segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Beach House - “Depression Cherry”

Risco controlado


Nascidos em Baltimore, Estados Unidos da América, os Beach House formaram-se em 2004 e tornaram-se, gradualmente e de forma algo tímida, numa das mais interessantes bandas dos últimos anos. O primeiro e homónimo trabalho lançado pelo duo Victoria Legrand (vocalista e teclista) e Alex Scally (guitarrista) foi lançado em 2006 e, à época, ficou no ar uma sensação de saudável expectativa para o que seguiria. O som dos Beach House, claramente associado ao departamento dream pop, evocava fantasmas, bem vivos e recomendados diga-se, de nomes como Slowdive, Mazzy Star, Galaxie 500 ou, numa perspetiva mais alargada, Spiritualized. Posteriormente, e com uma cadência bienal, os Beach House editaram “Devotion” (2008), “Teen Dream” (2010) e “Bloom” (2012), afirmando-se como um dos coletivos mais coesos da fação alternativa da música da última década.

Ao longo dos anos, os Beach House seguiram um perfil linear, assumindo-se muitas vezes mais como um feeling, um espetro emotivo, do que tendo a preocupação de passar alguma mensagem, muito à semelhança do filosofia apregoada pelo dream pop em si mesmo - a ausência de uma “moral” sonora, um caminho específico, sendo o objetivo uma poderosa afetividade musical, evocativa, onde a beleza reside numa matemática que preenche, de forma sublime, ternurenta, o espaço entre o que se ouve e o(s) seu(s) destinatário(s). O resultado é, invariavelmente, a bem de todos nós, a soma de sons cristalinos, vestidos de uma suave eletrónica e aveludada eletricidade, que são elevados a um patamar quase divino por via da voz etérea de Legrand, talvez o mais dinâmico fio condutor do edifício Beach House. O resultado são camadas de uma intrincada doçura sublinhada por sintetizadores, caixas de ritmos e muito bom gosto, algo, dizemos nós, que não se discute.

Foi essa magia, por vezes disfarçada de fogo fátuo, que valeu à dupla de Baltimore a capacidade de transformar discos como os já referidos “Teen Dream” e “In Bloom”, especialmente este último, em verdadeiras pérolas pop em escalada ao título de obras-primas. E é principalmente por isso que “Depression Cherry”, o quinto disco de originais dos Beach House, pode parecer uma espécie de regressão, de passo atrás. Não que seja um mau disco, longe disso, mas talvez todos nós esperássemos por mais. O cerne da filosofia da banda está presente, o preciso silêncio também, a voz de Legrand continua omnipresente, as cordas de Scally destilam suavidade, mas faltam canções à altura de, por exemplo, “Norway” ou “Lazuli”, e no ar fica mais a sensação de uma evocação, em forma de homenagem, a grupos referência dos anos 1980 e principio dos 1990.

Ainda assim, canções como “Levitation”, que abre o disco de forma brilhante, dão a sensação que se poderia ter ido mais além, ter um projeto mais ambicioso. No entanto, a opção recaiu num disco mais deliberado, seguro, sem grandes pontos de evolução. Sim, a tranquilidade continua, as camadas agridoces também, mas perdeu-se um pouco do efeito surpresa, do tal passo em frente. Sabendo que a música dos Beach House se pauta pela catarse, “Depression Cherry” fica a meio da viagem.

Porém, não faltam momentos de agradável epifania. “Sparks”, a segunda composição do álbum, é um desses quadros. Um ambiente que remete para um universo caro a bandas como os My Bloody Valentine, cuja densidade sonora deixa muitas saudades, ainda que num registo mais cristalino, perto de um paraíso cujas portas se abrem graças a uma doce voz e uma guitarra à busca da absolvição sónica.

O trajeto de “Depression Cherry” tem como cenário uma sensação de redenção, um som que caminha entre o hipnótico e quase “barroco” de “Beyond Love” e a maré claustrofóbica da beleza assombrosa de “PPP”, uma espécie de ode de cariz negro, como um sonho mau que não é necessariamente um pesadelo: "Between the cities, between the thrills, there's something inside you, it doesn't sleep well..."...

Ainda assim, e devagar, o disco vai tomando conta do nosso espírito e facilmente nos perdemos no seu seio, desculpamos alguma “coerência” e embarcamos numa experiência que desafia a lógica. Não estranhem se vos deixarem levar pelo carinho de “10:37” ou “Days of Candy”, canções de embalar que elevam espírito e alma e que “contrastam” com o mais descarado momento pop do disco: “Space Song”.

Porque somos todos, no fundo, devotos do que fazem os Beach House, até lhes perdoamos momentos como “Wildflower” ou “Bluebird”, pois que atire a primeira pedra quem nunca se apaixonou ao ritmo das mais gulosas experiências dos Cocteau Twins, clara inspiração para o duo de Baltimore em alguns momentos de “Depression Cherry”.

Depois de ouvir o mais recente álbum de Legrand e Scally (e repetir a dose, várias vezes) fica a sensação de estarmos perante um bom disco, mas aos Beach House pede-se mais, pois não basta pegar em várias doses de nostalgia (por vezes entre a dolência e a dor) para conseguir um grande disco. E é isso que queremos desta dupla, que faça grandes discos, obras que perdurem no tempo - e isso não acontece com “Depression Cherry”, um álbum condenado a não ser mais que um disco simpático, ainda que empático e agradável ao ouvido - uma espécie de risco controlado.

Alinhamento:
01 – Levitation
02 – Sparks
03 – Space Song
04 – Beyond Love
05 – 10:37
06 – PPP
07- Wildflower
08 – Bluebird
09 – Days of Candy

Classificação do Palco: 6,5 / 10

In Palco Principal

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

“Os Bebés de Auschwitz: Nascidos para Sobreviver”
Wendy Holden


Priska, Rachel, Anka. Três nomes anónimos, três mulheres judias, três vítimas do Holocausto que foram enviadas para o inferno em forma de campo de concentração. Auschwitz II-Birkenau foi o destino de milhares de pessoas, inocentes, cujo “crime” era ser diferente da “elite” ariana.

A Solução Final, negada imbecilmente por alguns, foi uma das decisão políticas mais negras da história, e o extermínio de milhões de vidas eleva ao estatuto de heróis os que ousaram sobreviver aos desígnios das forças nazis.

Entre esses nomes estão Priska Lowenbeinová, eslovaca, Rachel Abramczyk, polaca, e Anka Nathanová, checa, três mulheres que carregavam consigo um segredo maior que as próprias vidas: estavam grávidas. Sozinhas, assustadas, viúvas e que perderam a família em condições inimagináveis, deram à luz três bebés.

Cada um pesava menos de 1,5 quilos. Ana, Mark e Eva são os nomes desses verdadeiros milagres em forma de pequenos seres, que hoje são um dos maiores testemunhos da coragem de pessoas que viram ser-lhes retirada a humanidade.

São essas histórias que a jornalista britânica Wendy Holden conta em “Os Bebés de Auschwitz” (Vogais, 2015), um documento precioso que revela ainda mais pormenores do horror do Holocausto. Ao longo de mais de 400 páginas, Holden dá voz a Priska, Rachel e Ana, bem como a todos os que sentiram na pele a crueldade obscena da insanidade nazi.

Cru, violento e sem filtros, “Os Bebés de Auschwitz” segue a incrível história dessas três mulheres: primeiro nos guetos, formados pela política do terceiro reich; depois, como prisioneiras no referido campo de concentração; num campo de trabalho alemão onde, desesperadas e esfomeadas, lutaram por esconder a gravidez; e, por último, na pele (e osso) de passageiras de uma desumana viagem de comboio que durou 17 dias e que, felizmente, terminou com a liberdade proporcionada pela chegada dos Aliados.

Através de uma solenidade narrativa assinalável, Wendy Holden ouviu protagonistas, relatos e testemunhos, construindo um dos mais pertinentes exercícios reflexivos sobre a desumanidade nascida da guerra.
 
Comovente e um elogio à capacidade de resistência e de amar o próximo, “Os Bebés de Auschwitz” leva o leitor a sentir o terror da presença do infame Dr. Josef Mengele, apelidado de Anjo da Morte, as incertezas de uma humilhante seleção cujo veredicto decretava a escravidão ou a morte nas câmaras de gás, a força e coragem de responder «não» a uma pergunta: «Bom dia bela senhora, está grávida?»

Mais do que tudo, a herança deixada por Priska, Rachel e Anka supera fronteiras morais, religiosas ou nacionais, e os seus filhos são um fruto heróico de quem fez da esperança a mais forte das “armas”, pois todos nós, sem excepção, devemos para sempre recordar que o Holocausto existiu e este livro, de forma diferente de muitos outros que exploram o tema, deixa o seu testemunho através de um extraordinário trabalho de pesquisa.

In deusmelivro

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

“A Liberdade do Drible”
de Dinis Machado

O ópio do povo


Sou do tempo (frase saudosista que nunca deveria começar um texto) de ouvir os mais velhos falar que viram a equipa do Eusébio e do Coluna, e os Cinco Violinos, e ficar cheio de inveja da paixão com que recordavam esses momentos, alguns deles repletos de uma rivalidade saudável, com muita brincadeira à mistura que terminava, sem qualquer lampejo de falsidade, com um caloroso abraço.

Já consciente do meu fanatismo pelo futebol, com alguns ídolos, poucos, alguns deles com pés, ou melhor, joelhos de “barro”, acompanhei, envaidecido, amigos mais velhos à bola e, na noite anterior, os sonhos eram um misto de verde e encarnado, sendo o verde a cor da relva que ansiava ver, lá em baixo, sob a arte dos pés de alguns dos meus heróis.

Os domingos à tarde e, com sorte, as quartas à noite, eram as melhores horas da minha vida. Vitórias, muitas, e empates e derrotas, muito poucas por sinal, traçaram a minha infância, a minha vida, até hoje.

Mas não era só o calor do jogo que me encanta(va) no futebol, era todo o seu universo. Não perdia um texto do Aurélio Márcio, ria e sorria com os comentários do Gabriel Alves na televisão, no tempo em que haviam só dois canais, seguia com interesse a sobriedade do Rui Tovar, ouvia as histórias do Mário Zambujal com especial atenção.

Ávido por saber tudo que podia sobre o mundo da bola, ouvi também falar de um tal de Dinis Machado, jornalista que passou pelo Record, o Norte Desportivo, A Bola, Tal E Qual e Diário de Lisboa, deixando uma marca pela forma como escrevia e vivia o futebol.

E é essa paixão que está patente em “A Liberdade do Drible” (Quetzal, 2015), um livro de crónicas sobre futebol mas também o espelho de como um “simples” desporto pode ser muito mais que isso.

Ao longo de 24 crónicas, publicadas entre 1976 e 1996, Machado retalha a infância e a maioridade através de um suculento jogo de memória(s) que, em ambiente de amena cavaqueira, recordam pessoas, jogos, sentimentos que reforçam o estatuto do futebol a uma espécie de vício popular, e também burguês.

Nas páginas deste livro fala-se de uma «arte espontânea», de um «efémero bailado» que no fundo não é mais que um jogo «impreciso e inesperado, cheio de mortalidade». Assim, nasceram relatos de amigos e idas ao futebol, conversas com camaradas que já não estão neste mundo, pensamentos sobre as regras do jogo, a utopia do golo, a solidão do guarda-redes, as aldrabices cujo prémio não era uma taça mas sim uma imperial gelada, as picardias em forma de goleada, treinadores em busca da tática perfeita, cromos, figurados ou não, e até a Sétima Arte.

Recomendado a todos os que gostam de futebol, ou da vida em si mesma, “A Liberdade do Drible” é um livro curto mas entusiasmante à semelhança de um bom jogo de futebol, uma arte apreciada, como diria o madrileno Javier Marias, por «selvagens e sentimentais», gente que respira futebol, que aplaude heróis e vaia vilões, e eleva ao expoente da encenação a nobre e épica arte de marcar um golo decisivo ou defender um penálti no último minuto.

In Rua de Baixo

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

“Segredos Obscuros”
de Michael Hjorth e Hans Rosenfeldt

O homem que não era assassino


Sebastian Bergman é um psicólogo que trabalhava como profiler para a Riksmord, uma divisão especial de investigação criminal da polícia sueca. Especialista em encontrar o rasto de serial killers, Bergman acabaria por ter sido apanhado no seio da mais cruel das tragédias familiares. Mulher e filha foram mortas por um terrível tsunami que abalou a ilha no Oceano Índico em que a família passava umas férias de natal.

Perdido e só no mundo, Sebastian fez-se refém do desespero e encontrou no álcool e no vício do sexo uma espécie de catarse eternamente adiada. O contacto ténue de Bergman com o mundo exterior era apenas feito através das conversas com o seu terapeuta.

Foi novamente a perda de um familiar – a sua mãe -, que levou Sebastian a sair do seu casulo, da sua zona de (des)conforto, e vê-se de novo em Västerås, a cidade que o viu crescer. Agastado por uma péssima relação familiar com os seus pais, Bergman decide libertar-se de todos os bens relacionados com a herança que agora, involuntariamente, lhe chegou às mãos.

O objetivo é partir para longe e esquecer Västerås. Mas, enquanto tenta livrar-se da casa paterna, descobre um segredo com mais de trinta anos que pode mudar completamente a sua vida.

A única forma de conseguir mais informações sobre o que descobriu é aliar-se aos camaradas da Riksmord que no momento investiga um estranho caso de o desaparecimento de Roger Eriksson, um rapaz de 16 anos. Felizmente para Sebastian, quem esta no comando das operações é Torkel, um ex-camarada de “armas”, que aceita de novos os préstimos do profiler de temperamento irascível a bem de toda a investigação. A restante equipa não vê com bons olhos esta colaboração mas não lhes resta outra opção senão cooperar.

Mais que ajudar na investigação, Sebastian quer desvendar o segredo que o afligiu recentemente mas, aos poucos, a investigação sobre Eriksson ganha contornos interessantes para a sua sagacidade profissional. Afinal, Roger foi assassinado e um grupo de escuteiros envolvido na sua busca descobre o corpo do jovem no meio de um pântano. A morbidez da descoberta revela um corpo profanado, sem coração.

É assim que começa a trama de “Segredos Obscuros” (Suma de Letras, 2015), um romance policial escrito a quatro mãos pela dupla sueca Michael Hjorth e Hans Rosenfeldt, nomes ligados ao guionismo de séries televisivas, das quais se destaca a premiada saga policial “Bron”, difundida em mais de 170 países e foi alvo de remakes nos Estados Unidos da América e em França e que nasceu da criatividade de Rosenfeldt.

Já alvo de adaptação televisiva na Suécia, “Segredos Obscuros” tem todos os predicados para agradar os fãs dos bons policiais nórdicos. Sebastian, por exemplo, não sendo um personagem fácil, tem um perfil atormentado pelo passado e, à medida que a narrativa se desenvolve, se envolve na história e leva o leitor a perceber a sua cabeça, o seu comportamento, a sua marginalidade intelectual.

Com uma estrutura sólida, este livro apaixona o leitor sem grandes demoras. Ainda que o seu início seja um pouco confuso pelo número de personagens que apresenta, o dinamismo da narrativa encaixa perfeitamente cada nome, cada tormento, dúvida ou certeza, no contexto certo.

A solidão é um lugar-comum à esmagadora maioria dos personagens, principalmente nos casos da equipa da Riksmord onde Torkel, Vanja, Billy e Ursula são como que elos indissociáveis para que o todo funcione. A par desses nomes está a dupla da polícia local composta pelo “casal” Hanser e Haraldsson, chefe e súbdito que procuram afirmação e brio naquilo que fazem. Pelo meio, surgem personagens laterais, secundários, que elevam a grandiosidade dos restantes, conferindo-lhes corpo, coerência, presença e afinco.

São todas estas peças soltas que conferem unidade a um puzzle bem pensado e escrito. A trama flui de forma dinâmica e muito vezes “às custas” de lutas pessoais, interiores dos muitos protagonistas que procuram, em alguns casos mais que outros, um apoio, um abraço, um amigo.

As últimas páginas revelam-se particularmente interessantes e a descoberta do pouco provável assassino bem como algo que vai mudar para sempre a vida de Sebastian fazem com que o fim do livro seja um “martírio” para o leitor que desespera por mais um capítulo desta excelente série.

In Rua de Baixo

“O Luto de Elias Gro”
de João Tordo

Uma ilha é um excesso de terra com nome


Um amor que chega ao fim. A solidão, escura, envolta de um aparente silêncio que ecoa dentro da alma. A fuga desesperada aos sentimentos, o veto ao apelo do coração. O desistir.

Todos já sentimos a perda de alguém querido, de uma paixão, do sentido da vida. A luz desaparece, o chão abre e somos sugados para um lugar distante que desconhecemos até então. Fica a saudade da “normalidade”. É esse vazio que trata “O Luto de Elias Gro” (Companhia das Letras, 2015), o mais recente livro de João Tordo e uma das mais profundas reflexões sobre a tragédia pessoal do homem comum.

No epicentro da narrativa está esse homem. Uma figura sem nome, que na primeira pessoa relata, aos poucos e de forma tímida, um passado recente que o levou até a uma pequena ilha atlântica povoada por personagens atípicos, como pequenas peças ritualizadas de um puzzle que, de uma forma ou de outra, se encaixam na atribulada e atrofiada existência do “eu” que se assume como o núcleo deste livro.

E a todas essas pessoas se associam ideias como a perda, o luto, a tragédia e a solidão. Sem pretender qualquer tipo de redenção, esta gente isolou-se do mundo e pactua com o sofrimento como se outro destino não existisse. Falamos de Elias Gro, um pregador sonhador; Cecilia, filha de Elias, uma menina de onze anos mestre em anatomia e principalmente nos segredos do esqueleto humano; Alma, a bondade em forma de pessoa; Nórbert, um velho louco que habitualmente vagueia pela noite; Bernard, um cego de vistas largas; Erland, um rapaz-metófora do desajustamento clínico e social; A., uma paixão perdida; e um fantasma de um escritor cuja casa foi devorada pelo mar.

Todos eles, sem exceção, giram à volta do farol abandonado, refúgio escolhido pelo narrador ciclista um «homem que transporta o inferno», que assim, no isolamento, tenta derrotar fantasmas que tendem a crescer face aos inesperados caprichos da natureza humana.

A sanidade é uma definição perdida ao longo das páginas deste arrebatador romance que tende a dilacerar os seus convivas. A catarse, fugaz, surge através da ideia de literatura (entre um real Jorge Luis Borges e um onírico e fictício Lars Drosler, escritor dinamarquês que habitava a extinta Casa das Águas, espaço fetichista da ilha), da música, do boxe, do whisky e, principalmente, da personagem de Cecilia, um misto de inocência e agressividade e a luz maior de “O Luto de Elias Gro”, uma reflexão literária densa, cinzenta, sobre pessoas «feitas de porcelana», que «lascam com facilidade».

Depois do anterior e mais agitado “Biografia Involuntária dos Amantes”, João Tordo volta à escrita intimista, que carrega consigo um forte legado emocional que se serve do silêncio e do desespero para trazer à nota aquilo que de melhor se faz no que toca à contemporânea arte de escrever livros em Portugal.

Mais do que sarar feridas, “O Luto de Elias Gro”, é um romance feito de falsas e dolorosas cicatrizes que tendem a abrir sazonalmente e que mostram a fragilidade crua da vivência onde o passado é uma pedra demasiado pesada para se carregar sem deixar um rasto.

In Rua de Baixo