segunda-feira, 14 de julho de 2014

NOS Alive'14, dia 2

Entre funerais e ascensões!



No segundo dia de NOS Alive'14 houve lugar para um pouco de tudo. Os The Black Keys, cabeças de cartaz, não desiludiram, mas a noite não foi só deles e contemplou-nos com duas belas «surpresas», de seu nome Sam Smith e Russian Red.

É constante e diversificada a oferta que o NOS Alive, versão 2104, oferece. Ao bater das 17 badaladas começam os concertos, e a curiosidade e o calor levam a que a minoria já presente no Passeio Marítimo de Algés procure refúgio sob o teto dos espaços que albergam os Palcos Heineken e Nos Clubbing.

Os concertos do norte-americano Allen Stone e dos portugueses Matilha servem de aquecimento para o que aí vem, mas, perto das 18h00, nota-se que o público toma a direção do Palco NOS.

The Vicious Five | 18h00, Palco NOS

A razão é o anunciado "funeral" dos The Vicious Five, que, segundo os próprios, tocam pela última vez sobre tal designação este ano.

Para além do calor, o vento volta a dar a cara e espalha pó pelo recinto. Apesar disso, os amigos da banda vieram-lhes prestar uma última homenagem. E, num ápice, o palco torna-se num espaço dedicado ao ritual rock. Já com os primeiros acordes de “Your Mouth is a Guillotine” no ar, Joaquim Albergaria surge em palco para atacar uma das mais emblemáticas canções da banda. Segue-se a pungente “Suicide Club”, com guitarras à solta e a bateria a sublinhar o recorte rock.

Antes de “On a Bus to Nowhere”, Albergaria afirma: “Nós fomos os The Vicious Five. Bem-vindos ao nosso funeral!”. Mas, se a banda opta pela eutanásia, a sua música continua bem viva. A provar ficaram interpretações potentes para o menino e para a menina, para quem está a recibos verdes ou desempregado.

Tal como é seu apanágio, os The Vicious Five entregaram-se de corpo e alma ao seu rock de linhagem punk e ofereceram dedicadas interpretações de “Young Divorce”, “Fallacies and Fellatio”, “Hystero”, “Lisbon Calling” ou “Bad Mirror”. O adeus tem como pano de fundo “The Electric Youth”, um dos temas mais contagiantes da banda, que colocou “familiares” e amigos dos The Vicious Five a saltar. A festa termina. Vemo-nos algures entre o Paraíso e o Inferno. RIP!

Russian Red | 18h00, Palco Heineken

Seis da tarde e o sol intenso ainda faz mossa, convidando todos os festivaleiros a encontrar pousio num qualquer resto de sombra espalhado pelo recinto. Muitos foram aqueles que o fizeram e felizes daqueles que o fizeram no palco Heineken, pois aí encontraram uma das boas surpresas deste NOS Alive'14.

Russian Red de nome, espanhóis de coração, o grupo de Lourdes Hernández revelou-se uma óptima banda sonora para o fim de tarde que se aproximava, com as suas canções indie, tingidas pela folk eléctrica de uma Feist ou PJ Harvey, a soarem tão leves, despreocupadas e belas quanto a sua autora. Com o terceiro e mais recente álbum, "Agent Cooper", em destaque, foram desfilando canções ora mais pop, ora rock, com as guitarras em riste, bem ruidosas e distorcidas a fazerem-se ouvir. “John Michael” e “Casper” foram bons momentos de um concerto onde até foi possível Lourdes reconhecer um amigo do Facebook na plateia predominantemente espanhola, que assistiu entusiasmada ao concerto.

Parca em reação mas sempre observada atentamente pela plateia numerosa, fica uma ótima apresentação e o desejo que voltem rapidamente.

The Last Internationale | 19h10, Palco NOS

Seriam poucos os presentes no espaço do NOS Alive que conheciam os The Last Internationale. A única referência a este trio natural de Nova Iorque seria o homem da bateria - nada mais nada menos do que Brad Wilk, um dos senhores Rage Against the Machine.

Mas rapidamente o som poderoso da banda, que mistura influências blues com um rock por vezes a roçar o doom, contagiou os presentes. Para além do referido perfil sonoro, os The Last Internationale não têm papas na língua e assumem uma postura afincadamente política. No início da atuação, antes de a banda subir ao palco, as palavras de Scott Heron colocam o dedo na ferida: “A revolução não passa na televisão”.

Num concerto “dedicado” aos políticos (Passos Coelho foi um dos visados) e de forte cadência anti-capitalista, cantou-se sobre os vícios e o desemprego, sobre a injustiça e a ganância. O mundo está a saque e os The Last Internationale apelam à revolução.

Da atuação da banda destacam-se as prestações de “Cod’ine”, uma versão em toada acústica do original de Buffy Sainte-Marie, onde a (bela) vocalista Delila Paz se entrega num registo que lembra Janis Joplin.
“Killing Fields”, com sonoridades a roçar a potência doom, é dedicada ao “senhores” que ocupam os parlamentos e os riff’s que resultam dos solos de guitarra apenas encontram paralelo na forte prestação do baixo e da bateria.

São cada vez mais as pessoas que se juntam ao “comício sonoro” dos The Last Internationale e “Life, Liberty…” soa ainda mais forte quando a audiência responde com palmas, principalmente quando o teor político se acentua.

Essa comunhão atingiu o auge quando a banda tentou cantar à capela “Grândola Vila Morena”, com Edgey Pires, um descendente de portugueses e membro da banda, a fazer a ponte entre o palco e a multidão. O final da atuação, suada e muitíssimo competente, teria como pano de fundo “1968”, uma composição dedicada à conhecida revolução estudantil.

Os The Last Internationale são, sem dúvida, uma banda a ter em conta. Para eles, o mundo toca-se através de um rock que apela à liberdade, pois a utopia é a última a morrer.

D’Alva com Gospel Collective | 19h15, Palco Clubbing

Já não é segredo para ninguém que a música portuguesa vive uma nova leva e que se encontra na sua fase mais interessante desde há demasiado tempo. Quando, às 19h00 da tarde, encontrámos um Palco Clubbing a rebentar pelas costuras, soubemos que estava na hora de receber e perceber uma das novas «coqueluches» da música portuguesa.

Acompanhada pelos Gospel Collective, a banda de Alex D’alva Teixeira e Ben Monteiro deu um concerto competentíssimo, para um público sempre entusiasmado e participativo, que, sempre que foi chamado a contas pelo irrequieto Alex, deu conta de si e respondeu efusivamente, ora entoando o riff de "Intro", dos XX, ora dançando e pulando desenfreadamente ao som de “Barulho” e “3 tempos”, a acabar.

Parquet Courts | 20h05, Palco Heineken

“We’re Parquet Courts, we’re from Brooklyn, New York”. Foi desta forma simples, crua, direta ao assunto, que a banda de Andrew Savage se apresentou na sua estreia em Portugal. Na verdade, estes Parquet Courts não têm muito que enganar: com mais ou menos urgência, andam sempre à volta de um garage rock nervoso, imediato, que nunca deixa o fio condutor do punk oscilar em vão. Canções como “Dear Ramona” , “Black and White” são petardos de atitude DIY, mas, ao mesmo tempo, cocktails molotov de tensão e dissonância que nunca chegam a rebentar.

Muito apoiados lá fora por publicações como o "NME" e a "Clash", aqui em terras lusas parecem não gozar do mesmo mediatismo, e isso nota-se no pouco público presente, que raramente fez por dar sinal de si. Ainda assim, ficou uma boa impressão e a vontade de os ver num local e ocasião diferentes.

MGMT | 20h30, Palco NOS

Os festivais têm um perfil, por vezes, perverso. A ansiedade que se instala nas hordes antes da atuação de uma qualquer banda em particular pode colocar em causa a receção das restantes. Uns procuram um melhor lugar, outros debelar a fome. O corrupio é constante e a atenção para quem está em palco é descaradamente menor.

Foi sob esse cenário que subiram ao palco os MGMT, uma banda que vagueia entre o psicadelismo rock e a eletrónica de características indie. Com o palco recheado de instrumentos de veia orgânica e sintética, as atenções concentravam-se nas imagens que surgiram no ecrã colocado nas costas dos músicos e que muitas vezes foi, qual oráculo, o elo aglutinador entre público e artistas.

Simpático, Andrew VanWyngarden serviu-se, ainda que de forma tímida, do microfone, para recolher a atenção dos milhares que assistiam a um concerto, que nos primeiros momentos ofereceu clássicos como “Time to Pretend”, um autêntico hino à vida, construído sobre hipnóticas pinceladas nascidas da magia sintética da banda norte-americana.

Sem dúvida que eles, os MGMT, têm a visão e gostam de passar um bom bocado, mas perante temas menos conhecidos a assistência optava pela distração ou realização de incontáveis “selfies”. “The Youth”, de “Oracular Spectacular”, disco de estreia da banda, logrou quebrar a letargia e hipnotizou os presentes com laivos eletrónicos singelos de uma simples e muito atraente roupagem pop melódica.

Mas, num ápice, a energia perdia-se e entrava-se em novo período de apatia, principalmente quando os MGMT percorriam temas menos conhecidos, ainda que tal não seja sinónimo de menor apetência qualitativa. Entre alguns apelos lunares e devaneios sónicos e mais introspetivos, VanWyngarden e seus pares voltariam a resgatar a atenção da massa presente através de “Mystery Disease”, do mais recente “MGMT”, que apresentou uma roupagem que não destoaria ao peculiar universo dos The Flaming Lips.

“Electric Feel” foi outro dos momentos altos do concerto dos MGMT no Palco NOS, com o seu epicentro melódico a revelar um interessante diálogo entre a guitarra e o baixo, sempre bem auxiliados pela parafernália computadorizada. Transformado momentaneamente o espaço num ambiente disco, os milhares de presentes esqueceram, ainda que momentaneamente, a vontade de trautear os acordes de “Lonely Boy”.

Mas essa excitação tinha contornos efémeros e rapidamente se esvanecia, e o cúmulo da abstração deu-se com a longuíssima “Siberian Breaks”, uma espécie de jam session que permitiu a todos os membros da banda mostrarem as suas habilidades enquanto (excelentes) músicos.

Seria, mais uma vez, um clássico a abanar o sentimento apático do público. “Kids”, de perfil assumidamente disco, teve o condão de fazer toda a gente saltar e dançar alegremente. É incrível como uma súmula de acordes pode fazer magia. No palco notava-se alegria, e a bateria teve o privilégio de ser tocada por dois elementos da banda.

O concerto chegaria ao fim pouco depois. Para a memória fica a (boa) reação do público às composições mais conhecidas dos MGMT e um sentimento de apatia geral face ao restante reportório escolhido para um concerto que se adivinhava difícil, muito por “culpa” dos senhores que se seguiam. Ficamos à espera de rever os MGMT, de preferência noutro ambiente.

Sam Smith | 21h20, Palco Heineken

Sam Smith foi a surpresa inesperada deste segundo dia. O autor de “Money On My Mind” teve um Palco Heineken completamente lotado a assistir ao seu concerto e contou com uma plateia eufórica, desejosa de ouvir os sucessos recentes do músico britânico.

Por entre temas da sua lavra, como “ Money On My Mind” ou a balada “Lay Me Down”, e as participações em temas dos Disclosure e de Naughty Boy,tudo foi muito celebrado e cantado por um público que se mostrou conhecedor e com vontade de participar na festa. Dono de uma excelente voz, Sam Smith puxou várias vezes dos galões e demonstrou que, para além de um excelente entertainer, é um excelente cantor, e atirou-se sem receios a uma cover de “Do I Wanna Know”, dos Arctic Monkeys, cantada do princípio ao fim com o acompanhamento do público.

“Stay With Me” foi a última música de um concerto que, por certo, vai figurar na galeria dos melhores deste Alive.

The Black Keys | 22h30, Palco NOS

Neste segundo dia, todas as atenções estavam voltadas para os homens de Akron, Ohio. Após a visita de hà dois anos atrás, no antigo Pavilhão Atlântico, a banda de Dan Auerbach e Patrick Carney voltou a Portugal com novo álbum na bagagem e com um concerto que, embora não tenha sido brilhante, ainda deu para encher o olho.

Com um público sedento de ouvir os hits de "El Camino", o álbum que os catapultou para o estatuto de estrelas internacionais, especialmente “Lonely Boy”, os The Black Keys souberam dar um concerto abrangente a todas as fases da sua carreira e aos seus oito álbuns, sem deixar o equilíbrio da atuação alguma vez em causa.

Bem juntinho, ao centro do palco, o duo do Ohio contou com o apoio de dois músicos extra - John Wood na guitarra e nos teclados, e Richard Swift no baixo -, que ajudaram a completar um som, que nem sempre foi o melhor, devido ao vento forte que volta e meia se fazia sentir.

“Dead and Gone” foi a malha de abertura, recebida com muito entusiasmo e palmas. O tema de "El Camino" foi o antecessor de “Next Girl”, canção do mesmo álbum, que nos levou ao lado mais groovy da banda. “Run Right Back” trouxe-nos um dos melhores riffs de slide dos últimos anos e uma melodia pegadiça que fica na cabeça desde o início ao fim da música.

“Same Old Thing” levou-nos aos tempos idos de "Attack and Release" e de um Dan Auerbach de cabelos compridos, a mostrar-nos os seus excelentes dotes guitarrísticos. Logo a seguir chegou uma mini explosão de alegria, ao som de "Gold on The Ceiling", que, bem mais solta ao vivo, ganha uma vida completamente diferente, mais alegre, da sua congénere de estúdio.

A partir deste momento, o concerto acalmou um pouco. Notou-se que o público ainda não está conectado, de todo, com as músicas do novo álbum, talvez por serem as músicas mais densas e menos imediatas da carreira dos americanos. “Turn Blue” e “ Bullet in the Brain” foram, ainda assim, dois bons apontamentos das novas canções, especialmente a última, com o seu teclado catchy a brilhar.

Os grandes momentos do concerto ficaram guardados para perto do final, com os hits a sucederem-se uns atrás dos outros, “She’s Long Gone” abriu o apetite e, logo a seguir, veio a enorme “Tighten up”, que conseguiu, finalmente, desencadear alguma reação no público. Houve ainda tempo para, antes do encore, se ouvirem “Fever“ e a muitíssimo aguardada “Lonely Boy”, que deixou o recinto aos pulos e em completa euforia.

Agradecendo o apoio do público e despedindo-se, os The Black Keys abandonaram o palco e, sem que ninguém esperasse, voltaram para um encore, onde os fãs mais ávidos se deliciaram com uma potente versão de “Little Black Submarines” e com o hino da fase Blues da banda, “I Got Mine”.

Au Revoir Simone | 00.00, Palco Heineken

Ainda com os ouvidos sintonizados no concerto dos The Black Keys, chegámos ao Palco Heineken para ver as meninas Au Revoir Simone. Aparentes problemas técnicos levam o concerto a atrasar uns minutos (excelente a pontualidade habitual do cardápio apresentado no NOS Alive), o que em nada perturbou o trio composto por Erika Forster, Annie Hart e Heather D'Angelo.

Por detrás de sintetizadores e caixas de ritmos, as Au Revoir Simone encantaram quem se atreveu a passar perto de uma hora no Palco Heineken, para ouvir uma música que já foi definida como um cruzamento entre o dream e o indie pop de fortes camadas eletrónicas e que, ao vivo, soa muito mais potente e vigorosa.

A contenda começou com os acordes singelos de “Gravitron”, retirada do recente “Move in Spectrums”, que assumiu um perfil eletrónico e foi sedutoramente apresentada em cascata. Mais dançável, “Just like a Tree” abraçou os presentes de forma graciosa e foram poucos os corpos que resistiram aos bonitos sons que vinham do palco. À medida que se cantava “stay away from me”, mais o público se aproximava da magia do trio nova-iorquino.

Com uma batida difusamente sintética e de ritmos matemáticos, “Don’t Tell Me”, canção que faz parte do álbum “Still Night, Still Light”, dividiu a atenção entre o seu espetro sonoro e a candura das suas intérpretes. O concerto agrada a todos e do palco salta um desejo: “Quem nos dera tocar em Portugal todos os dias!”.

Da alegria a ambientes mais soturnos, as Au Revoir Simone espalham magia. Em “The Lead is Galloping” ensaia-se uma coreografia e, no refrão, as mãos estão no ar. Depois, “Somebody Who” traz fantasmas do som de uns Pet Shop Boys, enquanto “Crazy” e, no final, “Shadows” levam as meninas a afastarem-se momentaneamente das teclas e, à vez, a trabalharem as quatro cordas do baixo ou as seis da guitarra.

Buraka Som Sistema | 00h25, Palco NOS

Com quase dez anos de carreira e de hits, os Buraka Som Sistema foram, ao vivo, tudo o que se pode esperar da banda lisboeta. Cada vez mais sexuais e frenéticos, abriram o concerto com o ritmo imparável de "Ba Ba Ba (Hangover)", logo seguida por "Stoopid", o novo single.

Com uma secção rítmica letal e com três mestres de cerimónias que não pararam por um segundo, sempre com a perfeição noção do que fazer e de como lidar com o público, muitos foram aqueles que não resistiram aos apelos de Blaya e companhia e se entregaram à dança desenfreada, bracejando pela noite dentro e despedindo-se da melhor forma desta segunda noite de Alive, repleta de acontecimentos.

Texto: David Silva e Carlos Eugénio Augusto
Fotografias: Manuel Casanova e Rita Bernardo

In Palco Principal

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