domingo, 17 de julho de 2016

NOS Alive 16: Dia 3
Em dia de festa, cantam milhares de almas


Mais um dia, mais uma grande viagem, à volta do mundo. O terceiro e último dia da edição do NOS Alive deste ano foi muito intenso e foi possível sentir o habitual ecletismo sonoro. A abrir sentimos o calor mariachi dos Calexico, depois serpenteamos com uma dupla Jibóia, saltámos a galope dos Band of Horses e acabámos a noite com uma beleza em tons de branco e prata com a prestação estrelada dos Arcade Fire. Pelo meio ficamos a saber que a edição do próximo ano já tem data marcada e a busca pelo «melhor cartaz de sempre» já começou.

18.55 – Calexico – Palco Heineken

Quem chegou à tenda Heineken minutos antes do início do espetáculo podia ver o palco já cheio de gente. Ensaiavam-se guitarras, trompetes e bateria. Bem no centro, destaca-se um senhor de camisa vermelha que coordenava as operações. Cá em baixo, no imenso tapete verde, enquanto a música não tomava conta do recinto, havia tempo para conversar, descansar, que isto de andar três dias a viver maratonas sonoras não mata mas mói, e saltar uns gritos por Portugal. O palco teimava em manter-se sobrelotado e, ainda com a “música” ambiente a emanar dos écrans que ladeiam o palco, ouvem-se os primeiros acordes de “Frontera/Trigger”, a faixa que tem aberto os concertos recentes dos Calexico.

Num ápice, o ar é invadido por uma envolvência mariachi e Joey Burns, o tipo da camisa escarlate, John Convertino, Scott Colberg, Jacob Valenzuela, Martin Wenk, Sergio Mendoza e Jairo Zavala, quais sete magníficos, fazem-nos entrar num “filme” cujo argumento remete para os caminhos quentes da Tucson natal da banda que, por quase uma hora, nos fizeram sentir tudo menos os últimos homens (e mulheres) do planeta.

Com a evidente empatia conseguida logo nos primeiros instantes entre banda e público, Burns solta um «Bom dia» com um sotaque quase perfeito, e ataca “Falling From the Sky”, um dos exercícios mais pop do veterano coletivo. Mas a festa atingia sempre um especial pico com a aventura por territórios de ritmo mexicali e "Cumbia de Donde" fez dançar e aplaudir. Um dos momentos mais intensos da atuação, com Burns a assumir o papel de o contador de serviço, foi a dramática “Maybe on Monday”, o mesmo acontecendo com a lindíssima “Black Heart”.

Os corpos voltaram a agitar-se com “Soledad (Cumbia en la Mar)", uma versão do colombiano Enrique Bonfante, e “Inspiración”, com o microfone a ser assumido por Jacob Valenzuela que ainda assim não abandonou por completo o trompete.

O ambiente estava ao rubro e ninguém resistia a abanar corpo e alma. A fiesta seguiu-se com o clássico de coração destroçado que é “Alone Again”e o hino à redenção de nome “All Systems Red”, cujo pujante e brilhante final arrancou uma merecida ovação.

Também ele rendido, Joey Burns, confessava que se sentia na sua Arizona natal e agradecia a paciência que tínhamos em estar ali. Modéstias e simpatias à parte, a melhor recompensa que todos sentimos ao assistir a tudo isto assumia a forma de uma música sem fronteiras, feita e pensada numa espécie de crossover de todo o continente americano. As derradeiras balas sonoras disparadas pelos pistoleiros Calexico atingiram-nos em cheio no coração (derretido) e “Bullets & Rocks”, “Crystal Frontier”, vénia dividida para Burns e Convertino, e “Guero Canelo”, um original de Manu Chao, fecharam uma prestação que dificilmente se esquecerá. E porque isto do amor com o mesmo se paga, Burns despediu-se com um voto especial: «amanhã, vamos fazer força por Portugal na final do Euro!». A bola já rola?

Serpentes ecléticas e novidades, das boas

Ainda com os sons da latina América na cabeça, seguimos para outras latitudes sonoras. Ali mesmo à beira do palco Heineken, o espaço Raw Coreto estava muito bem composto e o ar, era invadido por sons que nos remetem para o Médio Oriente. Voamos até lá e ao descer do tapete aterramos no concerto de Jibóia, projeto português da dupla Óscar Silva (guitarras, eletrónicas e beat) e Ricardo Martins (bateria). O concerto teve como ponto de partida (e chegada) “Massala”, o recente álbum da banda que é, nas palavras de Óscar Silva, «uma mistura de especiarias», e nele se amalgamam sons da América do Sul, África, Europa e Ásia.

A internacionalização musical dos Jibóia, também apanágio de um festival como cada vez mais se assume o Alive, serviu como uma espécie de ponte para aquilo que foi dito por Álvaro Covões, diretor da Everything is New, numa conferência de imprensa em forma de balanço e que contou ainda com a presença de Paulo Vistas, presidente da Câmara de Oeiras, e Rita Torres Baptista, diretora de marketing da NOS. Numa breve e agradável conversa, salientou-se a segurança de um festival que tem tido o mérito de conquistar considerável reputação por esse mundo fora, integrando mesmo a lista dos 10 melhores festivais do planeta difundida pela insuspeita cadeia de televisão norte-americana CNN. Entre sorrisos e sentimentos de dever cumprido, ficamos a saber que esta edição do Alive contou com festivaleiros de 88 nações diferentes, num total de quase 32 mil almas de outros quadrantes, e que foram acreditados perto de 500 jornalistas, dos quais uma centena eram estrangeiros. No final, somos também informados que a edição do NOS Alive 17 já está em marcha e tem data marcada: 6, 7 e 8 julho.

21.00 – Band of Horses – Palco NOS

Na memória de quem esteve no Passeio Marítimo de Algés na edição do Alive de 2013, então ainda Optimus, e teve a sorte de estar no palco Heineken a assistir ao concerto dos Band of Horses, estão recordações de um excelente espetáculo da banda liderada por Bred Bridwell. Passados três anos, e face ao crescimento, a pulso, da banda, os Band of Horses subiram de divisão e estão agora entre os eleitos que pisam o palco NOS já sem a luz do sol.

Na ressaca da estreia de “Why Are You Ok?”, o quinteto de Seatlle tinha a difícil tarefa de subir a palco antes dos muito esperados Arcade Fire e sofreram um pouco a ansiedade que espelhava a cara dos milhares que tinham à sua frente. Independentemente disso, os Band of Horses estavam decididos a entreter os convivas e o começo do concerto deu-se com a fantástica “Is there a Ghost” que, noutros tempos, seria escolha mais que esperada para fechar a prestação. “Casual Party”, com um assumido perfil radiofrendly, foi o primeiro mergulho no refrescante rio que é “Why Are You Ok?”, bem secundado pela etérea e melancólica “The Snow Fall”, pérola retirada de “Everything All the Time”, registo de estreia da banda.

Seguiram-se “The Great Salt Lake”, a luminosa “Solemn Oath” e “In A Drawer”, as duas últimas safra do registo de 2016. A receção do público alternava entre a momentânea excitação e um aparente alheamento e as razões, dizemos nós, estariam associadas a algum desconhecimento em relação às novas canções e ao aproximar da presença dos Arcade Fire. Ainda assim, o jogo de guitarras de “Laredo” não deixou ninguém indiferente e o espírito texano da nova “Throw My Mess” fez abanar alguns esqueletos, enquanto a doce e aveludada “Hag” aqueceu e protegeu muitos corações do vento.

Perto do final, a emocionada declaração “No One's Gonna Love You” provocou muitos beijos no perímetro e “Cigarettes, Wedding Bands” abriu caminho para a música que todos esperavam e “Funeral” fez, pela primeira vez, todos olharem o palco.

Ainda que tivéssemos assistido a um bom concerto, os Band of Horses acabaram por ser “vítimas” dos senhores que se seguiam e, objetivamente, o coletivo liderado por Bridwell merece mais atenção e um espaço mais íntimo aumenta o sentido à sua música.

22.45 – Arcade Fire – Palco NOS

Que atire a primeira pedra quem tinha bilhete para o derradeiro dia de Alive e não sonhava com o concerto da banda do casal Win Butler e Regine Chassagne. À medida que o dia avançava a pergunta mais frequente era quanto tempo faltava para começar o concerto de Arcade Fire. Muita coisa mudou desde o lançamento de “Funeral”, em 2004, e, hoje, a banda canadiana atingiu um estatuto maior do que aquele que certamente esperariam. Cada disco do sexteto, que em palco se transforma numa espécie de plantel futeboleiro tal a quantidade de craques em campo, é uma esperada obra-prima cujas epifanias agradam uns e fazem outros questionar as direções tomadas.

Com um palco cuidado, digno de um estrelato que, literalmente, marcava esse espaço, os Arcade Fire entraram com o jogo ganho à partida mas cuja mestria tinha de ser provada, e ao longo de mais de hora e meia deixaram sangue, prateado, suor e provocaram algumas lágrimas, das boas.

“Ready to Start” abriu o caminho de uma estrada cujo destino nos fez chegar a uns deliciosos “The Suburbs. A viagem fazia-se ao ritmo de um passeio agradável. Ao volante, Butler, vestido de branco, mostrava-nos as direções e alguma dúvida sobre o trajeto facilmente era esclarecido por uma Regine, prateada, e que chegou mesmo a assumir o papel de decidida cheerleader.

Com o depósito cheio de um inesgotável combustível, subimos a um céu repleto de estrelas com “Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)”, num ritmo naife e psicadélico, e ousamos não ofuscar pelo brilho de “Reflektor” e dos espelhos que invadiam o palco. Desafiando a gravidade e não podendo deixar de sentir, ao longe, os saudosos New Order, saltamos com “Afterlife”, e para não perder o ritmo, recebemos, de braços e ouvidos abertos, “We Exist” e a rockeira “Normal Person”.

Com a congregação rendida ao seu pastor, ainda que sem bíblias de néons, as palmas sublinhavam o andamento de “Keep the Car Running”, havendo condições para dar seguimento à liturgia de “Intervencion”(com uma breve revisitação aos Sex Pistols no final), com direito ao exorcismo negro que é “My Body is a Cage”. De novo à conta de uma luz nascida nos subúrbios, “We Used to Wait” empurra aos almas até ao céu, faz Win Butler correr desenfreadamente pelas laterais do palco, e não é de estranhar que cheguemos a um sítio como “No Cars Go”, um dos momentos mais bonitos da noite.

A celebração não parava, ainda que por vezes fosse necessário reduzir o andamento e “Ocean of Noise” conseguiu recuperar o fôlego para chegar a um bons portos de abrigo como são “Neighborhood #1 (Tunnels)”, cujo riff inicial desperta qualquer coração, e “Neighborhood #3 (Power out)”, que nos fizeram recuar até ao disco de estreia da banda. Mas se “Rebellion” nos manteve em “Funeral”, “Here Comes The Night Time” teve o condão de nos avançar no tempo e transportar para outras reflexões com o palco a ser invadido não por aliens mas pelos cabeçudos que ficaram conhecidos no videoclip de “Reflektor”, obra do mestre Anton Cornijn. O final do concerto, depois de Butler se aventurar junto do público, entretanto premiado com uma chuva de confetti, e receber como recompensa um cachecol de Portugal, fez-se ao som do esperado “Wake Up”, canção que faz disparar uma espécie de orgasmo auditivo e leva-nos a entoar a canção durante, minutos, horas, dias. De alma cheia, resta-nos, portanto, dizer obrigado, pois, bolas, valeu mesmo a pena!

Fotografia: João Lambelho

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