terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Doki-Doki Universe
PS Vita

Coração de robot



Elevadas doses de originalidade, um argumento assente na resolução de puzzles, um competente grafismo naif e uma filosofia simples de gameplay que afasta para longe qualquer tipo de conflitos primados pela violência. Eis alguns dos principais predicados de Doki-Doki Universe, um jogo transversal para as várias plataformas Sony com assinatura HumaNature Studios e que encanta através de um minimalismo desarmante e empatia desde os primeiros instantes.

O (anti)herói desta demanda é QT3 um robot que procura conhecer a felicidade através de um profundo autoconhecimento. Votado à solidão, QT3 tenta evitar uma eventual reprogramação e para isso tem de descobrir na sua alma maquinal laivos de uma humanidade latente e emergente. A tarefa não é fácil mas a esperança acompanha as várias camadas de lata de QT3 que decide explorar o universo, visitar vários planetas, ajudar camaradas de viagem a resolver os seus problemas e com isso aprender sobre o confuso comportamento do funcionamento da “máquina” humana.

Assente num perfil gráfico que aposta numa estética “ingénua”, Doki-Doki Universe tem uma narrativa deveras imaginativa que mistura simplicidade e alguma bizarria. Cada viagem planetária revela um destino diferente, com propósitos díspares e não se surpreendam se em alguns desses locais sejam os humanos a assumir o papel de “animais domésticos” e o seu grande líder seja uma capivara ou o cenário ser uma lixeira intergaláctica onde os dejetos assumem as mais diferentes formas e…cheiros. Desconfortos e imagens orwellianas à parte, cada planeta que QT3 visita é sinónimo de surpresa e superação.

Na grande maioria das vezes os cenários de Doki-Doki Universe associam-se a ideais simplistas e inocentes sendo que em alguns momentos é difícil não fazer a comparação com o imaginário cartoon que desagua em analogias de lugares reais. Um desses exemplos é “Afri”, um local cósmico cujos habitantes de tonalidades epidérmicas escuras se deixam enfeitiçar pela “magia” que a tecnologia pode oferecer. Nesse local a tarefa de QT3 resume-se a retirar um nativo da solidão. Por vezes metaforicamente absurdo, esta criação da HumaNature Studios tem o condão de explorar alguns filões cujo dramatismo está intrinsecamente associado às falências da existência não robotizável.



A essência da resolução dos dilemas encontrados por QT3 centra-se no diálogo e na procura da identidade alheia. Assim, no gameplay, a interação com os muitos personagens faz-se com um simples toque no mesmo (falamos do ambiente PS Vita) que depois abre um menu privado tripartido que permite ver os itens associados à personagem, dialogar com ela ou ver os seus troféus. As conversas são feitas através de balões de diálogo à moda da BD e a voz dos personagens lembra os adultos de Charlie Brown. Os referidos ícones (adicionáveis ao menu da “nuvem”) podem ser ganhos depois de ultrapassar os desafios em forma de puzzle e existem cerca de três centenas. Quando se assume que QT3 terminou a sua tarefa, quer explorar o restante universo ou matar saudades do seu planeta, basta tocar no nosso querido robot e subir a bordo de um simpático porquinho alado.

Tal como a simplicidade que ecoa na sua banda sonora, a jogabilidade de Doki-Doki Universe é extremamente acessível ainda que por vezes se possa tornar algo monótona. Ainda assim, mais que uma mera exploração de dificuldade, estamos perante um ambiente que assenta na criatividade e imaginação dessa mesma jogabilidade. Ora vejamos, é necessário animar uma derretida boneca de neve entretanto teleportada para longe do seu planeta? Basta procurar algo gelado. Um camelo do planeta Faraó gosta de coisas bonitas, então, num impulso, oferecemos-lhe flores. Se quiser divertir-se e procurar conhecer melhor os gostos dos seus amigos ocasionais explore os inúmeros itens e enfeite o cenário com, por exemplo, meninas a andar de baloiço ou decore a paisagem com vedações, muros, casas, candeeiros. Mas atenção, existem alguns personagens bastante exigentes mesmo que o capricho seja a obtenção de uma simples galinha.

Para conseguir completar as missões é preciso ganhar itens e podemos ter acesso a eles através de prendas oferecidas pelos personagens. Para isso existem duas formas de o fazer. Ou conquistamos a sua simpatia ou deixamos os mesmos em estado de fúria. Seja qual for o objetivo é muito fácil, acreditem, deixar-nos enfeitiçar pelo perfil de algumas das criaturas do universo de Doki-Doki – que em japonês é uma onomatopeia que significa o bater do coração – e por momentos sentimos uma ligação aos mesmos através das tentativas de os agradar…ou não.

As constantes viagens feitas através do “Space Map” permitem empreender visitas recorrentes a alguns planetas assim como levar QT3 a conhecer asteroides que revelam personagens que têm a particularidade de envolver-nos em intrincados questionários que podem ajudar a definir traços da personalidade do jogador. As surpresas são muitas e os divertidos resultados remetem-nos para um mundo de bipolaridades várias. Acima de tudo, Doki-Doki Universe dá um valente pontapé na lógica.



Os resultados desta demanda são analisados através de relatórios elaborados pelo Dr. Psicanalista, um terapeuta que tem a tarefa de verificar se QT3 está a conseguir desenvolver os seus níveis de humanidade. Esses relatórios baseiam-se nos resultados do gameplay e na constante evolução da personalidade do robot construída por uma corrente ação-consequência assim como através do conhecimento que apenas a experiência permite.

Outro dos trunfos deste jogo é a sua interatividade. A meio de um qualquer cenário ousem testar o painel traseiro da Vita e fazer deliciosos “tilts”, ensaiar deliciosos acenos de adeus ou mandar beijinhos soprados. Alguns destes truques são feitos com o simultâneo auxílio do joystick direito sendo que o seu análogo canhoto serve para direcionar o simpático QT3. Também no que toca à interatividade, Doki-Doki Universe permite receber mensagens dos outros personagens ou fazer ligações ao Facebook e enviar mensagens animadas com a mesma ferramenta. Para tal cliquem no ícone do “envelope”. A possibilidade de fazer cross-save entre as várias plataformas Sony é outro atrativo deste jogo.

Inocente e arrebatador, Doki-Doki Universe foi feito para a criança dentro de cada um de nós. Com um elenco maravilhoso e aventuras ligeiras muito bem pensadas é adorável a tarefa de conferir humanidade a um robot que tem num balão vermelho o seu melhor companheiro. Ainda que existam alguns senão em termos técnicos tais questões são secundárias face ao prazer que retiramos ao tomar a pele de QT3. Evitemos a sucata e sigamos o Alien Jeff através de uma galáxia hilariante. Para isso basta dar um pulinho à PlayStationStore. Vamos?

In Rua de Baixo

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