quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

“O inverno de Frankie Machine”
de Don Winslow

As sete vidas do homem do isco



Ex-detetive privado e autor de romances como “Selvagens”, o nova-iorquino Don Winslow regressa aos escaparates com “O inverno de Frankie Machine” (Porto Editora, 2014), um magnífico thriller repleto de ação e recheado de personagens donas de um perfil apaixonante, com natural destaque para Frank Macchianno.

A primeira frase do livro é disso sintomática. Nela, Frank Machainno afirma: “Dá muito trabalho ser eu.” Esse pensamento irá acompanhar o multifacetado personagem ao longo das páginas de um romance que se lê de forma apaixonada e compulsiva.

Apesar de estar a viver os sessenta, Frank Macchianno – conhecido por muitos como Frankie Machine devido às qualidades de atirador de elite – não sente muito o peso da idade, dividindo o tempo por várias atividades – entre elas é conhecido por fornecer o isco na Praia de San Diego, local onde é um fervoroso adepto da Gentlemen’s Hour, um importante ritual surfista.

Trabalhador empenhado desde que a sua filha Jill lhe transmitiu que entrara para Medicina, Frank canalizou ainda mais as suas forças para conseguir dar um futuro condigno à sua única herdeira, fruto da atribulada e omnipresente relação com Patty, sua ex-mulher. Pagar as contas sempre foi a maior demanda para Macchianno.

Mas, entre os seus ofícios, Frank tem um que lhe faz valer sobremaneira a alcunha. Machine é um nome respeitado e temido entre a Máfia local. Ainda que se tenha afastado do negócio há alguns anos, Frank acaba por aceitar voltar uma vez mais ao ativo depois de um boss local pedir ajuda para o seu filho. No entanto, as coisas não são bem o que aparentam e num instante o caçador assume o papel de presa. Num ápice, Macchianno veste o papel de Machine e volta a enfrentar velhos inimigos, amigos, novas “éticas” dentro da Máfia e uma geração sedenta de poder que faz de tudo para subir na família.

Um dos grandes escritores de thrillers cujo enredo envolva o crime e associações mafiosas, Don Winslow começou por se aventurar em séries em nome próprio como “Neal Carey” e “Bonnie Daniels” e, aos poucos e de forma sólida, começou a ombrear com nomes como Dennis Lehane ou Geroge Pelecanos.

Em “O inverno de Frankie Machine”, Winslow transporta o leitor para os cenários quentes de San Diego e da cultura surfista, através de um personagem ímpar como Frank Macchianno, um ser humano à prova de provações várias que se refugia numa fortaleza mental e ética, fomentada através da sua experiência como fuzileiro, veterano do Vietname, “homem de mão” e sniper ao serviço da Máfia, vendedor de peixe, figura social local, fã de ópera e pai. Herói para uns, o diabo para outros, Frankie é uma criação fascinante.

Ainda que estejamos perante um romance vivido a “contrarrelógio”, Winslow (re)constrói a história de Machine através do recurso a múltiplos flashbacks que fornecem as peças que faltam a este puzzle, onde o crime é vulgar e banalizado. Ainda que não esconda a sua costela de gangster, Machine vivia essa “tarefa” através de uma ética própria, e não são raras as vezes que confessa a desilusão que sente ao ser confrontado com os meandros mais escuros do crime organizado, seja ela fora da lei ou “legal”.

Essa sua inolvidável experiência fez Frank viver os altos e baixos das últimas décadas de um país condenado à corrupção, com particular destaque para a cena de Las Vegas durante as décadas de 1970 e 1980. Essa riqueza contextual e a magnífica capacidade de Don Winslow em transpor para o papel a violência inata ao mundo da Máfia, torna “O inverno de Frankie Machine” num romance de corpo e alma e consegue, com distinção, afastar-se da banalidade, assumindo-se como um portentoso romance onde o crime é quem mais ordena.

In Rua de Baixo

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