quarta-feira, 21 de maio de 2014

“Ela Está de Partida”
de Emmanuelle Bercot

Avante com a vida!



Corria o ano de 2001 quando Emmanuelle Bercot encarnou na tela o papel de Marion em “Clément”, acumulando essa interpretação com a função de realizadora. Ainda que tal não fosse a sua primeira experiência de direção (a sua estreia remonta a 1999 com “It All Starts Today”) “Clément” tornou Bercot como uma nova promessa do cinema francês.

Treze anos e cinco filmes depois, a atriz e realizadora oferece-nos “Ela Está de Partida”, um filme que tem como principal protagonista a eternamente bela Catherine Deneuve que assume o papel de Bettie, uma sexagenária proprietária de um restaurante e ex-Miss Bretanha, à beira da falência financeira e emocional.

Filme que integrou a seleção oficial do Festival de Berlim, obteve nomeações para Melhor Atriz e Melhor Ator Revelação nos Prémio César assim como para Melhor Filme no Festival Loius Delluc, “Ela está de Partida” é uma espécie de road-movie no feminino, versão Thelma sem Louise, envolto de uma toada trágico-cómica e repleto de personagens em busca de redenção e de reconciliação familiar e afetiva, ainda que não o admitam.

Bercot pensou “Ela Está de Partida” tendo em conta Bettie e a personagem encarnada por Deneuve consegue ser o centro das atenções – dentro de um elenco que acolhe alguns amadores e não-atores – de uma forma suave e gentil que apenas é possível depois de décadas à frente de uma câmara. E é essa mulher, que a vida deixou marcas profundas no coração, que se encontra numa encruzilhada emocional.

Um dia, Bettie sabe através da sua mãe, que o Homem que ama a abandonou. Desta relação complicada (Bettie é, era, amante do marido da mulher que era amante do seu marido) resultam mais desilusões, frustrações, antigos medos. Ainda que viva confortavelmente em casa de sua mãe, no andar de cima do restaurante das duas, Bettie reabre feridas. Estranhamente, ou não, o seu único consolo são os cigarros, vício que tinha interrompido.

Os laços familiares desta mulher que já foi Miss Bretanha, resumem-se à sua mãe pois a relação com a sua filha é um ato irremediavelmente falhado. A tristeza apodera-se de Bettie que de forma a escapar de um quotidiano que a estrangula, abandona o restaurante a meio de um dia e depois de um “já volto”, inicia a mais decisiva viagem da sua vida.

O início da mesma, a bordo do seu carro, é um dos momentos mais bonitos do filme ao qual não é de todo alheia a banda sonora que faz nesse momento brilhar a música de Rufus Wainwright. Bettie deixa tudo e todos, sem aviso e, metaforicamente, abandona a urbanidade embrenhando-se na bonita paisagem rural de França.

Para trás fica o restaurante, a mãe, o amante, a vida tal como ela era. O futuro é incerto, à base de um cigarro que teima em ser um consolo difícil de ser encontrado e apenas uma chamada telefónica da sua filha Muriel (bem interpretada pela cantora Camille) a leva a pensar numa nova rota. Charly (o excelente Nemo Schiffman), neto de Bettie e filho de Muriel, tem de ser entregue ao avô paterno pois a sua mãe sai em busca de emprego.

Os dados estão assim lançados e Bettie, que entretanto evita a tudo o custo reunir-se com as antigas Miss regionais de França de 1969 para participar na elaboração de um calendário, vê-se assim na companhia de um pequeno “estranho” que é o seu neto. É a partir do momento em que se juntam neto e avó que o filme de Bercot começa a ganhar consistência e um fio condutor pois até ai os minutos vão passando e ao espectador está reservado o papel de alguém que tenta juntar peças de um puzzle algo obtuso que busca, a espaços, fazer a dicotomia entre a juventude e a velhice e o choque geracional “triangular” entre Bettie, a sua mãe e filha.

Para trás ficam minutos que revelam uma personagem sem destino, propensa a encontros fugazes e que tem no ombro desconhecido a melhor forma de exorcizar fantasmas. Nesses momentos, a realizadora “ilude” o espetador com uma câmara que procura algum dinamismo a partir de uma subjetividade propositadamente “tosca” ou com a ajuda de grandes planos (excessivos?) que devassam a intimidade de Bettie ainda que é sempre um deleite olhar para um ecrã completamente preenchido pelo (ainda) doce semblante da “bela de dia”.

Felizmente que a segunda metade do filme consegue dar mais alguma chama a este filme e no final a sensação é de um confortável dever cumprido por parte de Emanuelle Bercot mas ainda assim um pouco tirado a ferros tal como a esperança e a felicidade finalmente conseguida por alguns dos personagens.

In Rua de Baixo

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