quarta-feira, 25 de junho de 2014

Daughter
"4AD Live Session EP"

A (In)sustentável leveza do ser



A música é, acima de tudo, a arte enquanto uma forma de expressão, que tem na melodia os alicerces comunicativos. Os acordes espelham emoções, a voz, quando existe, invade a imaginação, faz sonhar. A catarse torna-se num fim em si mesmo. Quanto mais se ouve música e se deixa entranhar pela mesma, é natural associar algumas composições a sensações que espelham estados de alma e conferem vários graus de conforto. Da velha Albion surgiram, nas últimas décadas, exemplos de bandas cuja excelência atinge em cheio os recantos mais íntimos da alma.

Ainda que em contextos musicais não necessariamente próximos, bandas como os The Sundays, os Everything But The Girl ou os The XX, por exemplo, editaram álbuns repletos de um conteúdo particular, cujos ingredientes exaltam um espírito bucólico e “romântico”, apenas inerente à ideia britânica. Assim, para a história ficam discos como “Reading, Writing and Arithmetic”, “Worldwide” ou “XX”, que soam a conforto, a lar, a algo nosso. O apelo à intimidade é por demais latente a estes álbuns. A sensação de dias cinzentos, mas não necessariamente tristes, também.

E é essa mesma ideia que nos chegou com “If You Leave”, registo de estreia do trio britânico Daughter, que marcou definitivamente o panorama musical de 2013. Elena Torna (voz e guitarra), Igor Haefeli (guitarra) e Remi Aguilella (bateria) fazem uma música doce, interior, cheia de sentimento. Fazendo uso de um certo espetro “shoegaze”, o já referido “If You Leave” é um hino à melancolia, misturando folk com momentos de um tímido rock de ascendência indie.

Já em 2014, a convite da sua editora, a mítica 4AD, os Daughter estiveram nos londrinos Air Studios e gravaram um EP de cinco músicas, tendo por companhia o compositor Joe Duddle e um conjunto de dez músicos clássicos. Como resultado temos uma mão cheia de revisitações a algumas das mais marcantes composições de “If You Leave”, agora com um inebriante sublinhado sonoro, que torna as referidas canções em peças de uma maior profundidade, onde a elegância é por demais evidente.

“Tomorrow” abre esta maravilhosa experiência auditiva e os seus primeiros instantes ganham uma solenidade assinalável com a presença dos violinos que, gradualmente, acolhem as guitarras de Torna e Haefeli, assim com o canto em forma de quebranto da vocalista. A tranquilidade leva-nos para o fundo de um mar onde música e palavras ecoam num paraíso pessoal e intransmissível. A bateria traz alguma ondulação, o xilofone faz respirar as muitas cordas, a harpa conquista um espaço muito próprio.

A viagem continua com “Still”, um exercício em crescendo, onde a simbiose entre universos é perfeita. A voz, imaculada, sabe ceder o seu espaço à música, agora necessariamente maior, face a um inflacionado grupo de músicos. “Amsterdam” segue os mesmos propósitos e o resultado é uma harmonia plena de energias positivas, com as guitarras a sobressairem dos restantes companheiros de luta sonora. As palavras cantadas por Elena tornam a poesia ainda mais onírica e o discurso tímido com Haefeli lembra momentos de Romy e Oliver, as vozes dos The XX.

Os primeiros momentos de “Youth”, uma das mais marcantes músicas de 2013, são inteiramente de Elena, mas lentamente os restantes músicos fazem a sua aparição, ainda que esta seja a “versão” mais despida de arranjos clássicos. Faz-se o elogio ao amor, à felicidade da partilha de tão nobre sentimento, sente-se o sorriso na voz, a alegria na música.

A derradeira canção deste EP é sinónimo de uma extraordinária versão de “Shallows”, que ao longo de mais de sete minutos deixa alerta os sentidos de uma forma irremediavelmente doce, através de laivos “sónicos” e manobras clássicas enviados diretamente ao nosso coração.

O disco acaba e revela-se curto. O desejo é voltar a este EP, regressar a “If You Leave” e esperar que os Daughter nos surpreendam em breve com mais música. O consolo, enorme devemos dizer, é saber que vamos ter o privilégio de ouvir o trio no Optimus Alive'14, a 12 de julho. Ainda falta muito?

Alinhamento:
01.Tomorrow
02.Still
03.Amsterdam
04.Youth
05.Shallows

Classificação do Palco: 9/10

In Palco Principal

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