sexta-feira, 22 de março de 2013

“ENCICLOPÉDIA DE ESTÓRIA UNIVERSAL – ARQUIVOS DE DRESNER”
de AFONSO CRUZ

Um livro para todos os anos



Autor de vários recursos e mestre na multidisciplinaridade artística, Afonso Cruz, aqui no seu papel de escriba, acaba de lançar mais um tomo, o terceiro, da sua “Enciclopédia da Estória Universal”, desta vez dedicada em exclusivo aos “Arquivos de Dresner”.

Quando, em 2010, Cruz venceu o “Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco” com o primeiro volume desta série, a surpresa pelo conteúdo da mesma deixou muitos dos leitores emersos num tipo de escrita que vai para além do simples relato narrativo, invadindo territórios onde o aforismo, o provérbio, a curiosidade, a reflexão, a parábola, o mito e a reflexão filosófica coexistem de forma pacífica e natural.

Este novo volume, que chega aos escaparates pela mão da Alfaguara, chancela do Grupo Objectiva, agarra novamente nessa amálgama de conceitos e resulta numa bem-disposta e inteligente visão de um mundo que extravasa as fronteiras de um saber compartimentado.

Tendo como uma das suas paixões de vida a viagem, sendo que já palmilhou dezenas de países nos últimos anos, Afonso Cruz traça um roteiro diferente nesta aliciante abordagem literária lúdica que, apesar de estar organizada alfabeticamente, faz saltitar o leitor por entre vogais e consoantes que se transfiguram em labirintos narrativos, alicerçados em fragmentos retirados de uma natureza humana rica em baralhar o real com o onírico.

Neste “Arquivos de Dresner”, as entradas escolhidas por Afonso Cruz trazem ao entendimento do leitor nomes como H. Melville, Malgorzata Zajac, Petar, Stamboliski, Agnese Guzman, entre outros, alguns deles personagens que ganharam vida noutras obras do autor.

Entre poesia, pensamentos e algumas estórias ficamos a conhecer atletas olímpicos que perdem competições pelo amor à botânica, exploradores que teimam em desafiar as leis dogmáticas, amantes de literatura possuídos por espíritos de personagens que habitam nos livros, tribos indígenas que fazem da ingenuidade lírica o seu modo de vida e figuras que desafiam a lógica.

Na escrita de Afonso Cruz a ficção mistura-se com uma qualquer realidade, a verosimilhança é apanhada numa cascata de dúvidas e (im)possibilidades. Nesta enciclopédia está, acima de tudo, patente a mestria da escrita ousada, dinâmica e lúcida de Cruz, um autor que procura, fora da narrativa mais comum, dar asas a uma imaginação que nos leva de encontro a um paraíso ilustrado com intensidades cromáticas diversas.

Existem livros dentro deste livro, estórias dentro da estória, vidas dentro da vida. Aqui, conceitos como, por exemplo, o misticismo e a ciência, não pretendem ser antagónicos mas sim complementares, exibindo um elevado grau de parentesco e cumplicidade. Existe uma ligação intrínseca que alimenta e dá consistência a esta obra.

Wilhem Moller, um dos nomes citados nesta viagem literária, afirma que «Ler é uma maneira de ser. Tal como os Homens usam roupas, a alma usa livros.» E a nossa, acreditem, vai alimentar-se destes “Arquivos de Dresner” até à exaustão, pois esta recente aventura literária de Afonso Cruz é mais que um livro – é alimento para o pensamento, combustível para a catarse.

Numa altura em que a cadência da publicação de livros é um fenómeno crescente, são obras como esta que mais se destacam, pois oferecem aquilo que outras não conseguem: traços autênticos e personalidade única.

In Rua de Baixo

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