sexta-feira, 12 de abril de 2013

“NUMA MESMA NOITE“
de LEOPOLDO BRIZUELA

Memórias de uma ditadura omnipresente




Vencedor do Prémio Alfaguarra 2012, Leopoldo Brizuela é, atualmente, um dos mais reconhecidos autores sul-americanos. Natural de La Plata, perto da capital argentina, acumula o vício de escrever romances com a colaboração em publicações como o Le Monde, El Pais e a Folha de S. Paulo, sendo também um reconhecido tradutor de nomes internacionais como Henry James ou Eudora Weltry.

No seu percurso académico, Leopoldo Brizuela estudou Literatura na Universidade de La Plata e, com apenas 17 anos, escreveu o primeiro romance, “Tijiendo Agua”, obra que lhe valeu o Prémio Fortabat. Mais tarde, em 1999, voltaria a atingir outro importante galardão literário, desta vez o Prémio Clarín de Romance, com “Una Fábula”.

Entre as suas inúmeras deambulações pela escrita, Brizuela é também um profundo conhecedor da cultura portuguesa, tendo mesmo lançado uma obra poética em 1995 denominada “Fado”. O seu fascínio pela língua de Camões viria a ser premiado quando, em 2001, recebeu uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian de forma a aprofundar o seu conhecimento pela alma lusitana.

Para (com)provarmos o talento do autor argentino, chegou recentemente às livrarias portuguesas “Numa Mesma Noite”, obra que levou o exigente júri do Prémio Alfaguara a atribuir o seu mais alto galardão a este brilhante livro, em 2012, que será distribuído em 19 países cujo castelhano é a língua materna. Por cá, a edição é da responsabilidade da Objectiva, e o mercado nacional tem agora mais uma obra do autor em português depois de “Lisboa, Um Melodrama”.

No que toca às linhas gerais deste romance, estamos perante uma história escrita de forma irrepreensível, que tem na sensação de um desagradável dejá vú o rastilho para uma aventura que evoca fantasmas políticos da história da Argentina durante o último quarto do século XX.

O início do livro leva-nos até uma madrugada de 2010, quando alguém testemunha um assalto a uma casa vizinha. Aparentemente tratava-se de um vulgar roubo mas, na verdade, tal acontecimento foi levado a cabo por um grupo organizado com acesso a segredos bancários, altamente experiente na desativação de alarmes sofisticados, com vários carros a patrulhar a área e com uma unidade forense.

No dia seguinte, em conversa com os vizinhos, Leonardo Diego Brazán, o escritor que de forma involuntária presenciou todo o acontecimento, descobre que os “ladrões” eram, na verdade, agentes policiais, e as vítimas uma família abastada. Vasculhando na memória, Leonardo revive uma experiência semelhante, vivida há 34 anos, e que ele é a única testemunha que pode fazer luz sobre tal bizarra “coincidência”.

Tal acontecimento remonta a 1976, primeiro ano de uma ditadura que viria a assolar o povo argentino e, coincidência ou não, a mesma casa foi tomada de assalto por uma elite policial que procurava Diana Kuperman, uma advogada associada ao Grupo Graiver – uma empresa ligada à banca e indústria – e que foi vítima de tortura psicológica por parte das forças governamentais. Para além do referido castigo, Kuperman foi também delapidada do seu império do qual fazia parte a empresa “Papel Prensa”, fábrica que fornecia a matéria-prima para grande parte da imprensa nacional, devido à intransigência sem escrúpulos de uma figura impiedosa conhecida como ditadura armada.

Na altura, apanhado de surpresa com apenas 13 anos -quando o piano era o seu maior refúgio -, Leonardo, hoje escritor, revive os mesmos acontecimentos mas com a clarividência fornecida pela idade e decide escrever um romance, de forma a delinear uma qualquer justificação que possa explicar a origem de tais eventos. Se durante a década de 1970 o crime caiu num conveniente esquecimento, 34 anos depois a memória ganha vida e, as revelações que advêm da investigação, podem pôr em causa aquilo que existe de mais sagrado, inclusive a própria família.

Será possível que, décadas depois, uma estrutura criminosa resolva fazer renascer os ideais entretanto perdidos no tempo? Como será que a opinião pública reagirá numa conjuntura que reclama justiça com “armas” que a democracia lhe devolveu? Será que um retrocesso ao passado pode reabilitar o presente?

Em jeito de demanda pessoal, Leonardo corre atrás de pistas que vão levar-nos a conhecer labirintos onde a razão perde a batalha face ao poder da brutalidade, da tortura, da difamação, do assassinato, do crime. A memória do escritor assume-se como o maior antídoto contra as organizações mafiosas, que tendem a toldar a realidade à sua medida e necessidade.

Para além de procura elementos que permitam contar uma estória que pula entre o passado e o presente, Leonardo persegue pormenores que tornem possível a sua libertação face a um acontecimento que insiste em residir na sua cabeça.

No fundo, este romance de Leopoldo Brizuela explora de forma exemplar o crescimento de um personagem que assume três papéis fundamentais, sem ordem hierárquica, no desenrolar e culminar da trama: narrador, detetive e vítima. Em “Numa Mesma Noite” ficamos a conhecer os dramas de um cidadão anónimo, que se vê arrastado numa miríade de acontecimentos que apenas poderá ser vencida tendo por base a capacidade para expressar a sua revolta e afastar os fantasmas que a cobardia pode ser sinónimo.

Um livro obrigatório para quem gosta de um thriller inteligente e que cresce de emoção e sentido a cada página, condensando num só registo dois acontecimentos que unem passado e presente numa dicotomia assente na mestria da linguagem peculiar e precisa de Leopoldo Brizuela.

In Rua de Baixo

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