de Sackboy…e companhia.

A revitalização de LTB também encontra eco nos novos atributos do personagem principal. Os técnicos da Sumo Digital optaram por dotar Sackboy com uma série de power-ups e habilidades. Para além de um assinalável e novo poder de escalada, Sackboy é dono de um “bolso” especial – à imagem da mochila do saudoso Sport Billy – onde estão ferramentas como o Pumpinator (que permite explodir partes do cenário) ou um chapéu-gancho que ultrapassa com distinção obstáculos complicados.

Para albergar todas estas novidades e fazer fluir a narrativa, o cenário de LBP mudou consideravelmente. Mais do que uma aventura linear repleta de obstáculos, a nova demanda de Sackboy tem por fim a salvação do planeta Bunkum e apresenta-se sob uma perspetiva pluridimensional que permite uma fluída interação entre desafios.

Cada um desses “mundos” vai permitir também a Oddsock, Toggle e Swoop completarem o puzzle que LTB3 se assume desde a primeira hora. Mais do que nunca, é necessário seguir as premissas: jogar, criar, partilhar e cooperar, e à medida que são desbloqueados novos poderes e capacidades a jogabilidade ganha novos rumos.

Mas nem tudo são “rosas”. Depois de ultrapassar os primeiros “níveis” da história, a narrativa parece perder gás e as ramificações laterais do fio condutor perdem-se na forma. Uma das questões mais desmotivantes de LBP3 acontece depois de se conseguir desbloquear uma qualquer habilidade de determinado personagem, pois quando pensamos que vamos dar continuidade a tal conquista eis que voltamos a assumir o controlo de Sackboy. No modo single player tal é ainda mais notório pois é muito difícil conseguir conciliar as potencialidades de todos os personagens ainda que optemos por uma filosofia cooperante.

Esse espírito distorce um pouco da filosofia inicial do jogo, para mais quando toda a ajuda é necessária no planeta Bunkum depois de uma tripla de malvados Titãs serem libertados e com a ajuda do cáustico Newton terem como fim destruir o paraíso criativo deste pequeno grande planeta.

Mas, acima de tudo, a narrativa de LBP3 é assumidamente mais do que uma banal súmula de tarefas e novos (e excitantes) recursos whizz-bang. Para além dos novos personagens e gadgets a eles associados, os criadores da Sumo Digital deram à luz um universo que se multiplica em 16 camadas de pura ação e deleite gráfico que confere uma nova geometria ao jogo e permite jogar níveis (assim como utilizar roupas e objetos conquistados) de episódios anteriores. Outra curiosidade: na versão PS4, as texturas exibem uma resolução 1080p (na versão PS3, a resolução fica-se pelos 720p…), graças ao novo motor gráfico da mais recente consola da Sony.

Em LBP3, existem também ferramentas que permitem criar mundos paralelos e novas e estimulantes aventuras com o auxílio dos sistemas Broadcast Microchip e Blaster Handle. Conscientes de tanta novidade, e que tal possa complicar a vida dos novos jogadores da saga de Sackboy, os senhores da Sumo Digital adicionaram mais de uma dezena de níveis dos chamados Popit Puzzles para ambientar os recém-chegados.

A juntar a tal existe um tutorial em versão streaming com vídeos que ensinam a utilização de cada ferramenta (este sistema também pode ser utilizado no universo Vita, no tablet ou telefone). Por defeito, o jogador está “limitado” a um conjunto de instrumentos que permitem a elaboração de níveis muito atrativos que podem posteriormente ser partilhados. Graças à compatibilidade e interatividade do universo LBP, essa partilha vai dar acesso a milhões de outros níveis que vai dar outra vida a Sackboy e ao seu DualShock 4.

Apesar de uma ou outra questão pontual, LBP3 é um jogo muito interessante e revela-se como uma aposta ganha da Sumo Digital. No entanto, fica um sabor agridoce ao manipular Sackboy e nova pandilha, pois dá a sensação que nem todas as potencialidades do jogo foram exploradas devidamente, nomeadamente na criação de níveis. Mas, e como o sonho comanda a vida, o novo arsenal de ferramentas assim como a narrativa mais dinâmica possibilita um futuro risonho a todos os que adoram este planeta em forma de puzzle.

In Rua de Baixo

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Coldplay – “Ghost Stories Live 2014 (CD+DVD)”

Anjos caídos de paraquedas


Os britânicos Coldplay são uma das maiores bandas da atualidade. Este título pode parecer estranho para quem se lembra de ver Chris Martin e companhia na edição 2000 do festival Paredes de Coura, a distribuir panfletos sobre a própria banda, mas é a mais pura das verdades.

Muito poucos seriam os que acreditavam que o quarteto londrino - que em tempos foi “apenas” conhecido com o grupo de “Yellow” - viesse a escalar tão vertiginosamente a crispada montanha do pop/rock mundial, mas o certo é que, em 2015, a coroa que em tempos foi pertença dos U2 hoje assenta que nem uma luva a estes quatro rapazes que em 1996, nos tempos da universidade, decidiram formar uma banda.

Quase duas décadas, seis discos de originais, milhões de vendas e centenas de concertos depois, os Coldplay habituaram os seus fãs a momentos que misturam alguma simplicidade musical com uma elaborada performance, e tais predicados estão bem patentes em “Ghost Stories Live 2014”, uma experiência que tem como base “Ghost Stories”, editado em maio do ano passado, e que é uma passagem do alinhamento áudio para uma perspetiva ao vivo e sofisticadamente… “simples”.

Contrariando um lado mais empolado de discos anteriores, “Ghost Stories” (versões estúdio ou ao vivo) aponta baterias a “Parachutes”, o disco de estreia da banda idealizado sob uma filosofia (maravilhosamente) simplista, e revela um perfil repleto de composições que remetem para sentimentos como a perda, a esperança e o amor - no fundo, ingredientes principais para aquilo que se ousa chamar de existência.

No seu todo, “Ghost Stories Live 2014”, enquanto ideia e produto, assume-se como um lembrete para os predicados mais crus e “à pele” da banda londrina, estando o corpo principal deste trabalho ancorado nas oito canções originais do álbum homónimo, ainda que apresentadas sob diferentes ângulos e espetáculos, com destaque para as performances realizadas em salas como o Royal Albert Hall ou o Beacon Theater.

Para fugir ao epiteto de “mais do mesmo”, os Coldplay apresentam um alinhamento ao vivo sem qualquer recurso a sucessos passados, em que o propósito é mostrar, delicadamente, aquilo que é o seu presente musical.

Na versão DVD, a maioria das canções, com particular ênfase para os singles “Magic” e “A Sky Full of Stars”, são notoriamente bem recebidas por uma assistência que teve o privilégio de assistir pela primeira vez à apresentação ao vivo das composições de “Ghost Stories” por via de um espetáculo preparado nos estúdios Sony, em Los Angeles, cuja (fantástica) realização foi responsabilidade de Paul Dugdale.

No seu todo, esta edição contém, para além do DVD com o referido concerto e oito vídeos inatos à fase “Ghost Stories”, assim como duas peças inéditas com os lados B “All Your Friends” e “Ghost Story” e uma versão Extended Director’s Cut do vídeo “Magic” (com a especial colaboração de Peter Fonda), um CD gravado ao vivo que reúne músicas gravadas em concertos que a banda deu em Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos da América, entre abril e julho de 2014.

Classificação do Palco: 7/10

In Palco Principal

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Silence 4
“SongBook Live 2014 (CD + DVD)”

A música é uma causa nobre

 
O panorama musical português viveu, a partir dos anos 1980, um considerável boom. As novidades chegavam de todos os quadrantes e universos rítmicos. Gradualmente, passou a falar-se do “rock e pop português”, conceitos extremamente abrangentes que reuniam em si, numa primeira vaga, nomes como Rui Veloso, Xutos & Pontapés, GNR, UHF, Táxi, Heróis do Mar, Mler If Dada, Ban, Rádio Macau, Mão Morta e outros. Estavam assim criadas as bases para o crescimento de um movimento musical português sustentado e sustentável, que viria a dar inúmeros frutos nas décadas seguintes, que viram nascer nomes como os Ornato Violeta, The Gift, Clã e Silence 4.

E é da génese do quarteto de Leiria que brotaram algumas das mais excitantes composições pop das últimas décadas. Composto por David Fonseca, Sofia Lisboa, Rui Costa e Tozé Pedrosa, os Silence 4 ganharam algum eco depois de enviarem uma maquete ao jornal "Blitz", atenção essa redobrada depois de vencerem o Festival Termómetro Unplugged. Ainda que as editoras recusassem, por sistema, as gravações do quarteto – muito por culpa da teimosia em cantar em inglês –, a versão de “A Little Respect”, dos Erasure, a propósito da participação na compilação “Sons de Todas as Cores", em 1998, ganharia um considerável airplay em algumas das estações de rádio mais importantes do país.

A partir daí foram criadas, a ferros, condições para a edição de um disco de originais e “Silence Becames It” dizimou as tabelas de vendas em Portugal, conseguindo a incrível proeza de atingir a marca da quíntupla platina. A digressão do disco levou a banda a fazer quase uma centena de concertos em apenas seis meses. O sucesso prolongou-se com “Only Pain is Real”, segundo álbum de originais, editado em 2000, e a crescente popularidade de David Fonseca e seus pares levou-os a esgotar o Coliseu de Lisboa duas noites consecutivas.

Depois disso, o silêncio, efetivamente, apossou-se da banda, que só daria notícias em 2004, aquando da edição de um duplo CD e DVD, que registavam as já referidas noites passadas no espaço sito na Rua das Portas de Santo Antão. Estranhamente, ou não, no pico da euforia que os rodeava, os Silence 4 resolveram interromper a atividade. Paralelamente, David Fonseca crescia a solo...

Mas esse hiato foi recentemente quebrado com a edição de “SongBook Live 2014”, uma edição CD e DVD que regista passagem do quarteto pela Meo Arena e que é sinónimo de mais de duas horas de um concerto que reuniu todos os êxitos da banda e contou com a participação especial de Sérgio Godinho, assim como de Paulo Pereira, como uma espécie de quinto elemento do grupo.

O concerto abre com a versão seminal de “A Little Respect” e, por entre aplausos, silêncios, fortes linhas de baixo e bateria, e muita, muita emoção, perfilam temas como “Old Letters”, “Borrow”, “Sexto Sentido”, “My Friends”, versão megafone, “Only Pain is Real”, “Breeders”, “To Give” ou “Eu Não Sei dizer”. “Angel Song”, uma das mais brilhantes canções escritas em Portugal, em dose dupla, regista um dos momentos mais emotivos da noite e simboliza a força de alguém que sempre acreditou na vida, tal como a versão intimista de “Invincible”, um original dos Muse, interpretado num palco colocado bem no meio da assistência - pois o momento era de partilha.

E foi graças a essa força, à vontade de Sofia Lisboa, que venceu com distinção a luta contra a leucemia, que esta reunião nasceu, sendo que as receitas angariadas nos concertos deste regresso foram diretas para os “cofres” da Liga Portuguesa Contra o Cancro.

Classificação do Palco: 8/10

In Palco Principal

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

“Enciclopédia da Estória Universal
de Mar” de Afonso Cruz

A sabedoria é um peixe que cresce na alma

 
Escrever um livro é uma ação que nos últimos tempos traz inerente uma quase sensação “banal”. Quase todos os dias chegam às livrarias – físicas ou virtuais – novos autores ou editoras. Ainda que Portugal seja um país dado a mestres das escritas, a crescente oferta complicou – no bom sentido, esperemos – a triagem das obras. Romance, ensaio, poesia, ficção, testemunho, divulgação. As abordagens/temáticas sucedem-se. Resta ao leitor fazer a sua (difícil) escolha.

Mas, no seio de efervescente mercado editorial, há nomes e obras consensuais, transversais. Afonso Cruz é um deles. Mescla de escritor, poeta, ilustrador, cineasta, músico, produtor de cerveja e sonhador, o autor de livros como “A Boneca de Kokoschka”, “Jesus Cristo Bebia Cerveja” ou “Para Onde vão os Guarda-chuvas”, Cruz é uma das mais criativas vozes da literatura nacional.

Fazendo como poucos a ponte entre a realidade e o onírico, Afonso Cruz tem construído um universo literário único cuja transversalidade atinge o seu auge na excelente coleção “Enciclopédia da Estória Universal”, um conjunto de obras que (des)constroem a linguagem da simples forma de relatar um acontecimento, de fixar um pensamento, uma parábola, um conto, um aforismo, um sentimento.

E são mesmo sentimentos exacerbados que marcam a densidade criativa sublinhada nas páginas de “Enciclopédia da Estória Universal – Mar” (Alfaguara, 2014), o primeiro tomo da coleção dedicado a uma temática específica e que mantém a magia dos anteriores volumes.

Sempre com o mar no horizonte, Afonso Cruz fala-nos de Hemingway e Mody Dick, palavras que se transformam e transmutam, mães que diminuem, viagens sonhadoras patrocinadas por ingressos vindos de terras distantes que são escondidos em travesseiros, um pescador de bacalhau albino com constelações tatuadas nas costas, alguém que reclama “ser” o primeiro a chegar ao Evereste, naufrágios e náufragos, ilhas desertas, visões bipolares do céu e inferno, diálogos entre reis e mouros que falam da personificação de deus no pão, melodias cruzadas, entre muitas, muitas estórias.

Como notas de alguma diferenciação face aos outros livros desta coleção organizado por Téophile Morel, “Enciclopédia da Estória Universal – Mar” traz-nos três narrativas diferentes cuja amplitude ressalta e sua interligação as tornam em uma espécie de conto sobrenatural feito de coincidências ou acasos do destino.

No seu todo, esta obra, livre de espartilhos ou rótulos literários, faz sentir a maresia em cada página. Afonso Cruz confirma que «a proximidade do mar provoca profundas alterações na alma», ainda que o mesmo possa assumir-se como «um irracional ato divino».

In Rua de Baixo

“A face oculta de Fidel Castro”
de Juan Reinaldo Sánchez (e Axel Glyden)

A incongruência de El Comandante


Quando a revista norte-americana “Forbes” inclui Fidel Castro na lista dos dez mais ricos reis, rainhas e ditadores em 2006, o, à época, líder maior de Cuba, reagiu intempestivamente declarando que auferia de um salário mensal a rondar os 900 pesos cubanos, isto é, pouco mais de trinta euros. Para além disso, gritou aos quatro ventos que vivia na mais humilde frugalidade, à imagem dos seus compatriotas e camaradas de luta.

Cerca de uma década depois, Juan Reinaldo Sánchez, antigo membro da guarda pretoriana de Castro, tarefa que desempenhou ao longo de 17 anos, veio desmentir o líder comunista e ao longo das mais de 240 páginas de “A face oculta de Fidel Castro” (Planeta, 2014) revela os segredos e a intimidade de um homem obcecado pelo luxo e despotismo.

Como guarda-costas de Fidel, Reinaldo Sánchez teve o privilégio de conhecer como poucos o Líder Máximo de um país que ao longo da sua existência se vê amarrado a uma filosofia comunista que impede o seu desenvolvimento social, económico e político.

Contrariando o espírito cubano, imposto pelo próprio Fidel, El Comandante viu a sua fortuna pessoal crescer – muito graças ao erário público -, e ao longo da vida mostrou vincada faceta autocrática e paranoica, revelando-se espião de vastos recursos, um difuso diplomata e cúmplice de traficantes.

Mas Sánchez vai mais longe e não tem medo de esmiuçar a vida capitalista de Fidel, o qual apelida de “senhor feudal” que governava a sua – sem aspas – ilha como se de um feudo se tratasse. Castro reuniu um espólio de duas dezenas de habitações de luxo, vários iates de luxo, entre um sem número de posses que a maioria dos cubanos nem sonhava que existissem. Para além disso, Fildel Castro controlava várias contas bancárias além-fronteiras e empresas associadas assim como uma ilha privada (Cayo Piedra, a sul da Baía dos Porco, que chegou a ser visitada por gente ilustre como o escritor Gabriel Garcia Marques, Ted Turner, o proprietário da CNN ou Barbara Walters, conhecida reportes do canal norte-americano ABC) que conta com um restaurante flutuante e um aquário de golfinhos, propriedade apenas disponível para a família e amigos mais próximos.

Com o precioso auxílio do jornalista francês Axel Glyden, Sánchez, delineou um dos mais pertinentes livros sobre o peculiar mundo associado a Cuba e “A vida oculta de Fidel Castro” foca-se essencialmente no combate à desmistificação da vida “austera” do seu omnipotente e omnipresença líder que, antes de ser abalado pela doença, se refugiava na clandestinidade devido às inúmeras tentativas de assassinato que alegava ter sido vítima ao longo da vida.

Através de uma narrativa escorreita e simples, este livro alicerça-se no conhecimento intimido que Sánchez acumulou ao longo da sua atividade enquanto guarda-costas de Castro e que lhe permitiu ter acesso a bizarras informações como o facto de Fidel se fazia acompanhar de pelo menos uma dezena de guarda-costas, dois deles com o mesmo tipo sanguíneo que o líder cubano pois El Comandante não acreditava nas vulgares transfusões de sangue, se tal fosse necessário. A lunática paranoia de Castro obrigava mesmo que todas as encomendas por si recebidas tinham de ser alvo de uma primeira verificação para despistar germes e efeitos radioativos.

Ainda que tal possa parecer fruto de um qualquer filme ficcionado, “A face oculta de Fidel Castro” disseca sobre a dinastia Castro, a face mais guerrilheira do Líder Cubano, a relação entre Havana, Moscovo, Angola e a ex-RDA assim como alguns casos polémicos como o que teve o General Ochoa, antigo herói da Revolução cubana, como principal protagonista.

Desiludido, Sánchez prometeu a si mesmo contar ao mundo a outra face de Fidel Castro depois de, conta o ex-guarda-costas na página 25: «compreender que Fidel utilizava as pessoas enquanto lhe eram úteis e que depois as desprezava sem o menor remorso». Para se afastar de tal tentou antecipar a reforma em dois anos mas como resposta recebeu uma estada numa prisão repleta de baratas durante anos até que, à décima tentativa, conseguiu fugir.

É o resultado dessa luta pela liberdade de vida e consciência que trata “A face oculta de Fidel Castro”, um livro que vem demonstrar que, muitas vezes, os homens escondem-se por trás de opacas cortinas onde a mentira é o pilar principal da sua edificação.

In Rua de Baixo

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

(Algumas) Escolhas literárias de 2014

“O Guardião das Causas Perdidas” | Jussi Adler-Olsen (Editorial Presença)

Aconselhado a todos os que gostam de um bom romance policial, “O Guardião das Causas Perdidas” vai, de certeza, figurar no mapa das obras favoritas dos fãs da ficção escandinava.

“A Mulher Louca” | Juan José Millás (Planeta Editora)

Sinónimo de um romance inteiro e imperdível, “A Mulher Louca” revela o melhor de Juan José Millás, um escritor que tem o condão de transformar a pura ficção em ficção pura.

“Agatha Christie – Os Crimes do Monograma” | Sophie Hannah (Asa)

“Os Crimes do Monograma”, escrito pela também britânica Sophie Hannah, traz de volta o universo ímpar de Christie e Poirot. Os fãs podem ficar descansados, pois a autora fez um maravilhoso trabalho enquanto herdeira do espólio da Rainha do Crime.

“Montedor” | J. Rentes de Carvalho (Quetzal Editores)

Com uma prosa directa, simples e repleta de uma portugalidade que se vive ainda fora dos grandes meios urbanos, “Montedor” é um livro fabuloso e a sua leitura é obrigatória.

 “Como Sentimos” | Giovanni Frazzetto (Bertrand Editora)

Mais do que saber o que a neurociência pode ou não dizer sobre as nossas emoções, este livro faz-nos entender o cérebro como nunca o tínhamos visto e, acima de tudo, demonstra que a ciência é insuficiente para conseguir explicar a pertinência das emoções, pois o meio ambiente e a experiência pessoal são armas poderosas nesta luta entre razão e sentimentos.

“Biografia Involuntária dos Amantes” | João Tordo (Alfaguara)

Nas páginas deste brilhante romance não se procura a culpa, a acusação. O propósito reside na tentativa de compreensão, de encaixar as desconexas peças de um puzzle que teima em transformar os (simples) atos da vida em matéria de poema, pois para uns o amor pode ser a cura, enquanto outros o assumem como uma aguda forma de enfermidade.

“Um, Dó, Li, Tá” | M. J. Arlidge (Topseller)

Com capítulos curtos, dinâmicos e viciantes, “Um, dó, li, tá” leva o leitor a devorar num ápice as páginas deste thriller psicológico cujos contornos mórbidos arrepiam e entusiasmam pela sua brutalidade.

“Mar” | Afonso Cruz (Alfaguara)

No seu todo, esta obra, livre de espartilhos ou rótulos literários, faz sentir a maresia em cada página. Afonso Cruz confirma que «a proximidade do mar provoca profundas alterações na alma», ainda que o mesmo possa assumir-se como «um irracional ato divino».

“Canadá” | Richard Ford (Porto Editora)

Com “Canadá”, Richard Ford faz uma viagem ao abismo do ser humano, na tentativa de uma redenção examinativa de uma vida que foi arruinada pela irresponsabilidade alheia.

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