sexta-feira, 3 de maio de 2013

“O CORPO HUMANO”
de PAOLO GIORDANO

A verdadeira guerra está dentro de nós



Depois de uma estreia literária brilhante com “A Solidão dos Números Primos” em 2009, obra que teve o privilégio de ser adaptada ao formato filme, Paolo Giordano regressa agora com “O Corpo Humano”, uma edição com selo da Bertrand. Mais uma vez, o autor italiano faz uma profunda reflexão sobre a vida e as consequências inerentes a decisões, ou acidentes, que são o resultado das equações do próprio ato de existir.

Se em “A Solidão dos Números Primos” um dos temas mais focados era a adolescência e os medos próprios dessa fase da vida, assim como a relação entre dois jovens traumatizados, o recente livro de Giordano é uma viagem à fronteira da maturidade, onde se faz a diferença entre passado e presente, entre juventude e idade adulta.

Em “O Corpo Humano” somos levados até ao Afeganistão, onde ficamos a conhecer um pelotão italiano que reflete um pouco qualquer grupo de pessoas onde a juventude se mistura com maturidade, onde a inocência se transforma em experiência, onde a vida sai da banalidade quando se têm de tomar decisões que podem mudar o futuro.

O romance começa com a partida desse pelotão para a “bolha de segurança” da FOB (“far operating base”) no Afeganistão e que integra um sargento – que vende o corpo nas horas de lazer e vive um dos maiores dilemas da sua vida -, um cabo-adjunto – que procura fugir das garras de uma vida presa a uma mãe-galinha -, um capitão fanfarrão e outros personagens à beira de um qualquer limite.

Do outro lado, um tenente que se refugia nos fármacos e na distância para esquecer a recente perda do pai e um coronel farto da guerra, esperam a nova comitiva e aguardam a chegada de um contingente que desconhece que vai para um dos palcos maiores de um conflito que tem, como característica, várias versões do vazio para além de um calor insuportável e de uma poeira que dissipa traços vãos de esperança. Pouco mais resta a este conjunto de almas perdidas num local distante e estranho do que tentar criar laços entre si.
A amizade e a camaradagem são algumas das armas utilizadas por estes soldados que tentam dinamitar de abater traços de solidão, tédio e insegurança.

O calor do dia é um dos piores inimigos mas é durante a temperatura da noite que os sonhos assaltam a mente e a memória. Longe da civilização e da própria vida, estes homens procuram no silêncio a razão da existência, mas a ausência de ruídos leva-os a conhecer melhor o mecanismo da máquina humana, os sons do seu interior, do corpo humano.

A experiência de lidar com um inimigo pode ser um pequeno passo para dividir jovens de adultos, mas a vida pode ser bem mais perigosa do que um palco de guerra sem quartel. Pior que o sangue derramado em combate é a vida que se perde a cada conflito pessoal, a cada drama, a cada família que se desfaz lentamente, a cada relação que termina.

Ao fazer este livro, Paolo Giordano procura dar voz a uma das suas grandes paixões, pois desde sempre que a “literatura de guerra” o acompanha. Assim, “O Corpo Humano” é uma metáfora da luta, das vicissitudes internas e externas dos elementos de um jovem pelotão que enfrenta pela primeira vez o teatro de guerra num enclave arenoso e exposto à adversidade.

De forma a conseguir interiorizar o espírito bélico que caracteriza um conflito militar, o autor natural de Turim visitou por duas vezes o Afeganistão e observou os soldados depois de despirem os uniformes, como pessoas reais, vulneráveis e deslocados do seu mundo. Se Giordano pretendia escrever sobre o “fantasma” da guerra e do esquecimento que tal provoca, conseguiu-o de forma brilhante. O verdadeiro drama está, sem dúvida, dentro de cada personagem.

Apesar de termos na mão um romance cuja história versa no terreno do conflito afegão, não se espere uma história cruel sobre uma guerra envolta em detalhes técnicos ou estratégias militares. Estamos, sim, perante um romance que reúne elementos de reportagem, de documentário, de “autobiografia”. Um todo que mistura literatura e pedaços de vida.
O que importa neste novo romance de Giordano é a dimensão humana e os traumas que assombram a mente de homens que estão preparados para qualquer conflito bélico, mas que enfrentam as relações humanas com um medo desconhecido. A pior das guerras não é aquela que é travada com armas, mísseis, aviões, mas sim a que reside no interior de um corpo atormentado pela dúvida.

O desconhecido, a falta de intimidade e de conforto que estes homens vão conhecer aquando da sua missão é uma forma de estágio para conseguirem ultrapassar a barreira entre a juventude e a idade adulta que, por vezes, é um acontecimento demasiado rápido, cruel e trágico.

In Rua de Baixo

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