quinta-feira, 11 de abril de 2013

Flamming Lips
“The Terror”

Aventura cósmica no reino experimental



Nascidos em Oklahoma no início da década de 1980, os Flamming Lips são um dos fenómenos mais bizarros do contexto musical do universo audiófilo. O som gerado por Waine Coyne e seus companheiros de luta vagueia entre o psicadélico e o rock, entre a realidade e a ilusão, entre o planeta Terra e o espaço sideral.

Do trio inicialmente formado por um vocalista, um baixista e um guitarrista, e que procurou desesperadamente por alguém que ocupasse a bateria, ficam apenas as memórias e hoje, aquando do lançamento de “The Terror”, o décimo terceiro álbum da banda, encontramos um grupo de cinco pessoas que tentam fazer música sem rede e receios de falhar.

Depois de uma carreira que lembra uma montanha-russa de emoções, desilusões, apontamentos pop e até - espante-se - alguns êxitos comerciais, os Flamming Lips estão hoje muito longe dos rapazes que entraram num episódio da série "Beverly Hills 90210" em 1993 e cantaram “She Don’t Use Jelly”, o maior sucesso comercial do grupo. Mas afinal o que são hoje os Flamming Lips?

Antes deste “The Terror”, o último registo da banda data de 2009. Na época, “Embryonic” representou, de certa forma, um (re)despertar cósmico de Coyne e comparsas que os levava para territórios experimentais e onde a lógica sonora era um mero jogo de espelhos e sonhos destorcidos pelas letras acutilantes do mentor e vocalista da banda. Definitivamente, a banda afastava-se de um “perigoso” enclave de easy-listening erigido por discos como “The Soft Bulletin” (1999) e “Yoshimi Battles the Pink Robots” (2001), sendo que “At War of the Mystics” (2006) funcionou como ponte entre os dois andamentos musicais do grupo de Oklahoma.

“The Terror” pega no que “Embrypnic” deixou e afunda-se num mar de experimentalismos e tensão claustrofóbica, ainda que com uma sonoridade mais aberta. Segundo o líder da banda, estamos perante “uma obra de ambiente retro-futurista sci-fi”. A escuridão é agora totalmente explorada e os Flamming Lips arrastam-se, positivamente, para momentos de depressão maníaca acompanhada por filigranas de desconstrução pop. As letras de Coyne apontam na direção da dor, da perda, sentimento que acompanha o vocalista que se encontra a atravessar um período complicado devido ao divórcio.

Ao longo de pouco menos de uma hora, “The Terror” assemelha-se a uma viagem interior onde cada uma das nove composições do álbum indica caminhos onde o nevoeiro se dissipa através de espelhos maquinais, onde elementos sonoros alicerçados em potentes riffs sintéticos nos guiam por loop’s sem fim.

O exercício auditivo que ”The Terror” abre-nos a mente e, por entre destroços da memória, encontramos pedaços das aventuras lunares dos Pink Floyd, bem como traços minimalistas e utópicos dos futuristas Atoms For Peace. O que se faz ouvir em “The Terror” não é - cremos - um destino em si mesmo mas, pura e simplesmente, um desvio desse caminho.

No que toca ao som do disco propriamente dito, com a produção a ficar novamente à responsabilidade da própria banda como também de Dave Friedmann e Scott Bokker, a faixa de abertura “Look…The Sun is Rising” lembra um lamento maquinal, distorcido eletronicamente, mas com uma melodia sagaz que torna a voz tímida de Coyne numa prece dilacerada pelas guitarras cortantes.

Sendo mais um performer que cantor, facto facilmente comprovado por quem já teve o privilégio de assistir a um devaneio musical ao vivo dos Flamming Lips, Wayne Coyne agarra-se ao microfone em “The Terror” de forma mais segura. Em “Be Free, a Way” a voz do “rapaz da bolha” assume a forma de um canto omnipresente que se estende e ecoa ao longo dos restantes minutos do álbum. A suavidade da música feita ambiente ajuda a preservar as palavras neste que é um dos momentos mais calmos de “The Terror”. O inesperado lirismo das referidas cordas vocais continua o seu trilho em “Try To Explain”, e transforma a composição numa celebração sonora.

Eclético, imprevisível e com uma estrutura em constante movimento e alteração, “The Terror” pisa caminhos que extravasam a linha espaço-temporal. “You Lust” carrega baterias nos sintetizadores, com a ajuda preciosa dos convidados The Phantogram, e o som mágico registado algures na década de 1980 invade a toada experimental e ambiental e de certa forma noise desta faixa. Coyne, sussurra: “Lust to Succeed…”, e os nervos auditivos despertam de um sonho letárgico. A faixa-título continua com a mesma bitola e junta-lhe uma batida sincopada, por vezes assaltada por descargas electrónicas e vozes fantasmagóricas.

A experiência continua com “You Are Alone”, uma malha sonora presa a ecos embrionários, a fazer lembrar os mais recentes tiques sonoros de Thom Yorke. De forma minimalista e muito negra, a música evoluiu para lugares que chamam pelo êxtase da solidão versus presença - uma dicotomia provocada pela abstinência de uma razão plausível.

Ao chegar a “Butterfly, How Long it Takes to Die” a escuridão desvanece um pouco e vislumbra-se uma luz, ainda que ténue. As linhas mais opressivas dão lugar a sons mais luminosos. São estas alterações, estes tiques bipolares, que servem de âncora para acompanhar a oscilação temperamental, ainda que singela, dos estados de espírito existentes em “The Terror”. O final de “Butterfly…” é hipnótico e é sem surpresa que ao mesmo surja colado “Turning Violent”, outro momento onde a inépcia e a apatia encontram réstias de esperança na voz de Coyne. Em segundo plano, os sons misteriosos sobem e descem à medida do desejo dos seus criadores.

O disco termina com “Always There, In Our Hearts”, a faixa que mais se aproxima da sonoridade mais “inacessível” de “Embryonic”. Aqui a bateria e as guitarras assumem o controlo das operações a meio da faixa, acabando com um som loop a fazer lembrar algumas paisagens sonoras de uns The Young Gods mais ambientais.

Depois de quase três décadas dedicadas à música, o núcleo duro dos Flamming Lips tem razões para se sentir satisfeito com o resultado final de “The Terror”, pois este registo mostra uma banda que não perdeu a criatividade e a vontade de se redescobrir. A sonoridade deste disco coloca-o num grupo restrito de trabalhos onde a indefinição propositada é o móbil da criação. Mais uma vez, os Flamming Lips convidam os seus seguidores a deixarem a zona de conforto auditiva, proporcionando uma experiência sonora ímpar onde o experimentalismo e o noise são figuras de proa. Estamos perante um dos mais marcantes ovnis musicais dos últimos anos e que, certamente, vai assumir papel de destaque na já longa discografia de um grupo que teima em abraçar o futuro.

Alinhamento:

01.Look… the Sun Is Rising
02.Bee Free, a Way
03.Try to Explain
04.You Lust
05.The Terror
06.You are Alone
07.Butterfly, How Long it Takes to Die
08.Turning Violent
09.Always There, in Our Hearts

Classificação do Palco: 8/10

In: Palco Principal

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