segunda-feira, 14 de setembro de 2015

“A Liberdade do Drible”
de Dinis Machado

O ópio do povo


Sou do tempo (frase saudosista que nunca deveria começar um texto) de ouvir os mais velhos falar que viram a equipa do Eusébio e do Coluna, e os Cinco Violinos, e ficar cheio de inveja da paixão com que recordavam esses momentos, alguns deles repletos de uma rivalidade saudável, com muita brincadeira à mistura que terminava, sem qualquer lampejo de falsidade, com um caloroso abraço.

Já consciente do meu fanatismo pelo futebol, com alguns ídolos, poucos, alguns deles com pés, ou melhor, joelhos de “barro”, acompanhei, envaidecido, amigos mais velhos à bola e, na noite anterior, os sonhos eram um misto de verde e encarnado, sendo o verde a cor da relva que ansiava ver, lá em baixo, sob a arte dos pés de alguns dos meus heróis.

Os domingos à tarde e, com sorte, as quartas à noite, eram as melhores horas da minha vida. Vitórias, muitas, e empates e derrotas, muito poucas por sinal, traçaram a minha infância, a minha vida, até hoje.

Mas não era só o calor do jogo que me encanta(va) no futebol, era todo o seu universo. Não perdia um texto do Aurélio Márcio, ria e sorria com os comentários do Gabriel Alves na televisão, no tempo em que haviam só dois canais, seguia com interesse a sobriedade do Rui Tovar, ouvia as histórias do Mário Zambujal com especial atenção.

Ávido por saber tudo que podia sobre o mundo da bola, ouvi também falar de um tal de Dinis Machado, jornalista que passou pelo Record, o Norte Desportivo, A Bola, Tal E Qual e Diário de Lisboa, deixando uma marca pela forma como escrevia e vivia o futebol.

E é essa paixão que está patente em “A Liberdade do Drible” (Quetzal, 2015), um livro de crónicas sobre futebol mas também o espelho de como um “simples” desporto pode ser muito mais que isso.

Ao longo de 24 crónicas, publicadas entre 1976 e 1996, Machado retalha a infância e a maioridade através de um suculento jogo de memória(s) que, em ambiente de amena cavaqueira, recordam pessoas, jogos, sentimentos que reforçam o estatuto do futebol a uma espécie de vício popular, e também burguês.

Nas páginas deste livro fala-se de uma «arte espontânea», de um «efémero bailado» que no fundo não é mais que um jogo «impreciso e inesperado, cheio de mortalidade». Assim, nasceram relatos de amigos e idas ao futebol, conversas com camaradas que já não estão neste mundo, pensamentos sobre as regras do jogo, a utopia do golo, a solidão do guarda-redes, as aldrabices cujo prémio não era uma taça mas sim uma imperial gelada, as picardias em forma de goleada, treinadores em busca da tática perfeita, cromos, figurados ou não, e até a Sétima Arte.

Recomendado a todos os que gostam de futebol, ou da vida em si mesma, “A Liberdade do Drible” é um livro curto mas entusiasmante à semelhança de um bom jogo de futebol, uma arte apreciada, como diria o madrileno Javier Marias, por «selvagens e sentimentais», gente que respira futebol, que aplaude heróis e vaia vilões, e eleva ao expoente da encenação a nobre e épica arte de marcar um golo decisivo ou defender um penálti no último minuto.

In Rua de Baixo

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