sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Pink Floyd
”The Endless River”

Música intemporal


A cultura, principalmente no século XX, serviu de importante alicerce para a sociedade. Do choque, descontinuidade e de uma certa marginalidade surgiram nomes incontornáveis nas várias vertentes. Da pintura ao cinema, passando pela música, a ordem era surpreender, cativar e criar novos universos.

Com base nesse espírito, em 1965, Syd Barrett, Nick Mason, Roger Waters e Richard Wright, quatro estudantes londrinos, fundaram uma das maiores instituições musicais jamais criadas. Misturando ambientes como o rock de tendências arty, progressivas e psicadélicas com laivos de um elegante sentido de blues, os Pink Floyd surpreenderam o mundo com discos como os seminais “The Piper at the Gates of Down”, “Ummagumma”, “The Dark Side of the Moon” e “The Wall”, ou puros devaneios líricos como, por exemplo, “Live at Pompeii”, um esdrúxulo filme que transcende a noção de uma certa fronteira entre a performance e a música, a solidão e a partilha, a mestria e um sentimento intimista.

Ao longo de quase cinco décadas, os Pink Floyd, moldaram mentes e transportaram a música para outra dimensão, conseguindo, como poucos, aliar argumentos artísticos com um sustentado sucesso comercial, e ultrapassando, com maior ou menor dificuldade, graves crises internas de liderança ou de orientação criativa, ou mesmo originadas pela morte de elementos da banda. É certo que existiram hiatos, pausas e momentos de alguma inatividade, mas com a morte de Rick Wrigth, em 2008, todos pensámos que seria, de facto, o fim do conceito Pink Floyd. Essa certeza cresceu mais com a reedição de alguns discos da banda entre 2011 e 2012. No ar sentia-se, naturalmente, o fim tantas vezes anunciado.

Mas “The Endless River” veio demonstrar que ainda existe a crença de continuar, nem que tal se assuma na forma de um derradeiro suspiro que homenageia Wright e todos os nomes associados aos Pink Floyd.

A ideia de “The Endless River” não é recente. Este disco, ou o seu eventual esboço, começou a ganhar forma em 1993, depois de Gilmour, Mason e Wright trabalharem em “The Division Bell”. O trio efetuou inúmeras jams e o material, timidamente, foi surgindo, algo que não acontecia verdadeiramente desde os anos 70. As gravações ficaram na gaveta, até que, em 2012, Gilmour as mostrou ao engenheiro Andy Jackson e aos produtores Phil Manzanera e Martin Glover. A partir daí, o projeto evoluiu e o resultado é extremamente agradável.

Uma das maiores características (e feitos) de “The Endless River” é o seu perfil inovador face a uma eventual repetição de fórmula baseada na música dos Pink Floyd. É certo que neste disco estão presentes os tiques musicais da banda, mas a globalidade não soa redundante, pelo contrário. Também muito importante é o contributo de Wright no todo conceptual, algo que também está presente no próprio trabalho artístico da capa, uma clara referência ao mítico concerto de Veneza de 1989 - um espetáculo que é considerado por muitos como o “concerto do século”.

O álbum abre com “Things Left Unsaid”, uma composição assinada por Wright, Gilmour e Mason, que anuncia um disco que vagueia entre o experimental e o etéreo, onde a palavra dá lugar ao som, salvo escassos momentos.

Logo a seguir, “It's What we do” leva-nos até ao universo de “Wish You Were Here”, onde a tímida guitarra de Gilmour divide espaços sonoros com bateria e teclas. O momento é de clara contemplação e ao ouvinte reserva-se o privilégio da fruição. Essa ideia prolonga-se ao longo de todo o disco e, por exemplo, “Skins” é um autêntico delírio floydiano e, sem dúvida, um dos expoentes do álbum, onde a bateria é senhora do espaço enquanto outros sons invadem os nossos ouvidos.

Em contrapartida, “Anisina” dá mais preponderância aos solos de Gilmour, que não tem qualquer pejo em partilhar o destaque com os toques característicos de clarinete e saxofone. A lembrança de “Shine on you Crazy Diamond” não é, de todo, descabida.

A vez do piano chega com “Allons-y (1)”, uma maravilhosa composição que faz, obrigatoriamente, parte do leque das mais bonitas canções de “The Endless River”, e que se completa com “Allons-y (2)”, um momento contrastante e descaradamente mais rock. No fundo, é deste equilíbrio sonoro que resulta a globalidade do álbum.

O disco encerra com “Louder Than Words”, e, se este for o último momento criativo que ouviremos dos Pink Floyd, é um bom exemplo do que os ingleses sempre fizeram, isto é, uma excelente canção que facilmente se enquadra num espírito best-off. E, contrariando o ambiente global de “The Endless River”, as palavras invadem uma música que flutua entre a guitarra e voz de Gilmour e a restante orquestra floydiana, que, numa lógica sem fim, cola, sonoramente, o último suspiro do disco ao primeiro acorde da música inicial.

Para um grupo tão global e unanimemente adorado, um disco como “The Endless River” é uma boa assinatura emocional e surge no momento “certo”. Para além de trazer os Pink Floyd à atualidade, esta coleção de canções serve também como um bom cartão de visita para quem sempre seguiu o trabalho da banda ou para quem nunca lhe deu a devida (e merecida) atenção.

Alinhamento:

01.Things Left Unsaid
02. It’s What We Do
03. Ebb and Flow
04. Sum
05. Skins
06. Unsung
07. Anisina
08. The Lost Art of Conversation
09. On Noodle Street
10. Night Light
11. Allons-y (1)
12. Autumn ’68
13. Allons-y (2)
14. Talkin’ Hawkin’
15. Calling
16. Eyes to Pearls
17. Surfacing
18. Louder Than Words

Classificação do Palco: 8/10

in Palco Principal

Sem comentários:

Enviar um comentário