segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Pixies @ Coliseu dos Recreios

No céu está tudo muito bem 



Noite gorda de sábado. A emoção sentia-se amiúde nas imediações da Rua das Portas de Santo Antão. No regresso dos Pixies à mais mítica sala de espetáculos da capital, mais de duas décadas depois, a emoção de sentir de novo, ou pela primeira vez, a catarse resultante das composições de Black Francis e restante pandilha era palpável.

Reencontravam-se velhos amigos, recordava-se a inesquecível noite de 13 de junho de 1991, falava-se da substituição de Deal por Shattuck, vibrava-se com as jogadas entre Benfica e Sporting. Em grupo e colados às televisões, muitos fãs dos Pixies aqueciam a alma a ver futebol. Cardozo dava asas ao Benfica, o Sporting respondia de bola parada.

Dentro do Coliseu, a atuação dos britânicos AAAK (As Able As Kane) aquecia os já muitos que se encontravam na plateia e, durante cerca de meia hora, sentiu-se na pele um som pujante, feito de uma súmula de camadas industriais com laivos góticos, tal como aconteceu há 22 anos, sendo que na altura a honra coube aos Killing Joke.

A atuação dos Pixies estava marcada para perto das 22h00 e as incidências do derbi mantinham as hostes atentas. O Sporting empatava perto do fim. Prolongamento. A massa dispersava. Aproximava-se outro jogo mas com toadas rock and roll.

Com a sala a abarrotar, sentia-se, acreditem, um calor semelhante ao vivido em junho de 1991. A expetativa crescia e os mais de três mil presentes ansiavam pelos músicos. Até que as luzes se apagaram e soaram palmas e gritos. Instantes depois, Black Francis, Joey Santiago, David Lovering e Kim Shattuck ocupavam os seus lugares, com “Planet Of Sound” a ser o rastilho para quase duas horas de emoções fortes que, sem paragens, transportaram os fãs dos Pixies para um espaço sideral próprio.

Mais de trinta canções, muito suor em palco e grande entrega na plateia. Se o concerto começou com a revisitação a “Trompe Le Monde”, “Cactus” seria a primeira incursão a “Surfer Rosa”. Lovering dava o mote na bateria e o baixo da “nova Kim" soava seguro. A seguir, o groove de “BagBoy”, muito bem recebido, diga-se, resultou na composição mais longa de uma noite que revelou uma plateia ainda compreensivelmente menos ligada aos temas do mais recente EP da banda, com a performance de “What Goes Boom” a observar uma resposta passiva por parte dos milhares presentes.

O motim regressou com “Wave of Mutilation”, que viu a sua poesia ser entoada em coro por um público rendido à mestria dos seus ídolos. “Magdalena” e “Silver Snail”, esta última habitualmente interpretada por Frank Black, envolveram o Coliseu em alguma letargia, sentimento esse quebrado por mais uma das grandes faixas de “Trompe le Monde”. Falamos de “Alec Eiffel”, que encontrou dignos sucessores na excelente interpretação de “Broken Face” e “Debaser”. Nas filas da frente a agitação dava a origem curtos momentos de mosh e um pouco por toda a sala a massa saltava.

“Tony’s Theme” trouxe à memória a fantástica intro de Deal, mas Shattuck aguentou-se muito bem. “I Bleed”, “Brick is Red” e “Break my Body” continuaram a festa e Black Francis estava agora em formato acústico. “Here Comes Your Man”, uma das músicas que mais marcou uma geração que encontrou nos Pixies a banda da sua vida levou o Coliseu à loucura e as milhares de vozes presentes entoavam em coro a letra da canção.

“Indie Cindy”, mais uma de “EP1”, revelou-se um bonito exercício de “spoken word” dolente e as palavras ditas por Black Francis em forma de agradecimento aos seus fãs de sempre encheram a alma de todos. As toadas surf da banda de Boston davam, depois, lugar a ambientes mais intimistas e freak, raptados a David Lynchl, e “In Heaven (The Lady in the Radiator Song)” fazia uma viagem a um céu harmonioso.

Depois de momentos menos intensos ao som de “Andro Queen”, “Bone Machine” e a densa e escura “Subbacultcha” fizeram sentir a presença acutilante do baixo que, a par das batidas de Lovering e das cordas corrosivas, atingia o público em cheio. Sem demoras, “Monkey Gone to Heaven”, talvez o maior dos hits dos Pixies, fez a habitual e frenética matemática entre o Homem, o diabo e Deus, com a vitória deste último. As gargantas afinadas cantavam em uníssono. Sem tréguas, “Crackity Jones” - estranhamente, ou não, foi indiscutivelmente um dos momentos altos da noite – incendiou ainda mais o Coliseu que, já entregue de corpo e alma, recebeu “U-Mass” e “I’ve Been Tired” com a devida vénia. O ambiente sobe de intensidade e os rebeldes “Tame” e “The Sad Punk” antecedem “Ed id Dead”, cantado por todos de forma vibrante e emotiva.

A entrega demonstrada na plateia era bem recebida, e sentida, pelo quarteto que ocupava o palco. Com um empate emotivo entre banda e público, “Nimrod’s Son”, envolto pela mestria de Santiago, e o ato hedonista de “The Holiday Song” transportaram todos para “Come on Pilgrim”. Cheirava a prolongamento mas, antes da curta recolha ao balneário, “Where is my Mind”, provavelmente o momento mais bonito do concerto, colocou o ambiente ainda mais ao rubro.

O regresso ao palco, ainda com o público a entoar os ecos da última canção, fez-se com mais três grandes interpretações e “Hey”, “Caribou” e a maravilhosa “Gounge Away” formaram o feliz desfecho de um concerto, por certo, memorável. À saída, os semblantes revelavam pessoas satisfeitas, de alma cheia, num céu particular.

In Palco Principal

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