domingo, 14 de fevereiro de 2016

“Enciclopédia da Estória Universal – As Reencarnações de Pitágoras”
de Afonso Cruz

O real é o que o Homem quiser

 
Podíamos cair no lugar-comum ao afirmar, categoricamente, que não existem palavras para definir mais um volume da “Enciclopédia da Estória Universal” (Alfaguara, 2015), de Afonso Cruz. Podíamos, mas não o vamos fazer pois “As Reencarnações de Pitágoras” é mais um assombroso pedaço de poesia escrita, e também pintada, que nos leva ao coração da obra do multifacetado autor/artista nascido na Figueira da Foz.

Digno sucessor de volumes como “Recolha de Alexandria”, “Arquivo Dresner” e “Mar”, o mais recente livro desta maravilhosa (adjetivação necessária) coleção leva-nos a percorrer uma aventura que nasceu da investigação e recolha de Téophile Morel, “responsável” máximo por esta ideia em forma de livro, trazendo a palco séculos de sapiência e emocional mestria que transportam o leitor desde a «Mesopotâmia aos dias de hoje».

No epicentro deste livro estão as deambulações poéticas de Pitágoras, célebre matemático e filósofo, sobre a forma das «mais notáveis transmigrações do sábio grego», uma espécie de «caleidoscópio de personalidades» que quando somadas revelam a mais doce das equações, pois a humanidade não é mais que uma intrincada forma de vida que cada ser humano esconde (e revela) dentro de si.

É assim, descarada e delicadamente, que Afonso Cruz apresenta em “Enciclopédia da Estória Universal – As Reencarnações de Pitágoras”, situações dos mais diversos personagens, quotidianos e quadrantes (do reino da fantasia ou realidade) que têm em comum uma genial (a)normalidade de pensamento.

Desde nomes conhecidos da (real) História Universal até a algumas referências nascidas do pensamento cruzado da obra de Cruz noutros títulos, o essencial são as máximas que nascem de pequenas reflexões ou frases, e cujas deliciosas e monocromáticas ilustrações, da responsabilidade de Susa Monteiro, contextualizam toda a sua doce, e por vezes inocente, pertinência.

Entre as letras de um alfabeto (in)finito ficamos a saber, segundo, Dovev Rosenkrantz, que é possível levantar voo e ficar com o corpo colado no chão; que, de acordo com Ioane Dolidze, para crucificar a Humanidade “basta” que os homens caminham na direção uns dos outros de braços abertos na promessa de um abraço; para criar algo próximo da liberdade, Vogel Bonifaz tinha um vaso onde não cresciam flores e gaiolas sem pássaros; dar frutos coloridos é ato consequente para (o mudo) Badini depois de plantar versos em folhas brancos;William Blake comparava grãos de areia com universos; Margarida Flores soltava uma lágrima quando um gafanhoto pousava no seu alpendre em tempos de veraneio; ou o medo para Aldus Huxley era sinónimo de flores pois elas cheiravam bem e a Humanidade não.

in Rua de Baixo

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