sexta-feira, 8 de novembro de 2013

“BEYOND: DUAS ALMAS”
PS3

Uma experiência transcendente



Muito já se falou sobre a mais recente aposta em forma de videojogo por parte da Quantic Dream. É um jogo-filme, um filme jogado ou algo que reúna vários conceitos? “Beyond: Duas Almas” está no centro de muitas discussões sobre o futuro das consolas para mais quando se aproximam de forma ameaçadoramente desafiante as novas PS4 e Xbox One.

Depois de termos o privilégio de testar algumas partes do jogo no verão que recentemente nos deixou e confirmar a excelência desta nova criação de David Cage na sua apresentação oficial, era chegada a hora de colocar o blu-ray na consola. Ainda com os ecos de alguma saudade do seminal “Heavy Rain” na mente é preciso receber “Beyond: Duas Almas” de braços abertos e deixar a trama fluir.

Sabemos de antemão que Cage confere várias camadas de emoção às suas criações e a expectativa que “Beyond: Duas Almas” está a gerar poderia tornar as aventuras de Jodie Holmes e Aiden em fogo-fátuo, por isso toda a atenção é necessária. Não tendo o objetivo de agradar a gregos e troianos, o mínimo que se exigia era um decente “herdeiro” de “Heavy Rain” ainda que com algumas diferenças de forma e conteúdo. Vamos jogar?

E é pelas diferenças com “Heavy Rain” que começa a desenhar-se o ADN de “Beyond: Duas Almas”. Em vez de quatro personagens do jogo criado em 2010 são duas as “vidas” que agora controlamos. Se por um lado assumimos a pele de Jodie Holmes, magnificamente interpretada pela atriz Helen Page, do outro temos o controlo de Aiden, uma entidade paranormal que faz dupla com Holmes e é da dicotomia entre estes dois “bonecos” que se situa a alma do jogo.

A ligação entre Jodie e Aiden faz com que o jogador assuma o controlo destas duas personagens consoante a ação decorrente e enquanto Aiden não se espante se “conseguir” mexer objetos de forma telepática, curar feridas, possuir personagens ou entrar nas memórias de pessoas mortas.



O início da aventura coloca-nos perante um grandioso quebra-cabeças que apenas o decorrer das horas de jogo vai esclarecer. Jodie tenta reunir peças da sua memória que permitam construir um fio condutor à sua existência ainda que a cronologia seja pouco linear. Se num momento estamos a ver Jodie enquanto menina de tenra idade (logo nos primeiros momentos de gameplay) depois podemos ter Holmes como uma adulta repleta de fantasmas e pronta para a ação. Alvo de testes por parte do Professor Nathan Dawkins (um Willem Dafoe quase de carne de osso), Jodie passou grande parte da sua infância sob experiências no Departamento de Atividades Paranormais e torna-se numa adolescente repleta de angústias que tenta libertar-se dos muros impostos pela presença em laboratório.

À medida que a narrativa é apresentada, nós, enquanto jogadores, fazemos parte dessa “ficção interativa”, definição usada por Cage que melhor representa “Beyond: Duas Almas”. Apesar de a atmosfera ser realmente impressionante em muitos episódios o jogador tem uma presença muito passiva pois ocasionalmente somos convidados a pressionar um comando, fazer uma sequência de operações, algo que se torna mais atrativo quando é Aiden que assume o papel principal. Apesar desse senão, a mecânica do jogo remete para a ação de “Heavy Rain” e a sensação de deja vu de algumas cenas é evidente.

Em determinadas fases do jogo, pensamos, pedia-se uma maior intervenção do jogador na ação. Ainda que essas decisões possam personalizar o desenrolar da aventura, a maravilhosa tela de “Beyond: Duas Almas” exigia maior entrega de quem tem o comando na mão. Por vezes perdemos a noção que estamos num jogo e damos por nós a assistir a um filme interativo apenas quebrado pelos ocasionais “quick-time events” e escolhas de diálogo. Senhor Cage, nós queríamos jogar mais…

Essa sensação cresce ainda mais depois de sentirmos a adrenalina de estar em cima de um jeep na Somália ou a descer uma floresta a ritmo alucinante. Com um motor gráfico assombroso e novas formas de controlo do personagem apetece ser Jodie enquanto agente rebelde ou sentir a emoção de percorrer corredores na penumbra por muito mais tempo. Será pedir demais? Num mundo em que os contextos estão intrinsecamente ligados aos sentidos ser Jodie ou Aiden liberta a alma…ou as duas.



E já que falamos em Aiden não podemos deixar de referir o divertimento que é vestir a sua “pele” sendo este personagem um dos grandes trunfos de “Beyond: Duas Almas”. Basta apenas carregar num botão para saltar entre Jodie e Aiden e quando podemos passar entre portas e muros e interagir com o cenário a grandiosidade deste jogo aumenta consideravelmente. Outra das principais características de Aiden é a possibilidade de conseguir possuir corpos alheios e com eles resolver uma complicada situação e prosseguir com a narrativa que evolui à medida das nossas decisões e aqui aplica-se, como nunca, a noção ação-consequência pois diferentes interpretações do cenário de jogo resultam em conclusões díspares. Com isso “Beyond: Duas Almas” ganha vida própria pois dificilmente dois jogadores conseguiram repetir uma mesma cadência narrativa.

Ainda que este jogo posso envolver sobremaneira o jogador, existem algumas questões que surgem à medida que as horas passam. A já referida cadência passiva de algumas cenas levam a questionar se, de facto, “Beyond: Duas Almas” é apenas e só um jogo. Com tais momentos contemplativos na ação é legítimo pensar se a Quantic Dream não deveria ter apostado mais no que toca à participação ativa do jogador. A envolvência emocional está lá mas a estória inventada por Cage fica aquém da tão falada intervenção do jogador.

Mas se podemos apontar pequenas questões no que toca ao evoluir da narrativa, no que diz respeito à questão gráfica façamos a devida vénia ao pessoal da Quantic Dream. Nota-se a clara intenção de colocar o jogador no centro de uma aventura “cinematográfica” e nesse aspeto “Beyond: Duas Almas” não tem até hoje, em nossa opinião, rival à altura. O ambiente revela uma tensão ímpar e a ambição de conseguir um jogo a roçar a realidade foi bem conseguida com uma captura de movimento realmente assombrosa e competente principalmente no que toca à presença de Jodie e Nathan, personagens maravilhosamente fidedignas em termos de expressão facial aos seus modelos humanos. Essa aproximação já não acontece com as restantes presenças que ainda assim não desiludem. “Beyond: Dual Almas” é, sem dúvida, um marco e assume-se como um dos mais belos jogos no que aos gráficos diz respeito e será uma referência no que toca à futura geração de videojogos.

No fundo, estamos perante um jogo que se encontra num patamar diferente e tal como aconteceu com “Heavy Rain”, Dave Cage e a Quantic Dream estão de parabéns pois criaram uma das melhores experiências emocionais no mundo das consolas e o desafio que “Beyond: Duas Almas” coloca é saber até que ponto poderá fazer-se algo melhor nos tempos que se aproximam. Cage colocou a fasquia demasiado alta e tem todo o mérito. Também inovadora é a ideia do gameplay deste jogo que permite uma relação intuitiva entre ação/consequência e tal resulta que o decorrer da própria narrativa está nas mãos do jogador pois as decisões perante determinados momentos-chave alteraram o curso dos acontecimentos dando a possibilidade de existirem cerca de duas dezenas de “finais” possíveis. Mais, em “Beyond: Duas Almas” não existe uma noção de “gameover” pois a ideia é garantir continuidade e ação. Seja em modo “solo” ou “duo”, em consola ou através de um sistema Iphone ou Android, “Beyond: Duas Almas” é sinónimo de pura diversão e entretenimento.

Uma nota para a fantástica versão na língua de Camões onde as vozes dos atores Rogério Samora (Nathan Dawkins), Joana Santos (Jodie), Ricardo Pereira (Ray Clayton) e Rui Unas (Cole Freeman) abrilhantam o contexto já de sim muito competente.

Feitas as contas, “Beyond: Duas Almas” vai por certo configurar nas listas dos melhores do ano e quem já o jogou pode comprovar toda a sua magia, seja ela humana ou de um qualquer outro mundo paralelo.

In Rua de Baixo

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