quinta-feira, 21 de março de 2013

“O LIVRO DO ANO”
de AFONSO CRUZ

Refúgio ilustrado de felicidade



Interdisciplinar, multifacetado e reconhecidamente premiado, Afonso Cruz é um verdadeiro homem de muitos ofícios. Da música à ilustração, da escrita à realização cinematográfica, o autor de obras como “Os Livros que Devoram o Meu Pai” ou “A Boneca de Kokoschka” – e vencedor do Prémio da União Europeia de Literatura 2012 – faz-nos chegar, através da Alfaguara, chancela da Objectiva, a sua nova experiência sensorial em formato de livro.

Na contracapa desta maravilhosa fábula ilustrada somos alertados para o que nos espera. «Estas são as páginas do diário de uma menina que carrega um jardim na cabeça…». E esta menina torna-se parte do nosso ser enquanto poetas ou sonhadores. Pode ser o somatório das nossas partes, pode ser a nossa memória infantil, o nosso refúgio de felicidade.

Tal como o florescer da esperança, Afonso Cruz inicia esta viagem errática na Primavera. O dia 21 de março é o ponto de partida para uma epifania por universos onde a ternura abraça o absurdo e a saudade vai para lá do preto-e-branco das mais de 140 páginas.

Este é um livro que vai buscar a sua cor à mestria da escrita de Afonso Cruz e não ao colorido das páginas. À medida que avançamos no calendário e nas estações do ano somos convidados a entender o mundo como ele se faz descobrir a quem tem a mente aberta ao futuro, à novidade.

Os poemas, os aforismos e as ideias postas a nu pelo espírito de uma criança com sede do que ainda está para vir fascinam o folhear deste ano, feito com letras e palavras soltas que encontram amparo nas ilustrações simples mas não simplistas.

Seja do irmão, tio, pai, avô ou da própria menina, os testemunhos que povoam “O Livro do Ano” são merecedores de uma leitura atenta pois é nas entrelinhas que se descobre a ironia – «Nenhum homem é mais alto que o seu chapéu. A não ser quando levanta os braços. Isso acontece quando está feliz. Ou quando é assaltado» -, a ingenuidade – «As fotografias antigas são muito parecidas connosco quando éramos pequenos» -, o absurdo – «Todos os dias faço coisas estranhas, pois tenho medo do Instituto das Pessoas Normais» – ou a metáfora – «Às vezes, trago um deserto para casa. É quando me sinto sozinha.»

No fundo, esta menina é um pouco como todos nós, seres de diferentes idades e tamanhos e feitos através de uma equação de doses de incerteza, amor, dogmas, medos, desejos, sonhos. E quando pensamos que, depois de uma leitura desenfreada e compulsiva, já acabámos de ler esta pérola de Afonso Cruz, voltamos atrás, descobrimos um ou outro pormenor e deixamos o livro perto de nós, longe da estante, pois a qualquer momento voltamos a folhear, a sentir uma sombra amadurecer ou a calçar os sapatos nas mãos. Ou não estaríamos a falar de um livro que começou a ser escrito num dia 30 de Fevereiro.

Sim, ainda é cedo para fazer uma lista com os melhores livros de 2013, mas este “O Livro do Ano” encanta, surpreende, enternece, aloja-se no nosso coração. É obrigatório ler e ter. A 1 de agosto Afonso Cruz escreveu: «Quanto mais facilidade tem uma música em entrar na cabeça, mais dificuldade tem em sair.» Também repleto de melodia, este livro entra-nos de forma imediata e fica. São gritos mudos que permanecem no nosso âmago fechados a sete chaves. Absolutamente imperdível!

In Rua de Baixo

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