sexta-feira, 30 de maio de 2014

Ólafur Arnalds & Rodrigo Leão @ CCB

Harmonia em tons neoclássicos



Quem conhece a música de Ólafur Arnalds e Rodrigo Leão, encontra diversos pontos de contacto entre os compositores. Se o islandês é um dos maiores nomes do movimento neoclássico, Leão faz a ponte entre a referida sonoridade e uma espécie de ritual sonoro que funde música erudita com um pouco de pop de arranjos clássicos, cuja súmula resulta em exercícios sonoros repletos de elementos oníricos. Ambos os músicos abordam a linguagem musical através de uma atmosfera que roça o contemplativo, cujo contexto assenta que nem uma luva no espetro do formato banda sonora, género para o qual são muito solicitados.

Foi um bem-disposto Ólafur Arnalds que abriu uma noite de sala praticamente esgotada e, tal como é habitual, no início dos seus concertos, o islandês pediu ao público para cantar. O objetivo é captar o registo sonoro de algumas notas soltas pelas gargantas da audiência, que depois são captadas pelo seu “preguiçoso” computador, que, com a ajuda do precioso “Mr. Jobs”, as transforma num interessante loop, que acompanha algumas das suas composições.

E foi na companhia desse registo que Arnalds tocou as primeiras notas de um piano que tem o condão de enfeitiçar quem o ouve. “Pú ert Sólin” e “Pú ert Joroin”, duas composições de “…and they have escape the weight of darkness”, abriram um concerto que seria divido pelo magnífico talento dos dois músicos, que se fizeram acompanhar de alguns convidados, nomeadamente um quarteto composto por dois violinos, uma viola de arco e um violoncelo, e duas maravilhosas vozes.

Grande parte de atuação de Ólafur Arnalds recaiu no reportório do recente “For Now I Am Winter”, um disco de beleza ímpar que é composto por peças musicais que fazem o tempo parar, fazem a vida ficar fora do seu eixo, para dar lugar a um reino onde é a beleza musical que reina. Fruto de um jogo entre piano, cordas, salpicos ambientais electro-pop, “Only the Winds” enche a atmosfera do Grande Auditório do CCB e todas as almas serenam entre o silêncio e a melodia em forma de sussurro. As palmas exteriorizam os batimentos cardíacos da uma audiência rendida ao talento de Ólafur Arnalds, que chamaria ao palco o seu amigo e camarada de estúdio e estrada, Arnor Dan. A música dá espaço à voz e “For Now I Am the Winter” é sinónimo de uma simbiose celestial entre matéria orgânica e máquina. Comparativamente com o registo de estúdio, a interpretação de Arnalds e Dan torna-se mais humana e timidamente crua.

O fascinante falsete de Arnor Dan jura fiel matrimónio à música de Arnalds e “A Sutter”, composição ironicamente apresentada pelo multi-instrumentalista islandês como uma tentativa de participação num festival da Eurovisão, assume-se como uma chuva refrescante em dia de verão. A perfeição é uma definição aceitável quando se trata da música feita por esta dupla, que teve em “Old Skin”, também resgatado de “For Now I Am the Winter”, um dos momentos mais emocionantes da noite.

Arnor abandona o palco mas a harmonia teima em permanecer intocável. “Near Light” continua a espalhar notas neoclássicas de bom gosto, na companhia de pitadas eletrónicas servidas em camadas suaves.
Cientes da excelente ementa musical servida pelo compositor islandês, Rodrigo Leão e Celina da Piedade juntam-se ao cardápio. A entrada é servida com “Tomorrow’s Song”, de “Living Room Songs”, com Leão a assumir também as teclas e com o acordeão de Celina da Piedade a sublinhar o panorama geral. Antes de sair momentaneamente do palco, Arnalds tocou a desarmante “Ljósio”, um tema que remete para “Found Songs”, registo de 2009.

Agora dono do palco, Rodrigo Leão começa a sua atuação com uma das canções mais emblemáticas da sua carreira, ainda ao serviço dessa experiência ímpar que foram os Madredeus. “As Ilhas dos Açores” invadem a atmosfera de forma solene, através de um lamento nostálgico, para logo a seguir darem lugar a “À Espera de Sofia” e “Histórias”.

“White House’s Waltz”, que faz parte da banda sonora de “The Butler”, enche a sala do CCB de motivos valsantes, onde os violinos marcam o compasso. O resultado são muitos aplausos. A seguir surge “Espiral II”, envolta de um espirito mais dinâmico, e traz à memória o universo musical de Wim Mertens.

Por falar em memória, Rodrigo Leão não esqueceu os primeiros tempos da sua carreira a solo e, na companhia da maravilhosa voz da soprano Ângela Silva, fez a plateia recuar até a “Alma Mater” e “Ave Mundi Luminari”. Seria a lírica e épica “Carpe Diem” a abrir esta sequência de quatro temas, que tiveram seguimento com “Imortal”, “Ave Mundi” e “Ascensão”.

O regresso ao palco de Ólafur Arnalds deu lugar a mais dois temas, com “Mar Estranho” e “Slower” a confirmarem o entrosamento musical entre os músicos, através de um belíssimo diálogo a quatro mãos.
Com o encore, ainda houve tempo para mais dois temas. Primeiro, sozinho em palco, Arnalds foi responsável por um dos momentos mais intimistas da noite. “Lag Fyrir Ommu”, canção dedicada à sua avó, musa inspiradora e fã incondicional de Chopin, foi sinónimo de momentos de inebriante beleza. Depois, a fechar uma excelente noite, com toda a gente em palco, Arnor Dan cantou “Spleepless Heart”, de Rodrigo Leão, uma composição que encerrou de forma brilhante um concerto memorável.

In Palco Principal

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