quinta-feira, 27 de agosto de 2015

“Capital Fuck – Os Contratos do Comerciante, uma Comédia Bancocrática”
de Elfriede Jelinek

(A)Deus dinheiro


Capitalismo, produção, procura, oferta, preço, investimento, lucro, dinheiro. Um jogo real cujas regras, hoje fundadas nas bolsas e nos investidores de origens diversas, ajudam a definir um mundo global talhado à medida e mercê da economia que tece, no limite, regras adulteras, dessincronizadas.

E é esse desfasamento, essa distorção, que dá corpo a “Os Contratos do Comerciante, uma Comédia Bancocrática” (Verso da História, 2015), um obra que joga com a especulação da banca fazendo o elogio da lei do mais forte no universo dos investidores e dos escândalos associados.

Disso serve-se a austríaca Elfriede Jelinek, Prémio Nobel da Literatura em 2004, que mescla ensaio, análise e acusação com os mandamentos reflexivos dos sistemas bancário, imobiliário e de crédito que transformam todos os elementos que participam nesse ciclo na antítese da inocência, pois ao entrar no jogo aceitasse as regras implícitas ao mesmo.

Adaptado ao palco em 2012, por via do trabalho de a Associação cultural portuense Ponto Teatro, este polémico relato, inspirado no caos financeiro que assolou recentemente a Áustria, assume-se como um aviso, uma alerta catastrófico que via o capitalismo enquanto regime falido e falível, imaginado e sustentado por homens que também o são.

Nas páginas deste livro funde-se ódio, desprezo e lamentos. Tudo por via da acusação emergente de uma narrativa, que sem o ser, tem um perfil discursivo à beira do caos corporativo. Porquê, pergunta Jelinek, tentar negociar dívidas sem fim? Para quê continuar a insistir num sistema corrupto, ensombrado pela ganância humana? Para quê dar mais valor a papéis e ideais conspurcadas pela violação moral e inóspita de um barco sem rumo?

Ainda com os ecos gregos (e portugueses) presentes da memória, créditos, poupanças e promessas de lucros são os maiores alvos das críticas de Elfriede Jelinek que consegue a difícil tarefa de tornar interessante a mordaz crítica económica por via de um assertivo humor negro e melodramático.

A banca colapsou, o dinheiro acabou, a economia é uma miragem, o futuro uma incerteza. O que fazer?

In Rua de Baixo