sexta-feira, 1 de março de 2013

Atoms for Peace - “Amok”

Quebra-cabeças




O primeiro álbum de qualquer banda é, definitivamente, um marco. Enquanto ouvintes, não sabemos o que esperar. As referências, se é que existem, podem estar associadas aos membros que formam o coletivo. Mas no caso dos Atoms for Peace a coisa ganha outros contornos. Um grupo constituído por Tom Yorke, Nigel Godrich (Radiohead), Flea (Red Hot Chilly Peppers), Mauro Refosco (Forro and the Dark e Red Hot Chilly Peppers) e Joey Waronker (R.E.M.) ganha, de imediato, o epíteto de super.

As expetativas crescem entre nós, ouvintes, e salivamos pela novidade. Mas será que a fórmula resulta? O que podemos esperar de “Amok”? Um álbum gerado por pais criativos pode ser um nado condenado a atingir o mais elevado patamar qualitativo? Perguntas legítimas, quando falamos de uma banda que integra alguns dos mais talentosos músicos das últimas décadas, cujos projetos próprios marcaram, também, o universo musical.

A ideia de formar esta “banda” foi do vocalista dos Radiohead que, aquando do lançamento da sua primeira aventura a solo, “The Eraser”, reuniu alguns amigos, de forma a apresentar o referido disco ao vivo. O projecto ganhou outra dimensão e a elaboração deste álbum resulta de forma natural depois das muitas jams realizadas.

Numa primeira audição, “Amok” segue a linha auditiva do álbum de estreia de Tom Yorke e dos mais recentes discos dos Radiohead, mas sentimos a presença da alma dos restantes convidados. Tecnicamente, estamos perante um disco sem mácula, com um som envolvente, rico em pormenores e contrastes, onde a transição entre a “frieza” eletrónica e o calor das (quase ausentes) guitarras são uma das chaves do sucesso.

No geral, o ambiente é denso, cativante, minimal. A voz de Yorke continua sinónimo de “atrofio”, de claustrofobia, de melodia à beira do colapso. O baixo marca, e bem, o compasso, as cordas indicam timidamente o caminho e a precursão sente-se bem no meio dos arranjos eletrónicos.

A faixa que inaugura o álbum, “Before Your Very Eyes”, uma das mais bem conseguidas de todo o trabalho, abre com uma batida de influências afro, com o baixo de Flea a indicar o trilho à voz de Yorke e com as batidas a obedecerem a um padrão seguro. Aos poucos, a orgânica é substituída pela electrónica e apenas a voz se mantém imutável. Eis um dos grandes trunfos dos Atoms for Peace: a capacidade de vestir várias peles sem perder o rasto de um final feliz.

Em “Default”, as ambiências eletrónicas tomam conta da paisagem e o resultado continua envolvente. A faixa abre com uma espécie de coito sonoro interrompido e avança para contornos drone. Aos poucos, ouvimos por aqui os Radiohead, mas queremos mais um pouco.

Seguimos para “Ingenue” e estamos perante um dos exercícios mais “estranhos” de “Amok”. O digital ganha espaço e segue o seu rumo. É impossível não associar esta faixa do espírito de “Kid A” e sentir a sensualidade inata da alma do «Yorke eletrónico».

Por sua vez, “Dropped” é outro dos momentos mais inspirados do disco. Começa de forma lenta e delicada, vai ganhando corpo e, finalmente, entramos numa espiral apaixonada. Aqui, a desconstrução pop da música em si resulta de forma excelente.

“Care a less, I Couldn’t Care a Less…” - é assim, desta forma desapaixonada, que Thom Yorke apresenta “Unless”, um tema - podemos dizer - dançável. O baixo de Flea surge por entre as precursões sorumbáticas de Refosco, os sintetizadores atacam o vazio e os nossos corpos tendem a dançar, ainda que devagar.

Ainda com o corpo a abanar chegamos a “Stuck Together Pieces” e não temos fuga possível do labirinto que é a música dos Atoms for Peace. Depois de se estranhar, ou não, esta música entranha-se e a única hipótese é navegar num som cujo farol está numa voz à deriva. Tal como Yorke canta, “You Won’t Get Away”.

“Judge, Jury and Executioner” é uma faixa sinistra, sendo a maior contribuição para tal cenário o desolado coro que se ouve em segundo plano. As batidas eletrónicas revezam-se com os acordes tímidos da guitarra e o baixo sublinha o clima de estranheza. Conciliador, Yorke solta uma brisa de (de)esperança: “Don’y Worry Baby, It Goes Right Through Me / I’m like the Wind and My Anger Will Disappear”.

“Reverse Running” é outra aposta (ganha) na doce transição entre as nuances orgânicas e eletrónicas, sendo que aqui conseguimos - o que é raro neste disco - sentir a presença firme de uma guitarra. Mesmo que não seja essa a intenção da banda, esta faixa parece ter sido concebida como um troféu de consolação para os fãs de longa data dos Radiohead, ainda que inspirada num planeta próximo dos Four Tet.

Para o final, está reservada a fantasmagórica faixa título. “Amok” destila uma voz vinda de um qualquer além desenhado em tons cinzentos, onde, mais uma vez, a eletrónica assume o controlo emocional. O lamurio do piano traz um final esperado. A música para e ficamos com uma estranha sensação de alívio, ainda que tentados a fazer novamente “play”. E por que não ouvir novamente?

Alinhamento:
01.Before Your Very Eyes
02.Default
03.Ingenue
04.Dropped
05.Unless
06.Stuck Together Pieces
07.Judge, Jury and Executioner
08.Reverse Running
09.Amok

Classificação do Palco: 8/10

In Palco Principal

Sem comentários:

Enviar um comentário