quarta-feira, 16 de outubro de 2013

David Machado em entrevista

«Cada pessoa terá a sua forma de olhar, pensar e viver a sua felicidade. Confesso que, nesse aspeto, sou muito parecido com o Xavier, para mim os números são importantes e tendo a tentar quantificar tudo»



Romancista, excelente contador de estórias e ex-economista, David Machado é uma das mais promissoras e emergentes vozes literárias da sua geração. Com livros editados em vários países, o autor de “Deixem Falar as Pedras” ou “O tubarão na Banheira” traz até nós “Índice Médio de Felicidade”, uma obra otimista sobre a amizade e o companheirismo que reflete a capacidade transcendente de acreditar na felicidade, nem que seja através de uma equação matemática. Para nos falar sobre este novo romance, crises, absurdos e outros assuntos, eis David Machado em discurso direto.

No teu livro anterior – “Deixem Falar as Pedras” – fizeste um exercício sobre a memória, assim como da herança geracional. Em “Índice Médio de Felicidade” é o presente que alicerça a narrativa. Esta “diferença cronológica” foi propositada?

Eu diria que não é tanto o presente, mas o futuro, a ideia que fazemos do futuro, que traz consigo conceitos como o otimismo e a esperança. E isso, sim, foi propositado. Mesmo antes de começar a escrever o “Índice Médio de Felicidade”, quando a história ainda só existia na minha cabeça, já então era claro para mim que os dois romances se complementariam: um voltado para o passado, o outro para o futuro. Nenhum é mais verdadeiro do que o outro. As duas coisas, passado e futuro, fazem parte do nosso presente.

Nas páginas iniciais deste teu novo romance fala-se de encontrar a hipotética satisfação de viver através de uma fórmula matemática. Achas possível ler a própria felicidade através de uma equação?

Cada pessoa terá a sua forma de olhar, pensar e viver a sua felicidade. Confesso que, nesse aspeto, sou muito parecido com o Xavier, para mim os números são importantes e tendo a tentar quantificar tudo. Por isso mesmo, nunca quis responder à questão do inquérito sobre a satisfação com a vida. A minha inclinação seria imediatamente começar a atribuir valores a tudo. No entanto, esse é um processo pelo qual não quero passar, até porque se trata de uma tarefa infinita.

A personagem principal de “Índice Médio de Felicidade”, Daniel, revela que ao longo da vida desenvolveu um diário que tinha o futuro escrito. Acreditas que é possível traçar um futuro ainda que o mesmo seja alterado consoante as dificuldades da vida?

Não é muito fácil fugir a uma ideia de futuro. Ela está sempre lá, na nossa cabeça, e cruza-se com todos os pensamentos que temos, ainda que, por vezes, não nos demos conta. Essa é uma das coisas que nos diferencia dos outros animais. Penso que, em certos casos, teríamos a ganhar estando mais atentos ao futuro, àquilo que esperamos dele, por exemplo, projetando esse futuro através de um plano. Por outro lado, temos de estar conscientes que esse plano, esse futuro, é apenas uma linha para nos orientarmos e que, muito dificilmente, se tornará realidade. O que não é necessariamente uma coisa má: é apenas assim que a vida é.

O desemprego e a falência social – situações que refletem o Portugal de hoje – são temas fortes neste livro. A conjuntura económica é um bom filão para a inspiração de um escritor?

Nem sempre. Neste romance, como noutros livros que já publiquei, fui ao encontro do absurdo. E a nossa época, sobretudo por causa da crise que estamos a viver, parece-me cheia de absurdos. E eu tentei usá-los de uma forma literária que favorecesse a narrativa e não necessariamente como crítica social e política.
O triângulo “Daniel-Xavier-Almodôvar” é a base de “Índice Médio de Felicidade”. Estamos perante três pessoas diferentes ou três faces de uma mesma moeda? Serão estes três personagens, no fundo, um só?

Na minha cabeça sempre me pareceu que eles em conjunto representam bem cada um de nós. Pelo menos, eu sempre me identifiquei muito com os três; mais com o Daniel, é certo, mas também com os outros. Claro que há exceções, mas ninguém é absolutamente otimista, da mesma forma que ninguém é absolutamente egoísta ou triste ou só.

Daniel é um otimista e lutador por natureza e mesmo à beira do colapso encara o futuro com esperança. De alguma forma estamos perante um qualquer perfil do Homem português?

Não sei se os portugueses são particularmente dados à esperança. Acho que temos uma capacidade surpreendente de nos adaptarmos e encontrarmos caminhos alternativos para continuarmosem frente. Essaé uma das nossas melhores qualidades. E que é muito diferente de nos resignarmos à situação. Algo que, por outro lado, começa a acontecer com demasiada frequência.

Numa das passagens do livro refere-se que Portugal conseguiu ultrapassar com distinção o período social e economicamente estagnado que derivou de décadas de ditadura. Sendo formado em economia, achas possível um sorriso risonho para o Portugal pós-troika?

As crises vêm e vão. A seguir a esta virá outra e depois outra e depois outra e depois…. Após o fim da ditadura, nasceu a ideia, ingénua mas natural, de que, morto o dragão, a felicidade e a prosperidade existiriam para sempre no reino. É uma ideia falsa, claro. A possibilidade de as coisas piorarem está sempre presente. Há, obviamente, direitos e vitórias que deveríamos tentar preservar a qualquer custo e nos últimos trinta anos cometeram-se muitos erros. Aquilo que quero dizer, sem entrar muito pelo campo da política, é que, apesar de tudo e mesmo durante esta época má da nossa história, nós podemos rir e podemos acreditar que continuaremos a rir e que, mais importante ainda, podemos lutar por isso.

Daquilo que tens conhecimento do Portugal de hoje, qual o Índice Médio de Felicidade que atribuirias ao nosso país?

O valor que descobri enquanto escrevia o livro é de 5,7. E há umas semanas li no jornal que esse valor caiu três ou quatro décimas. A minha relação com esse valor muda diariamente. Por vezes parece-me baixíssimo, saio à rua e os portugueses não parecem assim tão mal, sorriem e falam e abraçam-se. Noutros dias, considero-o justo, as coisas não estão nada bem e, claro, isso pesa muito na equação da nossa felicidade, é normal as pessoas perderem ânimo.

Ao longo da carreira já fizeste tradução, escreveste contos, livros infantis e vários romances. O que podemos esperar do David Machado nos próximos tempos?

Mais do mesmo, como se diz por aí. E se for assim, ficarei muito feliz.

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