terça-feira, 19 de março de 2013

PEDRO GARCIA ROSADO
Entrevista

"Há um puritanismo de salão muito forte no nosso País e esse é um factor que leva muitos editores a considerar que este género literário “parece mal”, por ter homicídios e outros crimes, sangue derramado e actos de violência." A entrevista com o autor de “Morte com Vista para o Mar



Amante incondicional da zona envolvente das Caldas da Rainha, Pedro Garcia Rosado aponta a falta de ética como um dos pecados maiores por terras nacionais e confessa-se irritado com o desacerto ficcional de algumas séries policiais como a estilizada “CSI”. A propósito da edição do seu mais recente livro, “Morte com Vista para o Mar”, estivemos à conversa com este alfacinha que gosta de escrever histórias com personagens melancólicos e sombrios e aposta, felizmente, na escrita de policiais onde o realismo e a verosimilhança são ingredientes indispensáveis.

“Morte com Vista Para o Mar” é o teu oitavo livro e o primeiro de uma colecção que terá o trio Gabriel Ponte, Patrícia Ponte e Filomena Coutinho no centro de todas as atenções. Como surgiram estas personagens?

Na sequência da minha experiência com a série “Não Matarás”, pensei a certa altura que poderia ser mais interessante ter dois protagonistas em vez de um só e imaginei um homem e uma mulher como investigadores da PJ, que é o único órgão de polícia criminal que tem a competência de investigar homicídios. Não queria que um envolvimento romântico entre eles pudesse distrair as atenções dos leitores e comecei por imaginá-los pai e filha. A editora Ana Afonso (da 20|20, que depois publicou “Morte com Vista para o Mar”) levantou algumas dúvidas por esse relacionamento familiar poder fazer de Gabriel um homem mais velho. Pensei por isso em fazê-los ex-marido e ex-mulher, aproximando as idades. Também queria ter uma jornalista nas histórias e essa alteração do paradigma das personagens abriu de imediato as portas a uma dinâmica diferente, decorrente do relacionamento anterior entre Gabriel e Filomena, que é explicado em “Morte com Vista para o Mar”.

Gabriel Ponte, por exemplo, tem um perfil muito próximo de alguns personagens dos romances noir de autores como Raymond Chandler, Robert Wilson ou Dashiel Hammett. Qual a tua opinião sobre o ambiente dos livros dos referidos autores?

Sou um mau leitor de Chandler e de Hammett, cujas histórias nunca me entusiasmaram, talvez por estarem muito datadas. Gostei especialmente da fase “africana” de Robert Wilson (a série de quatro romances passados num País de África) e também segui com interesse as histórias da sua fase espanhola. Talvez haja pontos de contacto no tom noir das várias histórias de Wilson e, no meu caso, Gabriel Ponte é de facto um herói melancólico num ambiente sombrio, o que advirá da sua condição de quase exilado do mundo.

Nota-se que tens um conhecimento profundo das investigações policiais e do mundo que o rodeia. Sente-se que tal é condição essencial para se fazer um bom thriller policial?

O realismo e a verosimilhança são absolutamente essenciais para o bom êxito deste género literário. Por exemplo, em Portugal, é a PJ que tem por competência exclusiva a investigação de homicídios, com uma lógica organizacional específica e seria um disparate imaginar histórias que pudessem pôr os homicídios a serem investigados por outra polícia qualquer, mesmo que ficcionalmente criada para o efeito. Tenho procurado documentar-me em tudo o que escrevo, para não estar a inventar elementos irreais em histórias que devem manter-se solidamente ancoradas na realidade. É isso que me irrita, por exemplo, na série televisiva “CSI”. Não há nenhuma polícia no mundo que tenha os mesmos agentes a fazerem pesquisas forenses e a investigarem na rua, numa sucessão de casos todos eles banais. Isso destrói a base de credibilidade do tecido ficcional, por muito fogo-de-vista que tenha.

A trama de “Morte…” tem como base a corrupção, tráfico de influências e lavagem de dinheiro. Este pode ser o retrato de um “certo Portugal”?

Pode, seja porque a burocracia gera obstáculos irracionais a que muitas coisas racionais se façam, seja porque normas legais racionais impedem que se façam coisas absolutamente irracionais, e ilegais. E também acrescentarei alguma falta de ética, que é essencial para a democracia. Um presidente de um órgão autárquico não deveria ser o representante legal dos investidores num projecto imobiliário que pode gerar conflitos ou outras confusões com os seus próprios eleitores. E é isso que acontece na situação verídica em que me inspirei e também na própria história.

Um dos personagens do livro, o professor Alberto Morgado, tinha um blog que servia de órgão para divulgar suspeitas e alertar para os crimes que se passavam no negócio do futuro empreendimento turístico. Sabemos que o Pedro Garcia Rosado tem também um blog onde é muito interventivo. Terá sido ele o mote inspirador para o “O Novo Bordallo”?

Não, o blogue O das Caldas é que me inspirou. Este blogue anónimo ocupou-se com grandes pormenores de um investimento gigantesco previsto para uma zona de paisagem protegida que foi “desprotegida” por uma deliberação da Assembleia Municipal de Caldas da Rainha, que alterou o Plano Director Municipal, criando o Plano de Pormenor da Estrada Atlântica. Os investidores eram, e continuam a ser, homens sem rosto, o investimento previsto é de centenas de milhões de euros, há situações equívocas… e o bloguista morreu em Maio do ano passado. Foi um excelente, e intrigante, ponto de partida para uma história: a morte de um bloguista depois de denunciar um caso suspeito. Com o devido respeito pela memória do falecido.

Os teus livros reflectem bem a paixão que tens face às Caldas da Rainha. O que fez um alfacinha refugiar-se nas “falésias da costa atlântica”?

Eu conheci a região pela mão de um grande amigo e camarada de trabalho que em numerosas ocasiões me recebeu, e à minha família, como se fôssemos família, na sua casa de São Martinho do Porto, e fiquei fascinado pela combinação de mar e de campo que caracteriza grandes extensões da Região Oeste, de Peniche até à Nazaré, passando pela fronteira de mar do próprio concelho de Caldas da Rainha.
Comecei a vir para aqui quando ainda trabalhava em Lisboa, para uma casa que numa primeira fase foi para fins-de-semana e férias. É numa zona rural a menos de cinco minutos do mar, das falésias e de uma zona de praia, onde se ouvem três ou quatro carros durante o dia e passarinhos e outras aves durante quase o tempo todo (quando o tempo está bom), a apenas 60 minutos e cem quilómetros de Lisboa. A transferência definitiva para aqui acabou depois por ser natural. É um óptimo local para trabalhar… e para descansar!

Em 2004 publicaste “Crimes Solitários” e desde aí cimentaste uma carreira ímpar no que toca ao thriller feito em Portugal. Depois do jornalismo, da tradução e agora da escrita de livros, qual destas actividades te dá mais prazer? O Pedro Garcia Rosado é um contador de estórias?

Sim, gosto de escrever estórias. Aliás, desde muito cedo. Escrevia muito na adolescência, sobretudo histórias fantásticas e de ficção científica, e a intenção era sem dúvida essa; contar estórias, nessa altura a um reduzido público familiar. Mas também gostei de fazer jornalismo, a certa altura, numa época em que havia maiores meios e maior liberdade para fazer reportagem e investigação e trabalhar sem constrangimentos que não fossem a lei e o bom senso. Talvez fosse uma maneira de contar estórias… bem verdadeiras.

Ainda a propósito da tua anterior experiência como jornalista, achas que os media são cada vez mais a “voz do dono”? Filomena Coutinho, por exemplo, sente a pressão interna de não poder aprofundar mais uma suspeita por isso, eventualmente, prejudicar os patrocinadores do seu jornal…

Têm tendência, em alguns casos, a ser “a voz do dono”… e dos amigos, parceiros e correligionários do “dono”. O panorama da comunicação social hoje em dia é sombrio. Há notícias que não se dão e não se percebe porquê, o espírito crítico só parece manifestar-se em grupo, não há memória, não parece haver agendas próprias, distinguem-se mal os favores e as cumplicidades. A situação económica das empresas do sector e a incapacidade de renovarem a sua oferta também contribui para este estado de coisas. E mesmo uma jornalista como Filomena Coutinho, que se dedique só aos “casos de polícia”, pode deparar-se com dificuldades se quiser abordar os crimes cujos autores possam pertencer a sectores sociais e políticos mais elevados. Veremos se isso não lhe trará dissabores no futuro…

Recentemente no teu blog fazias uma pergunta pertinente: “Porque não há mais escritores de policiais em Portugal?” Já tens alguma resposta?

Há um puritanismo de salão muito forte no nosso País e esse é um factor que leva muitos editores a considerar que este género literário “parece mal”, por ter homicídios e outros crimes, sangue derramado e actos de violência. Nessa perspectiva, se publicassem thrillers estariam, sei lá, a fazer apelo ao que devem pensar que são os instintos mais baixos da sociedade… e, se calhar, de quem escreve essas histórias. Por outro lado, parece-me também que há editores e opinion makers neste sector que desconhecem a literatura policial e o seu público e preferem seguir as modas a fazer o trabalho de casa. Esta combinação é mortífera e aniquila quase todas as possibilidades de aparecerem novos autores portugueses nesta área.

Nas últimas páginas de “Morte…” temos o privilégio de ler as primeiras páginas do próximo romance da saga deste trio. Depois de “Morte na Arena” podemos esperar mais aventuras? Tens idealizado algum plano de edição?

Numa série com protagonistas fixos, que têm as suas próprias histórias de vida, é essencial ao autor ter a certeza, pelo menos em linhas gerais, do que vai acontecer a seguir. Tenho algumas ideias que serão desenvolvidas nas próximas histórias, combinando um caso autónomo em cada livro com “arcos” narrativos que envolvem os protagonistas fixos ao longo de dois ou três títulos.

In Rua de Baixo

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