domingo, 7 de abril de 2013

CRISTINA BRANCO
no TEATRO S. LUIZ

Uma noite de doces ilusões




Depois de iniciar a apresentação do seu mais recente trabalho denominado “Alegria” por terras de Bélgica e Noruega, foi a vez da magnífica e aconchegante sala lisboeta do S. Luiz servir de palco para a apresentação portuguesa de um dos álbuns mais marcantes da cantora ribatejana.

Um pouco como que a provar a universalidade e diversidade da música desta eterna menina com voz de mulher, pelos corredores do S. Luiz ouvia-se Castelhano, Francês, Inglês e, um dos idiomas mais bonitos, o riso de algumas crianças que se misturavam com os mimos recebidos por pais e avós.

As portas abrem e a plateia e os camarotes enchem de forma rápida ficando apenas vagas algumas cadeiras para audiófilos de última hora. Se na rua o vento frio convidava a levantar golas e a fechar casacos, dentro da sala o ambiente estava na temperatura certa. No palco, luzes de tonalidades escuras abriam espaço para o piano, o contrabaixo, a viola e a guitarra portuguesa.

O relógio passava já das 21 horas e aguardava-se, tranquilamente, a entrada dos artistas. Até que as luzes extinguem-se, o burburinho da sala termina, o silêncio é apenas quebrado pelas palmas que recebem os músicos. Cristina Branco entra em palco por último e recebe uma (merecida) ovação. O piano rompe a inércia, a guitarra portuguesa acorda e canta-se «Lenço de Carolina», uma das mais bonitas músicas de “Alegria”, o disco que, de forma esperada, mais de ouviu na noite de ontem.

Ainda que a “jogar em casa”, Cristina Branco mostrava tiques de um nervosismo que tem o condão de a tornar ainda mais humana, ainda mais bonita. As complexas e por vezes longas letras de algumas das canções deste “Alegria” obrigavam a cantora a recorrer às cabulas de uma partitura sempre presente.

Mais interventiva que nunca, Cristina Branco, e antes de se ouvir «Alice no País dos Matraquilhos», um original de Sérgio Godinho, a menina de Almeirim fez questão lembrar a todos que “ser feliz é, acima de tudo, um acto cívico”. O convite à felicidade, pelos menos auditiva, foi uma constante na noite e os maravilhosos músicos que acompanham Cristina Branco foram grandes responsáveis por tal estado. «Alice…» desabrocha com o contrabaixo e a guitarra portuguesa a liderar para depois serem acompanhados pelas teclas.

«Trago um Fado» de “Kronos” (2009) foi a primeira incursão a outros trabalhos que contam na discografia de Cristina Branco e o fado, que fica tão bem com o timbre vocal da cantora, encheu a alma dos presentes. A vitalidade da voz de Cristina Branco torna-se cristalina e o tal nervoso miudinho vai desaparecendo de forma ténue.

Seguiu-se «Invitation au Voyage», de “Não há Só Tangos em Paris” (2011), um poema de Charles Baudelaire musicado de forma sublime com destaque para os acordes saídos da guitarra portuguesa de Bernardo Couto. Apesar de não se cantar na língua de Camões, sente-se a alma lusitana. De regresso a “Alegria”, é a vez de se ouvir a canção-fábula de «O Palhaço e o Ministro». O piano de Ricardo Dias toma a dianteira, mas aos poucos a guitarra portuguesa e o contrabaixo aparecem de mansinho.

Coube a Fausto Bordalo Dias a próxima homenagem da noite. «Foi por Ela», segundo Cristina Branco, evoca quem é obrigado a sair da cidade amada em busca de outros destinos. Ao ritmo swingado da sua voz, Cristina ensaia um tímido passo dançado. «Cândida» faz a ponte para «Alegria» e relata-se uma alma à beira do colapso que foge da realidade dorida e tenta saborear o sabor do conforto, ainda que por uma última vez. Ouve-se que “já não há condições para doces ilusões”, mas a esperança é um sentimento que reina no S. Luiz.

«Miriam», outra das personagens de “Alegria”, uma espécie de “Robin dos Bosques à portuguesa, habita no Chiado e traz a esperança na mochila”. Metaforicamente, ou não, é isso que sentimos quando se ouve Cristina Branco a cantar, uma vontade de acreditar na mudança, na solidificação do bem. Os aplausos são muitos e aumentam ao ouvir-se os primeiros acordes de «Construção» um clássico de Chico Buarque agora revisitado em “Alegria”. O dramatismo da guitarra portuguesa percorre o palco a cada acorde e o coro masculino que “substitui” a voz de Cristina Branco valeu um dos mais fortes aplausos da noite.

Timidamente sorridente, Cristina Branco apresenta «Fria Claridade», um poema de Pedro Homem de Melo que faz o fado regressar ao S. Luiz e a voz ganhar corpo, elevar-se. Depois, qual velocista em vestido de noite, a cantora acelera para trás do palco com Ricardo Dias, seu companheiro de músicas e vida, e é a vez da guitarra portuguesa brilhar num instrumental a roçar a perfeição. O contrabaixo ajuda e a viola de Carlos Manuel Proença deixa o anonimato.

O regresso da cantora ao palco foi sinónimo de canção de embalar com «Laurindinha», uma das mais bonitas canções de “Não Há Só Tangos em Paris”, e depois «Cherokke Louise», um original de Joni Mitchel que traz de novo “Alegria”. Ao vivo esta canção ganha novos contornos e fica mais desinibida do que na versão de estúdio.

Sérgio Godinho “volta” de novo ao S. Luiz com «Bomba Relógio», uma faixa que faz parte do alinhamento de “Kronos” e Cristina Branco faz, e muito bem, um verdadeiro exercício respiratório devido à métrica especial das composições de Godinho. Depois, «Branca Aurora», a resposta de Jorge Palma ao seu «Jeremias», traz uma personagem sem identidade, sem cartão de cidadão e idade, entregue a si mesma em busca de futuro. Cristina Branco suspira, respira fundo e ataca a partitura e ultrapassa as dificuldades do poema de Palma com algum nervosismo à mistura.

O maravilhoso fado «Água e Mel», outro dos grandes momentos da noite, arrancou bravos e fortes aplausos a um público completamente entregue à doçura da música que enchia alma e corações da gente que, afortunadamente, se encontrava no S. Luiz. «Havemos de ir a Viena» é a senhora que se segue e a mestria de Pedro Homem de Melo encontra um excelente porto de abrigo nas cordas vocais de Cristina Branco e na musicalidade dos seus companheiros de palco.

Palmas, muitas palmas e no silêncio depois das mesmas, Cristina Branco, antes de se entregar de forma magnífica a «Meu Amor é Marinheiro», de “Corpo Iluminado” (2001), faz um aviso à navegação: “a melancolia mata aos poucos”. Sentada no banco de Ricardo Dias, Cristina Branco contempla o piano, passeia pelo palco e a voz ganha corpo ao cantar “…coração que nasceu livre não se pode acorrentar”. No final, apresenta os seus músicos que abrilhantam o momento com pequenos mas sólidos solos. Os músicos deixam o palco mas os aplausos intensificam-se e o regresso ao palco é feito instantes depois.

Agora com um grande e merecido sorriso nos lábios, Cristina Branco e seus pares voltaram ao palco para presentear a audiência com mais dois temas. Antes de «Petição do Farias…», outro momento retirado de “Alegria”, Cristina Branco aproveitou a ocasião para criticar os governantes sobre o menosprezo que este executivo tem em relação à cultura, aquele que é um dos maiores legados nacionais. O público assinou, de facto, a petição e aplaudiu de forma veemente. A última da noite foi a lindíssima «Os Teus Olhos São Dois Círios», um fado que traz para dentro do íntimo do ouvinte a dor e o sentimento de quem o canta.

In Rua de Baixo

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