terça-feira, 20 de setembro de 2016

“A Viúva”
de Fiona Barton

Segredos e mentiras


Com décadas de experiencia enquanto jornalista no Daily Mail, Daily Telegraph e The Mail on Sunday, a britânica Fiona Barton acompanhou inúmeros casos de polícia e entre eles aqueles que mais a fascinavam, pela sua complexidade e sentimento de descontrolo humano, estavam os crimes de sangue.

Hoje, afastada do jornalismo ativo, e a viver em França desde 2009, dá formação a jornalistas africanos e asiáticos, via internet, e tem na literatura a sua nova grande paixão.

O primeiro fruto desse amor chama-se “A Viúva” (Planeta, 2016), um thriller psicológico que traz a palco uma visão multidimensional de um crime horrível que coloca no papel de narradores a viúva (Jean Taylor), a jornalista (Kate Waters), a mãe (Dawn Elliot) e o detetive (Bob Sparkles).

A narrativa, repleta de flashbacks e assertivas contextualizações, mergulha o leitor no desaparecimento de Bella, uma menina que foi vista pela última vez em casa de sua mãe e cujo paradeiro é incerto.

Apontado como principal suspeito, e culpado, está Glen Taylor, o bom marido da submissa cabeleireira Jean. Os jornais chamam-lhe um monstro capaz do mais hediondo dos crimes mas as provas tardam em chegar pois os anos passam e Bella continua desaparecida e o acusado mantém provas da sua inocência.

Mas, entretanto, Glen morre, vítima de acidente. Jean continua agarrada à inocência do seu príncipe encantado mas Kate e Bob não desistem. Mais que uma corrida pela verdade, luta-se pela própria sanidade, pela elevação da verdade e por um caso que pode abalar a vida de todos os seus intervenientes.
Com uma dinâmica que agarra o leitor logo desde as primeiras páginas, “A Viúva” relata-nos todos os lados de uma investigação que espalha sofrimento e dúvida, assim como o crescimento dos protagonistas enquanto peças fundamentais de toda a história.

Através de uma narrativa acessível e muito bem estruturada, Barton revela o lado escondido de um casamento entre um manipulador e uma mulher que se deixa esmagar pela presença do marido, explorando a papel da mulher dentro das próprias relações, mostra a obsessão de um polícia que vê a verdade escapar-lhe a cada movimento e expõe uma jornalista que quer uma história que venda, a qualquer preço.
As pistas surgem a cada capítulo e as dúvidas quanto ao que terá acontecido fazem com que o leitor mantenha um constante estado de alerta e não tome nada como garantido.

Num jogo circular entre a perfidez do poder que cresce dentro das relações humanas, o envenenado anonimato da Internet e as táticas jornalistas para conseguir a tão desejada “cacha”, a obra de estreia de Fiona Barton tem tudo para se tornar num dos maiores êxitos deste ano no que aos thrillers diz respeito.

In Rua de Baixo

“O Domador de Leões”
de Camilla Lackberg

Raparigas desaparecidas


Foi em tempos apelidada de “Agatha Christie que vem do frio” e, ao longo dos anos, e dos livros publicados, a sueca Camilla Lackberg tem-se afirmado como um dos nomes mais fortes do universo dos policiais/thrillers nórdicos (e não só) não descurando tal título e responsabilidade.

Longe vão os tempos da (boa) surpresa que foi “A Princesa de Gelo”, obra de estreia da escritora, quando Erica Falk e Patrick Patrik Hedström não passavam de uma dupla unida pelas circunstâncias da investigação da morte de Alex, amiga de Erica, e hoje os romances escritos por Lackberg são uma espécie de muito aguardado tomo com edição no verão.

“O Domador de Leões” (D. Quixote, 2016), nono “episódio” da série e que têm como protagonistas o agora casal Erica/Patrick, não foge à regra e assume-se como um dos mais arrepiantes, negros e trágicos livros da autora nascida na entretanto “célebre” pequena cidade de Fjällbacka, urbe natal de Camilla Lackberg e palco habitual dos seus romances.

Tudo começa num gélido janeiro em, claro está, Fjällbacka. Uma adolescente, de vestes rasgadas, sai do coração de um bosque a cambalear e visivelmente maltratada. Apanhado de surpresa, um condutor que circula na entrada circundante não consegue evitar o embate e atropela a jovem.

Quando a polícia local toma conta da ocorrência já se conhecia a identidade da vítima. Tratava-se de Victoria Hallberg, desaparecida há cerca de quatro meses. A última vez que tinha sido vista regressava a casa depois de uma aula de equitação.

Ainda que trágico, o acidente revelou-se como uma espécie de libertação para Victoria pois o estado em que o seu corpo se encontrava indiciava que a adolescente tinha vivido uma experiência macabra que levava a crer que o mal não tem limites. Esta revelação deixa Fjällbacka em choque e a comunidade sente que a triste sina de Victoria não foi um caso isolado.

Enquanto Patrick e restante equipa se ocupam do assustador caso da rapariga desaparecida, Erika investiga o tortuoso passado de uma família ligado ao mundo do circo para escrever mais um livro. Para isso, Erica tem por hábito visitar Laila, uma mulher que foi acusada de matar o marido e que está encerrada num estabelecimento prisional psiquiátrico. Apesar da constante pesquisa e insistência, Erica não consegue arrancar a história de Laila que guarda dentro de si, no sítio mais recôndito e negro da sua alma, o paradeiro dos seus dois filhos.

Com uma dinâmica narrativa que joga em dois planos temporais distintos (o presente e laivos das décadas de 1960, 1970 e 1980 que vão conferindo unidade estrutural a toda a estória), “O Domador de Leões” é, à semelhança de outros livros da autora e série, um veículo em que o leitor é convidado a entrar num enredo de características “familiares” tal é o grau de conhecimento que Camilla Lackberg nos tem passado de personagens como, por exemplo, Annika, irmã de Erica, cuja relação com Dan é neste livro alvo de muita instabilidade, Martin, camarada de Patrick e ainda a tentar ultrapassar a morte da sua mulher Pia, Gosta, polícia veterano que revela um pouco mais da sua personalidade, ou Berti Mellberg, o sui generis chefe de Patrick cuja “chica-espertice” eleva os momentos de humor deste romance.

O enredo, bem intrincado, vai-se revelando contagiante e ainda que sem o ritmo de outros livros de Lackberg, somos, paulatinamente, convidados a mergulhar no mar revolto da vida do inválido e amargo Einar, pai de Jonas, o veterinário local, assim como de Marta, sua esposa e monitora da escola de equitação. Noutro plano estão a já referida Laila e o seu falecido marido Vladek, ex-estrela circense.

Com momentos verdadeiramente claustrofóbicos, onde a maldade é uma fronteira pronta a ser ultrapassada pelo mais insuspeito dos seres, “O Domador de Leões” é um tour de force cujo final de cada capítulo deixa uma pista que logo nas linhas do capítulo seguinte é colocada em causa. Com isso ganha o suspense, a emotividade, a dúvida e o leitor, pois se é fã de policiais não ver querer perder o mais recente livro de Camilla Lackberg.

In Rua de Baixo