quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Trêsporcento
“Lotação 136”

Cascatas fluídas de grandes canções



Segundo a banda, foi “Espero”, faixa incluída em “Hora Extraordinária”, e “Quadro” que motivou a banda a fazer aquilo que, esperavam, ser um disco ao vivo, um registo que aglutinasse a evolução sonora dos Trêsporcento assim como a empatia que existe entre a sua música, a arte de a tocar e a cumplicidade que a mesma confere quando exibida ao vivo.

Assim nasceu “Lotação 136”, um disco que guarda para todo o sempre o espetáculo dado por Tiago Esteves, Lourenço Cordeiro, Pedro Pedro, Salvador Carvalho e António Moura na Sala Vermelha do Teatro Aberto, em Lisboa, a 25 de maio de 2103, e que ganhou a graça devido ao número de pessoas que encheram o referido espaço.

A jogar em casa, o quinteto alfacinha conseguiu, para além de dar um excelente concerto, fazer a súmula sonora dos seus oito anos de existência e dizer presente através de uma vincada veia indie com pitadas de new wave que convidam a abanar corpo e alma. As guitarras, soltas, são uma constância na música dos Trêsporcento, que têm a inteligência de colorir o seu espetro com um interessante e competente diálogo entre um baixo omnipresente e uma bateria que sabem tornar ainda mais compacta a ambiência da banda.

Exemplo desse excelente exercício musical é a faixa de abertura. “Lotação 136”, composição homónima do disco em causa, é um potente instrumental, sinónimo da democracia sonora que tece a filosofia dos Trêsporcento. Se o feedback inicial pode auspiciar uma ditadura das cordas, a entrada da bateria aponta para um ecletismo, aqui e ali dançável e doce. Essa sacarose, bem vincada e saborosa, tem seguimento com “És mais sede”, retirada de “Quadro”, uma composição subtil que cresce e ganha consistência com algum “quebrante” poético e musical. A voz de Tiago Esteves assenta que nem uma luva no ADN da banda que, como reza a letra, “tem lugar no nosso coração”.

Um dos momentos mais fortes de “Lotação 136” é “Cascatas”, um verdadeiro hino pop assente numa linha de baixo de assinalável beleza que vicia logo à primeira audição. Ouvem-se saudosos ecos dos anos 1980 e é impossível resistir ao natural impulso de sacudir o corpo. Mais densa e, podemos dizer, “pesada” que que o registo em estúdio, “Cascata” é outra nota evidente da qualidade e evolução dos Trêsporcento.

A seguir, sem esquecer raízes e camaradas de luta, os Trêsporcento fazem uma soberba versão de “Grande mentiroso”, um original dos Capitão Capitão, que se revela envolta de uma deliberada contenção que liberta energias várias, todas elas positivas, nos momentos certos. Os diálogos entre guitarras são eficazes enquanto baixo e bateria levam a música mais longe. Depois, “Genes” começa num tom mais sussurrado e interior para, aos poucos, evidenciar a luz característica do quinteto.

Recuando ao primeiro EP, “Dás a mão e não sentes” é uma amostra do tudo que os Trêsporcento podem e querem ser. Os ritmos mais escuros dão, paulatinamente, espaço a momentos mais aguerridos e puramente rock que fazem as guitarras gritar mais alto, o mesmo acontecendo às cordas vocais de Esteves. As palmas, tal como a música, soam mais fortes. O clima de assinalável e saudável intensidade continua com “Quero que sejas minha”, faixa que encerra “Quadro”, e que é uma verdadeira montanha-russa emotiva. O desespero cantado encontra na música a correspondência procurada em momentos de simbiose perfeita. Muito bom, mesmo.

Depois da banda apresentada, “Se não queres estar presa” segue a viagem de “Lotação 136”, agora por caminhos mais insuflados e em género de “fanfarra” pop/rock indie - entenda-se tal designação como um elogio -, onde o baixo brilha sobremaneira. O refrão, fortíssimo, serve-se do “desalinho” das cordas e o final da canção surge cedo demais. “Elefantes azuis” devolve, ou adensa, a vontade de dançar e todos os elementos dos Trêsporcento têm oportunidade de brilhar. O final do disco faz-se com os oito minutos e 32 segundos de “Espero”, (grande) canção-charneira de uma banda que está, tudo leva a acreditar, a um pequeno passo de subir ao patamar mais alto do espetro musical nacional. Resta saber se eles próprios querem fazer essa escalada. Nós, esperamos por eles.

Alinhamento:
01.Lotação 136
02.És mais sede
03.Cascatas
04.Grande mentiroso
05.Genes
06.Dás a mão e não sentes
07.Quero que sejas minha
08.Se não queres estar presa
09.Elefantes azuis
10.Espero

Classificação do Palco: 7/10

In Palco Principal

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