terça-feira, 16 de abril de 2013

James Blake
“Overgrown”

O rapaz que não quer ser estrela



Muitos acreditam no destino. Muitos agarram a vida e fazem da própria existência uma passagem para deixar uma marca, uma identidade, uma obra. A ambição não tem de ser o móbil da criação, mas a genialidade é uma arma que a poucos pertence.

James Blake nasceu para seduzir os nossos ouvidos, para encher a alma com uma música melancolicamente cósmica. As suas armas são uma voz angelical, brilhante, e uma capacidade inata de transformar pedaços de sons, maquinalmente trabalhados, em peças de pura filigrana.

Em 2010, com o homónimo “James Blake”, disco que resultou da compilação de três EPs editados em 2010, o músico londrino, também conhecido por Harmonimix, encantou o território da pop de características eletrónicas e arrebatou os corações de quem ouviu “Limit to Your Love”. Mestre da manipulação de sintetizadores, caixas de ritmos, samplers e sequenciadores, Blake juntava a tal panóplia sonora uns pózinhos de Soul e R&B.

O sucesso foi o resultado (in)esperado e a comunidade musical premiou James Blake com nomeações para os Brit Awards, BBC Sound ou Mercury Prize. Em várias entrevistas o multi-instrumentalista e cantor confidenciava que os The XX eram a sua maior influência, mas que tinha a mente uma aberta…

Passados dois anos do lançamento de “James Blake”, “Overgrown” vem confirmar essa mesma abertura e capacidade de evolução. Blake é, sem dúvida, um artista em constante movimento. Ainda que as diferenças entre os seus dois trabalhos não sejam abismais, depois de ouvir “Overgrown” nota-se a capacidade e propósito de expandir ideias, descobrir novos patamares sonoros e caminhos na composição, algo que revela uma confiança necessária para extravasar fronteiras.

Durante a génese de “Overgrown”, um disco que mantém intocável o ambiente dubstep e a coesão sonora do álbum de estreia, o músico trabalhou com gente ilustre como Bjork ou Bon Iver e, estando atentos às músicas deste trabalho, essas influências sentem-se e contribuem como um fator que dá consistência a esta elaborada jornada sonora.

Também a literatura está na base deste disco. O título do mesmo foi resgatado a um poema da norte-americana Emily Dickson, que refere o sentimento de incerteza perante o crescimento de algo novo, de uma matéria que nos ultrapassa e do papel do protagonista perante uma conjuntura olhada com desconfiança. Assim, as linhas de “All overgrown by cunning moss” inspiraram Blake a colocar o dedo na ferida perante a omnipotência da indústria musical e da função do artista enquanto parte de um todo aglutinador.

Para além das artes, algo também inato à música de James Blake é a habilidade de laborar de forma ímpar e suave as influências que traz para dentro da sua bolha musical, trabalhando as mesmas com a ajuda de sintetizadores e afins, aparelhos que possibilitam um movimento ascendente e que são responsáveis por fascinantes e frequentes ruturas sonoras.

Também enquanto cantor, James Blake está mais confiante, mais brilhante. A sua voz sobe e desce com maior confiança e estabilidade, servindo, por vezes, como um instrumento orgânico que destoa do ambiente maquinal e minimal que abraça grande parte do álbum. À semelhança, por exemplo, de Antony Hegarty, a voz de Blake explora e joga com o silêncio de forma sublime.

Apesar desse crescimento, metaforicamente ou não, Blake mantém a humildade e rejeita qualquer ascensão meteórica. Na faixa de abertura, por entre alguns murmúrios e umas pitadas de piano, canta-se: “So, if that is how it is / I don’t want to be a star / But a stone on the shore”.

O jeito peculiar da narrativa de James Blake permite também a possibilidade de juntar a um ambiente desoladamente romântico, onde o piano e as malhas eletrónicas são reis e senhores, apontamentos Hip Hop e partituras dançáveis ou ambientais que podem ser bem secundadas por próteses sintéticas em forma de palmas sincopadas.

Durante a conceção deste trabalho, James confessou ter-se apaixonado e é amor que se sente ao longo dos cerca de 40 minutos de “Overgrown”. A já referida faixa-título é uma belíssima ode ao desprendimento, onde um piano e uma batida suave dão espaço à voz magnífica de Blake. O refrão é de uma beleza desarmante e, até ao final da música, o tempo passa e a harmonia é constante e duradoura.

“Retrograde”, o primeiro single do álbum, é outra belíssima canção que junta piano, uma voz fantasmagórica e as anteriormente palmas sintéticas, conseguindo ser, simultaneamente, íntima e distante, quente e fria. A ansiedade é outro sentimento que se sente em “Overgrown” e “I Am Sold” traz à tona essa particularidade. O baixo é aqui trabalhado de forma exemplar e a voz, em forma de grito mudo, cristaliza a magnificência do momento.

As influências e novas aproximações sonoras estão muito presentes em “Overgrown”. Se “DLM” é uma balada de contornos cinzentos em direção à redenção e, ao jeito de Joni Mitchell (e porque não de Justin Verner?), com um piano dolente, uma voz que canta: “Please don´t let me hurt you more”, “Take a Fall For Me” traz o Hip Hop e a presença de RZA destila considerações sobre as agruras de um matrimónio assombrado. Por mais que pareça estranho, para depois entranhar, esta é uma das canções que mais reforçam o “ecletismo” do segundo LP de James Blake.

A unidade sonora de “Overgrown” cresce a cada audição e as diferentes camadas que compõem este trabalho estão acima de qualquer suspeita enquanto parte do todo. Ainda assim, a segunda metade do disco segue caminhos mais abstratos e reforça as capacidades de Blake enquanto produtor e tecelão de autênticas tapeçarias sonoras repletas de uma emotividade pungente. Exemplo disso é “Digital Lion”, uma colaboração com o mestre da música ambiente, Brain Eno. O resultado são quase cinco minutos de experimentação com break beats, pulsões onde o baixo é levado ao extremo, assim como uma propulsão rítmica assinalável.

As últimas três faixas do disco resultam como a súmula tripartida das novas ideias e charme de James Blake. “Voyeur”, “To the Last” e, especialmente, “Our Love Comes Back” reúnem tonalidades a dois-tempos, uma voz (quase) humana e uma doce melancolia por vezes a puxar um lado timidamente dançável.

Resumidamente, “Overgrown” é um triunfo em toda a escala, mas sem grandes alaridos, hype ou aspirações. É, no fundo, mais um passo seguro no caminho singular de James Blake, um homem que se assume cada vez mais e melhor no papel de talentoso produtor e magnífico cantor e compositor.

Alinhamento:

01.Overgrown
02.I Am Sold
03.Life Round Me
04.Take a Fall for Me (feat. RZA)
05.Retrograde
06.DLM
07.Digital Lion
08.Voyeur
09.To the Last
10.Our Love Comes Back

Classificação do Palco: 8,5/10

In Palco Principal

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