terça-feira, 30 de junho de 2015

“Uma Morte Impossível”
de Ian Rankin

Igual mas diferente...em bom


O cenário é Edimburgo, a Escócia, as suas políticas, o confronto idealista entre separatistas e unionistas. No centro da trama está Fox, Malcom, inspetor do Departamento de Assuntos Internos, um polícia que espia, e expia, colegas de profissão.

Nesta que é a segunda aventura de Fox, depois de “Uma Questão de Consciência”, acentuam-se as diferenças entre Malcom Fox e John Rebus, mas a qualidade da escrita de Ian Rankin continua inabalável. É certo que Fox não tem a melodia, a música, o ritmo de Rebus, mas o inspetor divorciado, quarentão e abraços com a doença do pai e amargura da irmã, tem um ritmo próprio que para o fã de Rankin, de início, se estranha mas depois se entranha, naturalmente.

Definitivamente, Malcom Fox, enquanto personagem, resulta. Construído com uma complexidade assinalável, Fox está envolto de um (saudável) negrume e tende a canalizar a sua energia para o seu trabalho. É assumidamente um espírito da “velha-guarda”, um solitário que se recusa a aceitar normal, por exemplo, tirar partido do amor de uma senhora enquanto esta está sob o delírio do álcool.

Em “Uma Morte Impossível” (Porto Editora, 2015), as hostilidades começam num ritmo lento, dolente. Fox é enviado para Kirkcaldy, a maior cidade da área de Fife, para investigar um caso de corrupção policial. No caso, o detetive Paul Carter, membro do Departamento de Investigação Criminal, é considerado culpado de conduta imprópria e Fox, e a sua equipa composta pelo sargento Tony Kaye e o agente Joe Naysmith, entram em jogo para apurar se Carter contou com a cobertura da situação por parte de alguns colegas. O clima é de animosidade entre polícias.

Fox quer saber tudo sobre o caso e descobre que Paul foi alvo de denúncia de Alan Carter, seu tio e ex-polícia. Quando chega à fala com Alan e depois com Teresa Collins, vítima de Paul, as peças tendem a não encaixar.

Num turbilhão de acontecimentos, Paul Carter aguarda, entretanto, julgamento em liberdade, Teresa Collins atenta contra a própria vida e Alan aparece morto em casa. A arma do crime jaz ao seu lado.

A ideia de suicídio parece consensual mas o facto de a arma não estar registada leva Fox a investigar mais fundo e dá consigo envolvido numa trama que extravasa as suas funções e responsabilidades iniciais. O que terá a morte de Alan Carter a ver com o terrorismo separatista praticado na Escócia nos anos 1980 por grupos como o Comando da Colheita Negra e o nunca bem explicado acidente de Francis Vernal, uma das principais caras da política escocesa dessa época?

E é este o mundo que Rankin nos habituou. Uma narrativa densa, complexa, com diálogos rápidos e certeiros, crimes que desafiam a lógica num mundo estranho que desafia passados e presente. Este é o ambiente perfeito para Fox, um polícia solitário que passa por um período complicado mas real.

Enquanto as páginas passam e a morte de Alan Carter adensa o mistério adjacente, Fox reafirma a sua luta pessoal e profissional, à prova de qualquer bala familiar, afetiva ou política, e nem mesmo a desconfiança dos seus colegas investigados, que menosprezam as suas qualidades de «polícia inferior», abalam o seu edifício emocional.

É chegado o momento para Fox provar que é capaz, a si mesmo bem como a colegas e família, de gerir a sua vida. Para isso, Rankin constrói, de maneira irrepreensível, uma boa história que funde ambientes tensos e compulsivos cuja leitura é muito gratificante, explorando da melhor maneira possível os limites da memória e os perigos do idealismo histórico.

In Rua de Baixo

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