terça-feira, 12 de março de 2013

Rodrigo Leão
@ CCB

A paixão segundo Rodrigo Leão



Foi um Centro Cultural de Belém esgotado que assistiu a mais um excelente concerto de Rodrigo Leão e companheiros de estrada, na última sexta-feira. O espetáculo teve como fio condutor “A Montanha Mágica”, álbum de 2011, mas a incursão a “Songs (2004/2012)”, bem como a outros momentos da carreira do talentoso e prolífero compositor, deram corpo a um concerto que proporcionou perto de duas horas de muita paixão.

Foi com a toada calma e cintilante de “Praia do Norte”. de “A Montanha Mágica”. que seria iniciado o concerto. A mestria de Rodrigo Leão e seus pares levam a sua música a lugares perto da beleza e perfeição. Das mãos de Rodrigo Leão saem acordes fruto de uma matemática musical ímpar, que servem de batuta aos sons que os acompanham. “Mar Estranho” e “Navio Farol”, também do referido trabalho de 2011, deram continuidade ao ambiente neoclássico que se vivia no Grande Auditório do CCB, talvez a sala que mais tenha a ver com a música de Leão.

Outro dos «truques» de Rodrigo Leão para que a sua arte resulte na plenitude é a escolha certa dos seus camaradas de palco. A mestria de Celina da Piedade no acordeão (e xilofone) é exemplo dessa competência e é impossível resistir ao “swing” desta mulher que, para além disso, detém uma voz maravilhosa - mas lá chegaremos…

A primeira experiência fora do reportório de Rodrigo Leão em nome próprio foi com “Tardes de Bolonha”, um magnífico instrumental dos tempos de “Existir”, um dos álbuns charneira dos saudosos Madredeus. Muito aplaudida, esta performance fez lembrar a potência que a música «frágil» de um projeto com a musicalidade da antiga banda de Pedro Ayres de Magalhães e Teresa Salgueiro pode possuir ao vivo.

Absolutamente brilhante. “Espiral II”, de “Ave Mundi Luminar” (1993), fez a audiência recuar no tempo e sentir o sabor dos primeiros tempos de Rodrigo Leão a solo. O excelente jogo sonoro proporcionado pela simbiose entre cordas, teclas e acordeão fazia notar que em palco se tocava com amor, vontade e saber.

A primeira dedicatória da noite surgiu aquando da apresentação de “Tango dos Malandros”, que Rodrigo fez questão de servir como presente a todos os malandros de Portugal, em especial a Gabriel Gomes, companheiro de Leão nos “Poetas”. “Os Cidadãos”, de “Portugal, um Retrato Social” (2007), que foi parte integrante de banda sonora de uma série passada pela televisão estatal nacional há alguns anos, foi a música seguinte e a grande intensidade dramática com que foi apresentada ao público valeu-lhe o título de uma das melhores prestações da noite, onde o devaneio onírico foi uma constante.

O andamento alegre de “La Fête” foi a primeira aproximação a “Cinema” (2004), um dos álbuns que marcou a música portuguesa na primeira década do século XXI. O palco, por momentos, transformou-se num salão de baile onde a valsa era o ritmo ouvido. O som redopia em cada instrumento e vem direito ao nosso coração.

Tal como tinha sido anunciado, Rodrigo Leão tinha preparado algumas surpresas para estes novos espetáculos e a participação de alguns convidados era esperada. A honra coube a Elisa Rodrigues, que deu voz a dois dos mais emblemáticos temas de Rodrigo Leão. Para a acompanhar chegariam ao palco Fred Garcês para a bateria, e João Eleutério para a guitarra. A partir daí, o baixo passaria de mão, entre Leão e Eleutério.

As maravilhosas “The Long Run”, de “Songs…”, e “Lonely Carousel”, retirada do aplaudido “Cinema”, originalmente cantadas por Joan as Policewomam e Beth Gibbons, voz dos Portishead, foram, talvez, os momentos menos conseguidos de todo o concerto, não por culpa da voz competente de Elisa Rodrigues, mas porque os registos particulares das já referidas cantoras são insubstituíveis.

Ainda com Rodrigo Leão no baixo, ouviram-se mais dois temas de “A Montanha Mágica”. “Revolta” e “Aviões de Papel” serviram para nos devolver ao ambiente neoclássico e instrumental bem alimentado pela versatilidade dos músicos. Ao português Gomo coube a (árdua) tarefa de cantar outra canção do reportório de Rodrigo Leão, originalmente gravada com uma outra das vozes mais marcantes da música britânica, Niel Hannon, líder dos Divine Comedy. De uma forma irrepreensível, ouvimos “Cathy” ser cantada e dedicada a todas as mulheres nesta noite especial de 8 de março e os muitos e merecidos aplausos ouvidos no final foram consequência de uma excelente prestação.

A noite estava de facto a ser muito agradável, tal como Rodrigo Leão desejou no início do espetáculo, mas a temperatura e intensidade iriam aumentar com a presença de Scott Matthew. Com uma voz fabulosa, o cantor australiano brindou os presentes com quatro momentos de rara beleza. “In the End”, “Terrible Dawn”, “Incomplete” e “Hapiness” por si só valeriam a presença no CCB e abrilhantaram ainda mais a noite.

Antes da saída do palco ainda se ouviu “Hibernauta” e “A Comédia de Deus”. Se na música retirada de “A Montanha Mágica” a sala sentiu o espectro de um tango, no caso da faixa de “Cinema” foi o ambiente de fanfarra que saiu do palco e abraçou todos os presentes.

O regresso ao palco fez brilhar mais uma estrela. Com duas performances perfeitas, sem aspas, Celina da Piedade entregou alma e coração a “Alfama”, dos Madredeus, e “Pasión” que originalmente conta com a voz de Lula Pena e faz parte do álbum homónimo. O público, conhecedor das canções, deu uma ajuda e, a espaços, sentia-se um coro em toda a sala.

Com o público teimosamente a permanecer na sala a aplaudir os artistas ausentes do palco, foi com naturalidade com que ainda se assistiu a mais duas peças de puro brilhantismo, novamente com grande responsabilidade para a voz e genialidade de Scott Matthew. Só com a guitarra, o ex-vocalista dos Elva Snow tocou uma versão magnífica de “Smile”, saída do imaginário de Charlie Chaplin. Ainda extasiados com a performance de Matthew, os presentes tiveram também direito a ouvir “Enemies”, uma nova música que resulta da colaboração entre o vocalista e Rodrigo Leão. A noite acabaria assim, com o público a aplaudir de pé e com os “bravos” a ouvirem-se amiúde.

Antes da apresentação de Rodrigo Leão per si, foram os “Poetas” - que lançaram recentemente “Autografia” - a ocupar o palco, para apresentar a sua música que é, no fundo, a extensão da própria poesia. Com a marca inconfundível de Leão dos teclados, os Poetas contam com Gabriel Gomes no acordeão, Viviana Tupikova no violino, Sandra Martins no clarinete e violoncelo e ainda com o ator Miguel Borges nas vocalizações. Durante a meia hora que o coletivo esteve em palco ouviram-se temas como “We Are Welcome to Elsinor”, “O Navio de Espelhos”, “Poema”, “História de Cão” e “Há Uma Hora”, de Mário Cesariny, alguns deles interpretados pela voz, ora doce ora cavernosa, de Miguel Borges.

In Palco Principal

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