segunda-feira, 7 de julho de 2014

“Amores e Saudades de um Português Arreliado”
de Miguel Esteves Cardoso

Crónicas de um Homem (no) Presente



Uma das melhores formas para relatar o que vai na alma é o ato da escrita pois a palavra falada, por vezes, parece diminuta e sem hipóteses de cumprir o seu propósito mesmo que o exercício do pensamento que a cerca, contextualiza e lhe dá vida, seja perfeito.

Nas últimas décadas, ainda com alguns hiatos momentâneos e assustadoramente reais, Miguel Esteves Cardoso tem marcado a cultura nacional com a sua pertinente (des)focagem da realidade portuguesa.

Desde as assertivas deambulações pela cultura difundidas pelos jornais “Blitz”, “Se7e” e “Jornal de Letras” ou através da acutilante opinião que assinava em publicações de referência como “O Independente” e o “Expresso”, Miguel Esteves Cardoso tornou-se numa das mais emblemáticas vozes de uma geração que cresceu a ler livros como “A Causa das Coisas” ou “As Minhas Aventuras na República Portuguesa”.

Mas nem só ao género crónica associamos o génio de Esteves Cardoso. Romances como “O Amor é Fodido”, “O Cemitério das Raparigas” ou “A Vida Inteira” mostraram outra faceta da escrita de um Homem que nunca teve qualquer tipo de pejo em mostrar os seus medos, aflições, dúvidas ou certezas.

Mais recentemente, depois de associar a sua obra à Porto Editora, vimos serem reeditadas as obras antigas deste lisboeta com costela britânica. Mas para além dessa viagem ao passado, fomos brindados com novas edições como o recente “Amores e Saudades de um Português Arreliado” (Porto Editora, 2014), um livro que reúne crónicas publicadas em um dos mais reputados jornais diários de referência em Portugal.

E tal como seria de esperar, felizmente, o resultado é uma obra que respira a cadência literária e existencial do seu autor. Tal como aconteceu com o anterior “Como é Linda a Puta da Vida”, estamos perante um livro que deve ser lido devagar, com vagar, rejeitando a pressa de forma a absorver o poder da escrita que de semblante diário passa a eterno.

Divido em cinco partes de um mesmo todo, “Amores e Saudades de um Português Arreliado” faz o elogio à vida, para Miguel Esteves Cardoso, a única coisa que realmente existe e interessa. Fala-se, obviamente, de saudades mas acima de tudo da vida no tempo atual ainda que, escreve o autor: “quando o presente não presta mais vale que seja ultrapassado pelo passado”.

Com apurado sentido prático, Esteves Cardoso pensa a vida, simples, sem maquilhagem. Através de um peculiar perfil neurótico, estas pequenas crónicas refletem temperamentos sazonais, a imprevisibilidade meteorológica, o poder dos livros e o seu imaginário, o veraneio de Colares da praia e o do mar, amizades traídas ou roubadas, odores de quem se ama ou inveja da felicidade canina, o que faz sentir a magnitude dos dias oscilantes entre a candura da inércia e o buliço quotidiano.

As palavras escritas neste livro espelham a paixão de Miguel Esteves Cardoso pela vida e, acima de tudo, por Maria João, a sua companheira, a sua mulher, pois apenas a felicidade de estar apaixonado coloca tudo no seu devido lugar, atribui lógica ao caótico puzzle do relacionamento humano.

In Rua de Baixo

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