sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

“A Casa de Bonecas”
de M.J. Arlidge

A Agonia do Pássaro Azul


Depois de “Um, Dó, Litá” e “À Morte Ninguém Escapa”, o escritor britânico M. J. Arlidge faz-nos chegar mais um tomo da série Helen Grace, a inspetora-detetive do departamento policial de Southampton.

Em “A Casa de Bonecas” (Topseller, 2015), mergulhamos, mais uma vez, numa cidade traumatizada e escura que esconde um terrível e silencioso mistério que tem como principais vítimas mulheres jovens, com famílias disfuncionais, de alguma forma solitárias e cuja aparência destaca uns deslumbrantes olhos azuis e cabelo negro.

O pesadelo começa com um rapto e o destino dessas jovens é uma escura e fria arrecadação, espartanamente arranjada para as receber. Sem ideia do que lhe aconteceu, Ruby Sparckling, uma das vítimas, acorda nessa penumbra, perdida, e sente o início da sua triste e, quem sabe, derradeira estadia.

Entretanto, o cadáver de outra jovem é encontrado numa praia próxima e remota. A família dessa rapariga não apresentou queixa pelo seu desaparecimento pois continuava a sentir a sua “presença” por via da receção de mensagens de texto da jovem, via telemóvel. Alguém, mantinha e forçava a vida da rapariga a uma existência envolta de uma cortina de desespero.

Ainda que envolvida num turbilhão de conflitos pessoais e emocionais, Helen Grace sente que pode estar perante mais um caso que envolve um assassino em série, talvez o mais perigoso predador que Southampton conheceu. Apesar do seu instinto revelar-se certeiro, Ceri Harwood, sua chefe de departamento, teima em não acreditar na detetive e inicia mais uma batalha egoísta e repleta de um estranho ciúme, cujo objetivo é desacreditar a mais eficaz e popular agente policial de Southampton.

Com as poucas pistas que dispõe, Helen atira-se de cabeça num nos casos mais complexos da sua carreira e agarra-se às poucas pistas deixadas em aberto pelo cadáver encontrado na praia. As dúvidas são muitas e o tempo é o principal inimigo.

Arlidge consegue, com distinção, mais um bom policial que reflete não apenas uma caça ao homem como também os crescentes conflitos internos na esquadra de Southampton entre, por exemplo, Grace e Harwood ou Lucas e Sanderson, duas agentes que procuram disputar entre si a atenção dos seus superiores, bem como o dilema de Lloyd que tenta fazer dentro da polícia algo que possa deixar orgulhoso o seu exigente pai.

E já que falamos de personagens, deve referir-se que uma dupla de habituais nomes está com um défice de destaque em relação aos primeiros dois livros da série. Falamos de Charlie, mais ocupada com a maternidade que se aproxima, e Emilia Garanita, a jornalista irascível de origem portuguesa, revela-se mais contida e surpreendentemente cooperante com Grace, ainda que tal seja parte de uma estratégia.

Com um discurso dinâmico, com capítulos cuja extensão não ultrapassa as cinco ou seis páginas, “A Casa de Bonecas” flui com uma velocidade e assertividade cinematográfica, mergulhando o leitor nos meandros dos recantos mais escuros da humanidade, especialmente através dos dramas vividos pelas cativas, presas a um presente e futuro incertos e que tentam salvar-se através de uma crescente raiva que podem levar a tentar entrar na cabeça do seu captor.

O argumento de “A Casa de Bonecas” é sólido e as diversas nuances presentes no livro fundem-se a bem da narrativa principal, o que torna esta obra numa verdadeiro vício e tem como maiores trunfos a capacidade de Arlidge em construir personagens e ambientes, conseguindo mesmo lançar sólidas pistas para mais livros da série com Helen Grace no olho do furacão.

In Rua de Baixo

Bastion
PS Vita

Um (feliz) reencontro com The Kid
A primeira edição de Bastion saiu em 2011. Na altura, a plataforma eleita para acolher o jogo foi a Xbox, através de distribuição digital. Nesse mesmo ano, as aventuras de The Kid, personagem e alma deste jogo, podiam ser vividas via Google Chrome e, no ano seguinte, seria a vez de Bastion estar disponível na Mac App Store e em ambiente Windows. 2015 levou a obra da Supergiant Games até aos universos PS4 e Vita. E é sobre a edição da mais recente consola portátil do gigante japonês que recai a nossa análise.

Urge assim, fazer uma breve contextualização para quem nunca controlou The Kid. O jogo, que navega dentro do estilo RPG, transporta-nos para Caelondia, uma cidade flutuante perdida e fraturada no meio do nada que resultou de um acontecimento catastrófico conhecido por Calamity.

Ao jogar Bastion, o jogador assume o controlo de The Kid, um silencioso protagonista que acorda no caos remanescente de um mundo à deriva que se “materializa” à medida que é percorrido pelas suas passadas.

Como único elo de ligação entre o The Kid e o vazio está um ancião de nome Rucks que é simultaneamente o narrador omnipresente do jogo e cuja voz (excelente interpretação de Logan Cunningham) dá as coordenadas para que o nosso herói encontre o seu caminho e, eventualmente, conheça mais sobreviventes.

A tarefa de The Kid é recolher as Cores, elementos que são a esperança de reconstrução de Caelondia, que permitem criar estruturas sólidas bem como viajar via aérea. Os níveis consistem num plano único, a sua visão é declaradamente isométrica e têm como maior dificuldade a grande quantidade de inimigos que tenta, a todo e qualquer custo, dificultar a vida a The Kid.

Para o ajudar nessa tarefa, tem ao dispor duas armas que estão à distância de uma simples seleção entre as opções disponíveis e que se encontram em locais específicos denominados por “Arsenais” e cuja oferta varia entre “Cael Hammer”, “Breaker’s Bow” ou “Mirror Shield”. Além disso, The Kid tem ainda a capacidade de executar um ataque especial, ainda que de número limitado, mas mais não dizemos…

Com belos gráficos e uma dinâmica muito interessante, Bastion é uma (boa) caixinha de surpresas no ambiente PS Vita. Permite uma boa personalização de armas, pertinentes níveis de dificuldade e uma jogabilidade agradável, à semelhança do que acontecia nas outras plataformas.

Para quem aprecia pormenores, em relação à posse de armas, Bastion é um jogo que permite uma grande versatilidade e, dependendo do nível, a escolha do material bélico é determinante. A par disso, as múltiplas e coloridas poções que encontramos pelo caminho permitem desbloquear outras dificuldades e garantir patamares de habilidade superiores.

Falando do design e elementos contextualizadores, os destaques óbvios vão para a narração (verdadeira, definitiva e com um sentido de humor bestial), ambiente sonoro e arte do cenário. Mesmo a caracterização dos inimigos de The Kid é muito boa. Mais de uma dezena de “maus” que enfrentaremos têm diferentes “vestes”, conferindo ao jogo uma diversidade assinalável.

Em relação aos extras, Bastion oferece outros focos de interesse além da história principal e existem outras tarefas adicionais que estão relacionados com o bom uso, ou mau, das armas, a visita a mundos paralelos, completar plataformas, sobreviver a ataques massivos ou ultrapassar desafios apelidados de “Vigils” e assim conseguir consideráveis quantidades de cristais. Felizmente, é fácil combater a “monotonia” de The Kid e desbloquear níveis de jogo e interesse ainda que a relativa facilidade da ação e desbloqueio de “truques” possa ser um dado a melhorar.

Outras das questões menos boas de Bastion é a relativa confusão dos controlos ainda que a experiência e as (muitas) horas passadas em Caelondia possa fazer esquecer essa questão. A par disso, talvez se devesse dar mais importância à resolução de puzzles do que à simples luta “corpo a corpo”.

Fazendo um balanço geral, Bastion é um jogo recomendável ainda que pelas suas características, o ambiente PS Vita não seja o mais indicado. No entanto, quem descarregar este jogo para a referida consola portátil não vai dar o seu tempo, nem dinheiro (€14,99 via PlayStation Store) por perdidos.

In Rua de Baixo

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Placebo MTV Unplugged

Baralhar e voltar a dar, com classe 

 

Perde-se a conta à quantidade de concertos versão unplugged que terão sido apadrinhados pela MTV. O primeiro obriga-nos a recuar até 1989 e o palco esteve às ordens de um trio composto pelos Squeeze, Syd Straw e Elliot Easton.

Mas, e de um ponto de vista assumida e confessamente egocêntrico, alguns dos melhores momentos registaram-se na década seguinte. Coincidentemente, ou não, foram as prestações de bandas como, por exemplo, Pearl Jam, Nirvana ou Alice in Chains, membros fortes do movimento grunge, que assaltam a memória coletiva.

A desconstrução daquela música mais “agressiva” em algo mais cru revelou-nos uma outra face dos músicos e dos acordes idealizados por si. Com a eletricidade em modo (quase) off, as canções cresciam assim como as suas interpretações.

Os candidatos a esta performance criada pelo canal norte-americano tornaram a mesma numa espécie de ritual de particular excelência e exclusividade. Ter o privilégio de atuar na versão Unplugged significava, para muitas bandas, o reconhecimento definitivo do seu estatuto.

Aliada a esses méritos está também a natureza da própria veia musical de algumas bandas que pela sua raiz está quase que destinada a ser chamada ao placo unplugged. Nesse nicho inclui-se o coletivo de Brain Molko, Stefan Osdal e, mais recentemente, Steve Forrest.

Foi isso que os Placebo resolveram fazer quando se aproxima o vigésimo aniversário do grupo e dessa ideia resultou “Placebo MTV Unplugged”, uma aproximação ainda mais criativa ao reportório declaradamente rock da pandilha de Brain Molko e que surge na retardada ressaca da edição de “Loud Like Love”, sétimo álbum dos Placebo e editado em 2013.

Com cerca de 12 milhões de discos vendidos e com presença habitual nos lugares cimeiros dos topes mundiais, os Placebo lograram fazer o que poucas bandas conseguiram deliciando fãs oriundos de uma fação mais mainstream como do espectro indie.

Com edição CD, DVD e Blu-Ray, “Placebo MTV Unplugged” é uma excelente coleção de 17 canções e momentos que vão ficar na memória dos milhões de fãs do trio britânico, fruto de um espetáculo visual e sonoro pensado ao segundo, acorde e frame, também ele abrilhantado por uma especial dupla de convidados na voz e um conjunto “sinfónico” que torna a música da banda mais épica.

O concerto começa com a balada “Jackie”, um original de Sinéad O’Connor, e com a voz de Brian Molko descaradamente dolente a salpicar o silêncio da sala através de uma clareza cativante que apenas é alvo de desarme por parte do eco assombrado das teclas do piano e dos acordes da sua guitarra.

As intervenções de Molko durante a apresentação, ainda que curtas, conferem outro sal à performance e vagueiam por entre momentos contextuais, episódios de boa disposição ou comentários de agradecimento.

Mas é a música que, obviamente, mais se destaca. “36 Degrees” e “Because I Want You”, esta última numa versão apaixonada, emotiva e arrebatadora, eleva a expectativa de quem ouve, vê e sente este unplugged. A audiência, rendida à partida, envolve-se sobremaneira ao longo do concerto e reflete também ela a emotividade que emana do palco.

“Every You Every Me”, canção-hino dos Placebo, faz com que o microfone seja dividido entre Brain e Majke Voss Romme, cantora dinamarquesa dona de uma voz quente que eleva o lirismo da canção.

A seguir, “Song to Say Goodbye” acelera o ritmo que volta a ser quebrado por dois apontamentos maravilhosamente escuros: “Meds” e “Protect Me From I Want”, este ultimo momento partilhado com Joan as Police Woman.

Sempre assertivos, e arrebatadoramente calmos, os Placebo transvestem mais algumas canções. “Too Many Friends” torna-se numa balada doce e “Post Blue”, depois de uma arrebatada declaração de amor de Molko à sua guitarra inspiradora e maltratada, numa grandíssima canção que cresce com os violinos que a acompanham.

De surpresa em surpresa, de canção em canção, ou por via de momentos de especulativa afinação instrumental, o concerto desenrola-se e arrasta consigo momentos como “Slave to the Edge”, “Without You I’m Nothing” e “Hold On to Me”. Perto do final, os Placebo reservam mais uma excelente surpresa.

“Bosco” tem a sua primeira apresentação ao vivo e é sinónimo de um dos momentos mais bonitos de todo o concerto. Depois, Brain Molko e seus pares fazem a habitual vénia aos Pixies com uma versão emotiva de “Where is My Mind”, prestes a passar essa mesma fronteira pois os Placebo também já tornaram esta canção como algum seu. O derradeiro ato é uma versão de outro clássico e o final está longe da amargura que é apregoada em “The Bitter End”.

Contrariando alguns momentos MTV Unplugged em que as bandas se resumem a tocar guitarras e pianos, os Placebo são mais ambiciosos e elevam os limites da própria experimentação com um elevado sucesso. O resultado é um disco, espetáculo (sonoro e visual), recheado de “novas” canções, emoções e momentos que vão deixam os fãs da banda orgulhosos e saciados.

Classificação do Palco: 8/10

Alinhamento:

01. Jackie
02. For What It’s Worth
03. 36 Degrees
04. Because I Want You
05. Every You Every Me
06. Song To Say Goodbye
07. Meds
08. Protect Me From What I Want
09. Loud Like Love
10. Too Many Friends
11. Post Blue
12. Slave To The Wage
13. Without You I’m Nothing
14. Hold On To Me
15. Bosco
16. Where Is My Mind?
17. The Bitter End

In Palco Principal

“Enciclopédia da Estória Universal – As Reencarnações de Pitágoras”
de Afonso Cruz

O real é o que o Homem quiser

 
Podíamos cair no lugar-comum ao afirmar, categoricamente, que não existem palavras para definir mais um volume da “Enciclopédia da Estória Universal” (Alfaguara, 2015), de Afonso Cruz. Podíamos, mas não o vamos fazer pois “As Reencarnações de Pitágoras” é mais um assombroso pedaço de poesia escrita, e também pintada, que nos leva ao coração da obra do multifacetado autor/artista nascido na Figueira da Foz.

Digno sucessor de volumes como “Recolha de Alexandria”, “Arquivo Dresner” e “Mar”, o mais recente livro desta maravilhosa (adjetivação necessária) coleção leva-nos a percorrer uma aventura que nasceu da investigação e recolha de Téophile Morel, “responsável” máximo por esta ideia em forma de livro, trazendo a palco séculos de sapiência e emocional mestria que transportam o leitor desde a «Mesopotâmia aos dias de hoje».

No epicentro deste livro estão as deambulações poéticas de Pitágoras, célebre matemático e filósofo, sobre a forma das «mais notáveis transmigrações do sábio grego», uma espécie de «caleidoscópio de personalidades» que quando somadas revelam a mais doce das equações, pois a humanidade não é mais que uma intrincada forma de vida que cada ser humano esconde (e revela) dentro de si.

É assim, descarada e delicadamente, que Afonso Cruz apresenta em “Enciclopédia da Estória Universal – As Reencarnações de Pitágoras”, situações dos mais diversos personagens, quotidianos e quadrantes (do reino da fantasia ou realidade) que têm em comum uma genial (a)normalidade de pensamento.

Desde nomes conhecidos da (real) História Universal até a algumas referências nascidas do pensamento cruzado da obra de Cruz noutros títulos, o essencial são as máximas que nascem de pequenas reflexões ou frases, e cujas deliciosas e monocromáticas ilustrações, da responsabilidade de Susa Monteiro, contextualizam toda a sua doce, e por vezes inocente, pertinência.

Entre as letras de um alfabeto (in)finito ficamos a saber, segundo, Dovev Rosenkrantz, que é possível levantar voo e ficar com o corpo colado no chão; que, de acordo com Ioane Dolidze, para crucificar a Humanidade “basta” que os homens caminham na direção uns dos outros de braços abertos na promessa de um abraço; para criar algo próximo da liberdade, Vogel Bonifaz tinha um vaso onde não cresciam flores e gaiolas sem pássaros; dar frutos coloridos é ato consequente para (o mudo) Badini depois de plantar versos em folhas brancos;William Blake comparava grãos de areia com universos; Margarida Flores soltava uma lágrima quando um gafanhoto pousava no seu alpendre em tempos de veraneio; ou o medo para Aldus Huxley era sinónimo de flores pois elas cheiravam bem e a Humanidade não.

in Rua de Baixo

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

“O Que Vemos Quando Lemos”
de Peter Mendelsund

Imagino, leio, logo existo

 
 
Que atire a primeira pedra quem nunca sonhou, imaginou, personagens, locais, e situações retiradas dos grandes clássicos da literatura. Como seria a feição de Ismael de “Moby Dick”? Algo próximo de Richard Basehart? Teria Anna Karenina idêntica beleza que Keira Knightley?

Estes dois exemplos cinematográficos funcionam como o paradigma dessa transposição do papel para o grande ecrã, como uma transferência do reino da imaginação, ainda que induzida, para algo mais real, humano.

São essas as regras em que se move “O Que Vemos Quando Lemos” (Elsinore, 2015) de Peter Mendelsund, um livro que desafia o simples ato de ler, e o leitor, a entrar dentro de um mundo imaginado, não apenas através daquilo que o nosso cérebro interpreta mas também pelas coordenadas que nos chegam pelo discurso do autor.

E quem melhor que Peter Mendelsund, responsável máximo pela agência criativa Knopf’s Associate, e um dos maiores génios criativos e responsável por algumas das mais icónicas capas dos livros lançados pela editora, para nos colocar dentro desse universo que mescla realidade e fantasia, discurso e imagem?

Ao ver o trabalho de Mendelsund transparece um forte sentido de paixão, do amor pela leitura aliado ao seu lado mais artístico, e isso também está bem patente nas páginas de “O Que Vemos Quando Lemos”, uma espécie de ferramenta que ajuda o leitor a capturar o sentimento de quem escreve através de um exercício que mescla filosofia e o “simples” ato de ler, de interpretar o livro e a palavra escrita, e ajuda a explorar a ideia de entender uma obra de formas diferentes e por via de conceitos díspares.

Isso acontece porque todos nós temos, e seguimos, diferentes métodos de análise e cogito e, nesse sentido, “O Que Vemos Quando Lemos” é uma combinação de letras, palavras, frases, ideias, conceitos, e imagens, através dos quais, Mendelsund “ilustra” a sua perspetiva e passa ao leitor (a nós) um outro manancial e potencial que permite assimilar a mensagem da obra e do autor da mesma.

Como “bónus”, temos direito a inúmeras referências a outros livros que, no limite, nos vão obrigar a relê-los ou a folhear as suas páginas pela primeira vez.

Aquilo que Mendelsund fez foi criar um livro que vive por si e (muito) pelos seus pares e vai deixar extasiado quem é amante do ato de ler e que quer completar a sua lista de obras obrigatórias.

In Rua de Baixo

“Contos de cães e maus lobos”
de Valter Hugo Mãe


Alguns livros e, principalmente, alguns escritores, são donos de uma magia própria, de uma espécie de constante surpresa comunicacional. São esses, livros e escritores, que nos agarram, prendem, como se de uma pena perpétua se tratasse da qual não abdicamos, rejeitando qualquer hipótese de amnistia.

A obra de Valter Hugo Mãe está dentro leque restrito, dessa viagem escrita que nos transporta para lugares impensáveis, pouco conhecidos ou explorados, como, por exemplo, o âmago da nossa alma.

É com essa sensação de conquista que nos rendemos a “Contos de cães e maus lobos” (Porto Editora, 2015), um conjunto de 11 contos que simbolizam o enfrentar das dúvidas mais profundas.

Tal como Mia Couto escreve no prefácio: «há nesta antologia de contos o convite ao regresso a um canto de que nunca saímos, um reencantamento da infância, uma cumplicidade de quem partilha vazios e silêncios».

No fundo, é como entrar num quarto recôndito, só nosso, que (re)visitamos quando somos atingidos por algo emocionalmente forte, que nos desequilibra, momentânea ou eternamente, colocando em causa aquilo que entendemos, construindo o nosso refúgio de felicidade.

Escrito tendo em conta – ou não – um público infantil, “Contos de cães e maus lobos” é sinónimo de 11 estórias que navegam entre o inocente e a desconfiança, entre as certezas e as dúvidas, entre passado e presente, entre a verdade e aquilo que a vida, justamente, nos dá ou retira.

As primeiras páginas de cada pedaço destas epifanias em forma de conto são brilhantemente ocupadas por desenhos de 11 artistas. Para embelezar este livro, Valter Hugo Mãe convidou Ana Aragão, Cadão Volpato, Daniela Nunes, David de la Mano, Duarte Vitória, Filipe Rodrigues, Graça Morais, JAS, Joana Vasconcelos com Alice Vasconcelos, José Rodrigues, Luís Silveirinha, Nino Cais e Paulo Damião.

Ainda que afirme «não saber escrever para crianças», o autor de livros como “O Nosso Reino” ou “Desumanização” desperta em nós a candura de outros tempos, enclausurando-nos numa especial bolha que da qual não queremos sair, o tal quarto que referimos.

Exemplo disso é, por exemplo, “O Rosto”, uma reflexão que desafia a noção de realidade face à vida que nos fecha sobre rotinas próprias e que apenas evolui, cresce, quando entramos em contacto com outros e sentimos experiências alheias. Para Valter Hugo Mãe tal sucede pois «não somos nada feitos do mais imediato que se vê à superfície. Somos feitos daquilo que chega à alma e a alma tem um tamanho diferente do corpo».

E nada melhor que traduzir esses sentimentos através do privilegiado meio de comunicação que é o livro. Em “O Rapaz que Habitava nos Livros” retiram-se quaisquer dúvidas nesse sentido: «Todos os livros são conversas que os escritores nos deixam. Podemos assim conversar com Camões, Shakespeare, ou Machado de Assis, mesmo que tenham morrido há tantos anos. A morte não importa muito para os livros».

Estamos, acima de tudo, perante um elogio ao próprio objecto livro, meio que tanto prazer nos dá e cuja dimensão se perde em unidades espácio-temporais. “Bibliotecas”, conto que encerra esta colecção, é perentório: «Todos os livros são infinitos. Começam no texto e estendem-se pela imaginação. Por isso é que os textos são mais do que gigantescos, são absurdos de um tamanho que nem dá para calcular. Mesmo os contos, de pequenos não têm nada. Se os soubermos entender, crescemos também, até nos tornarmos monumentais pessoas. Edifícios humanos de profundo esplendor».

In deusmelivro

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Novidades Porto Editora

Um Semestre com muitos e bons livros 


Mais de 90 livros, distribuídos por sete chancelas. Foram muitas as novidades que a Porto Editora deu recentemente a conhecer no Museu Geológico em Lisboa, e que contou, como habitualmente, com a presença de Manuel Valente, responsável da área de Literatura do grupo e uma das maiores referências no mercado editorial português, assim como de Vasco David (Assírio & Alvim), Cláudia Gomes (Porto Editora), São José Sousa (Livros do Brasil), João Rodrigues (Sextante), Sandra Lopes (Literatura infantil) e Vítor Gonçalves (Coolbooks).

Assim, até junho, vão ser muitos os títulos que a Porto Editora vai colocar no mercado e que vão fazer as delícias dos ávidos leitores portugueses.

Já em janeiro, destacamos “Mundo do Fim do Mundo” (Porto Editora), obra mais recente de Luís Sepúlveda, “País Possível” (Assírio & Alvim), de Ruy Belo, bem como “A Cidade” (Livros do Brasil) de William Faulkner.

Fevereiro será um mês especial para os autores de língua portuguesa com destaque para dois livros: “A Poeira que Cai sobre a Terra e Outras Histórias de Jaime Ramos” (Porto Editora), que traz de volta Francisco José Viegas ao universo do policial, e “A Sala Magenta” (Porto Editora), novo romance de Mário de Carvalho que, desta vez, se centra na paixão, luxúria e erotismo.

Ainda em mês de Carnaval salientam-se mais alguns livros. “O Sexo Inútil” (Sextante) de Ana Zanatti faz uma reflexão entre a homossexualidade, liberdade e tolerância, enquanto “Curiosidades do Vaticano” (Porto Editora), é um livro póstumo de Luís Miguel Rocha. No campo da poesia, “Vem à quinta-feira” (Assírio & Alvim), de Filipa Leal, fala-nos dos problemas e sobressaltos de uma geração.

Março começa com dois livros que os fãs de thriller e policial não vão querer perder. Falamos de “Stalker” (Porto Editora), nova aventura da dupla sueca Lars Kepler, e “Os Deuses da Culpa” de Michael Connley, nome que tem despertado muita atenção sendo já uma referência para gente como Stephen King.

Também Ernest Hemingway vai ser uma das apostas da editora em março com dois títulos: “Por Quem os Sinos Dobram” e “As Torrentes da Primavera seguido de Um Gato à Chuva e Outros Contos”. Ambos os livros são da responsabilidade da Livros do Brasil. Outros nomes em relevo são Sophia de Mello Breyner Andresen e Stefan Zweig. Da escritora portuguesa recuperam-se “Ilhas” e “Musa / O Búzio de Cós e Outros Poemas”, e “Montaigne” é a obra escolhida do autor austríaco. Assírio & Alvim é a chancela responsável em ambos os casos.

Em abril chega um dos livros mais aguardados do semestre. Trata-se de “Francamente, Frank” (Porto Editora), obra de Richard Ford que ainda há um par de anos nos presenteou o muito aclamado pela crítica “Canada”. “Eve e os Caos” (5 sentidos), de Sylvia Day, “Histórias curtas” (Sextante Editora), de Rubem Fonseca, e “Bisonte” (Assírio & Alvim), de Daniel Jonas, prometem também ser boas referências.

“O Cão Que Comia a Chuva” (Porto Editora), de Richard Zimler e Júlio Pomar, é o livro que abre as apostas de maio da Porto Editora. Trata-se da primeira obra do escritor norte-americano escrita diretamente em português, conta com ilustrações de Júlio Pomar e é sinónimo de mais de mil páginas.

Rosa Montero com “O Peso do Coração”, “Geek Girl – Agora sou chique”, de Holly Samle, e “Henderson’s Boys – Batalha Final”, de Robert Muchamore, são outros motivos de interesse com marca Porto Editora.

No que toca a clássicos, maio é também um mês bastante fértil. “A Peste” (Livros do Brasil), de Albert Camus, e “Contos Escolhidos de Fernando Pessoa” (Assírio & Alvim) são algum dos exemplos de que a boa literatura não tem idade, credo ou nacionalidade.

E chegamos a junho, mês de os escaparates receberem exemplares de “A Guitarra Azul” (Porto Editora), de John Banville, “Viagens com o Charley (Livros do Brasil), de John Steinbeck, ou “Estranha forma de Vida” (Assírio & Alvim), de Enrique Villa-Matas.

Quanto à literatura infantil, esperam-se, ainda este mês, boas surpresas com dois títulos de Maria Alberta Menéres: “Ulisses” e “À Beira do Lago dos Encantos”, enquanto março reserva-nos “Oh, não! Adotei um elefante!” do britânico David Williams.

Do catálogo da Coolbocks, regista-se, em fevereiro, a edição de “O último encore”, de Paulo Costa, “O pentagrama de Otz”, de Tomás Borges de Castro em março. Em maio, a atenção recai em “O mistério das pedras encantadas” de Ana Nunes, e “Pontos de não-retorno” de Carlos Soares.

In Rua de Baixo