sábado, 11 de julho de 2015

NOS Alive'15, dia 1

Noite de drones e alguns satélites




Esgotado há muito, o primeiro dia de NOS Alive'15 ficou definitivamente marcado desde que foi anunciado o nome dos Muse como cabeças de cartaz. Mas, além da banda de Matthew Bellamy, havia muito e mais para ver no Passeio Marítimo de Algés, ainda que o inesperado cancelamento de Jessie Ware tenha sido um verdadeiro balde de água fria para milhares de festivaleiros. Ainda assim, numa noite com bons concertos, tivemos o prazer de rever os mais crescidos Alt-j, de dançarmos a valer com Metronomy e Django Django, de sentirmos as boas vibrações de James Bay e Ben Harper, e de viajarmos no carrossel dos Muse.

James Bay | 19h10, Palco NOS

São poucos os que se podem orgulhar de conquistar um lugar no palco principal de um grande festival internacional (narcisismos à parte) logo ao primeiro álbum, mas James Bay conseguiu-o.

O sucesso de “Chaos and the Calm”, um disco que navega entre o indie e um rock que mescla ensinamentos pop e raízes alternativas, foi sinónimo de uma ascensão meteórica para este simpático britânico de 24 anos, que não esconde um certo fascínio pelo legado de Jeff Buckley, tanto em termos vocais como nas cordas das suas (várias) guitarras.

Entre trocas de guitarras, afinações e algumas palavras de agradecimento ao público, James Bay não se escondeu atrás dos raios de sol que inundavam o Passeio Marítimo de Algés e deu um bom concerto. De figura esguia e sempre acompanhado com o habitual chapéu, Bay manteve a audiência sempre debaixo de olho e a reação geral ao muito cool “Craving”, logo nos primeiros momentos do concerto, mostrou que são muitos os que conhecem “Chaos and the Calm”.

De tendências mais blusy e a fazer lembrar, pontualmente, Bruce Springsteen, “When we Were on Fire” levou a já considerável multidão a bater palmas, de braços bem levantados, postura que se estendeu a “If you Ever Want to Be in Love”, um tema em que as cordas e o teclado partilham um estado de graça apenas secundado pela voz.

Os agradecimentos de James Bay, num português bastante aceitável, mostravam uma certa admiração do cantor pela entrega do público e, em forma de celebração desse sentimento mútuo, o dolente e intimista “Move Together” como que selou um namoro que, um dia, noutros palcos e com menos luz do sol, pode dar em duradouro matrimónio. Uma chama que pode arder muito, principalmente quando ouvimos temas como “Let it Go”, um dos momentos mais bonitos do concerto e, certamente, um dos momentos em que os ecos do já referido e genial Buckley foram mais percetíveis.

Depois, “Scars”, uma das canções mais quentes do álbum de James Bay, mostrou como o britânico consegue tornar uns espartanos acordes numa grande canção, que ganha ainda mais corpo quando o resto da banda toma o palco de assalto.

A interação com o público atinge o auge antes do gingão “Best Fake Smile”, depois de uma afinação de guitarra mais demorada. Pouco depois, “Hold Back the River”, cantado em uníssono e de olhos nos olhos com o vizinho Tejo enquanto espectador atento, terminaria uma atuação segura, que leva a pensar que, ainda assim, James Bay pode oferecer ainda mais ao vivo.

Ben Harper | 20h40, Palco NOS

Com pouca dinâmica e ausência de canções capazes de incendiar o recinto do festival, o concerto de Ben Harper e dos seus Innocent Criminals adormeceu meio mundo e colocou a outra metade a bocejar, não obstante as canções orelhudas, repletas de talento, servidas de forma irrepreensível por Ben Harper, que demonstrou, em certas alturas, os seus dotes na slide guitar e os seus capangas de digressão – destaque para o carisma e constante ginga do seu baixista.

Ainda ficámos para ouvir “Steal My Kisses” e “Diamonds on the Inside”, mas, como o momento pedia mais energia do que aquela que estava a ser servida no palco principal, fomos até ao espaço Heineken para ver e ouvir Metronomy.

Metronomy | 21:25, Palco Heineken

Os concertos dos Metronomy em festivais portugueses já não são novidade nenhuma. Só os mais distraídos é que se podem queixar da falta de oportunidade de verem ao vivo esta magnífica banda, que lançou, há coisa de um ano, um novo álbum, intitulado “Love Letters”, em torno do qual girou grande parte do concerto (“The Upsetter”, “I’m Aquarius”, “Love Letters” e “Boy Racers” foram algumas das presenças no alinhamento).

Os seus sintetizadores já nos soam familiares, o seu rigor e vigor também. A presença em palco de Joseph Mount já não nos é estranha, bem como a energia magnetizante de Olugbenga Adeleka (não é parecido com o nosso Alex D’Alva Teixeira?) e o sorriso contagiante de Anna Prior. A familiaridade é tanta que parece que foi há meia dúzia de dias que os vimos interpretar temas como “The Look”, “The Bay” e “Resevoir” num festival da concorrência lá para os lados do Meco.

E, apesar de ontem se terem despedido de uma tenda Heineken completamente à pinha com um “até à próxima”, estamos certos que será, certamente, um até amanhã, pois não tardará muito até que o coletivo britânico volte a pisar solo nacional para voltar a colocar centenas de pessoas a dançar ao ritmo das suas músicas.

Alt-j | 22h25, Palco NOS

Quem teve a oportunidade de estar presente na edição de 2013 do NOS Alive, na altura ainda Optimus, lembra-se, de certeza, da agitação que provocou a atuação dos britânicos Alt-j, com um palco Heineken a abarrotar. Sentia-se na pele o impacto de “An Awsome Wave”, um disco carregado de sentimentos indie, embrulhados em consideráveis doses de um experimentalismo que convive com elementos rock e eletrónicos, que arrebatou o Mercury Prize em 2012.

Hoje, a banda formada em Leeds está maior, mais madura, e sinónimo desse crescimento foi a mudança de palco, com a responsabilidade acrescida de anteceder aos também ingleses Muse, monstros consagrados de um outro campeonato cuja ansiedade geral podia atrapalhar a cerimónia dos Alt-j.

Mas, felizmente, tal não aconteceu. Embora a música da banda de Gwil Sainsbury, Joe Newman, Gus Unger-Hamilton e Thom Green não seja “fácil”, e a grandiosidade do palco NOS pudesse colocar algumas dúvidas na sua expressividade, quem assistiu ao espetáculo de ontem deu por bem entregue o seu tempo. Misturando universos orgânicos com outros mais maquinais, e ousando, diversas vezes, desafiar o silêncio, os Alt-j começaram o concerto com o já habitual início de cerimónias que é “Hunger of the Pine” - uma atmosfera densa, interior, que foi muito bem secundada pelo mais tribal “Fitzpleasure”.

“Something Good”, uma das mais suaves e hipnóticas canções dos Alt-j, mostra o que pode ser a música da banda ao vivo, num registo sem rede e desprotegido da dinâmica do estúdio. Os instrumentos unem-se em torno de um só propósito e o silêncio, por vezes apenas conspurcado pelas notas do baixo, relevam o domínio musical do quarteto.

Ainda que se diga que é melhor não voltar ao lugar onde já se abraçou a felicidade, os Alt-j mandaram esse conselho às urtigas e, não só foram muito bem recebidos, como agradeceram, bastas vezes, ao público português e ao festival em causa que está, segundo os britânicos, cravado nos seus corações e memória. E a melhor forma de agradecimento é através da música, e a roqueira “Left Hand Free”, e a mais tropical “Dissolve Me” foram os dois atos seguintes e que antecederam a cerimonial e mais intimista “Matilda”, que teve honras de participação coletiva.

As luzes do palco davam um efeito contextual à atuação da banda e foi em tons escarlate que o público recebeu “Bloodflood” e “Bloddflood Pt. 2”, dupla harmonia de inspiração shoegaze, cuja sensualidade lírica nos leva até ao fundo de uma qualquer maré emotiva, algo que “Ripe & Ruin”, depois, perseguiu em ritmo à capela.

De regresso a momentos mais maquinais, “Tesselatte” quebra a letargia e leva o público para um gigante quarto escuro, cuja densidade está na fronteira entre o som e o silêncio devocional, elementos que fazem parte, por exemplo, de nomes como os Massive Attack e que “Every Other Freckle” explora de forma competente.

Com a área do recinto já com dezenas de milhares de pessoas, e quando circular nos espaços adjacentes ao palco começava a ser uma tarefa hercúlea, os Alt-j lançaram-se de cabeça ao introspetivo “Taro”, para depois oferecerem “Warm Foothills”, um dos momentos mais calmos de “This is All Yours”, o mais recente disco da banda, que esteve na origem de um tímido e algo envergonhado assobio de Joe Newman.

O final da contenda chegaria depois de “Nara”, “Leaving Nara” e “Breezeblocks”, o habitual derradeiro tomo dos espetáculos dos Alt-j, que fazem questão de terminar as hostilidades com ritmos mais rock e, porque não dizer, dançáveis, ao som de uma declaração como «please don´t go, i love you so».

Além de um bom concerto, os Alt-j mostraram que atingiram um patamar sólido, respeitável, estando apenas a um nível “abaixo” do mais alto lugar do pódio festivaleiro. O futuro (próximo) pode ditar, definitivamente, a grandeza destes rapazes de Leeds.

No recinto do festival, são muitos os que aproveitam para gastar algum tempo e dinheiro nas atividades paralelas à música. Os brindes continuam a ser uma oferta concorrida, (parece, no entanto, que este ano a euforia não é tão acentuada, ou é só impressão nossa?) e a febre das selfies continua a ser um mal incontornável neste tipo de ambiente (bendita seja a pessoa que se lembrou de proibir o uso de selfie sticks neste certame), mas, ainda assim, é no campo da gastronomia (e ainda bem) que o visitante mais investe.

Das célebres sandes de leitão, às pizzas, kebabs, hamburgueres (gourmet e não gourmet), waffles e, claro, as bebidas (este ano, há cidra com vários sabores, uma boa alternativa para quem não gosta de cerveja), as ofertas continuam a ser vastas e satisfazem o desejo do requinte (pedimos desculpa à Ferrero Rocher pelo plágio).

Por esta altura, Tiga leva a tenda do Optimus Clubbing ao êxtase com o seu live set, onde se pode ouvir o hit “You Gonna Want Me”. Porém, já se ultimam os pormenores no palco principal para as estrelas da noite. Vamos lá.

Muse | 00:10, Palco NOS

Uma verdadeira montanha russa musical. Talvez seja esta a melhor forma de descrever o concerto dos Muse, no palco NOS.

A banda de Bellamy não foi capaz de servir um concerto linear, homogéneo e coeso, e isso deve-se única e exclusivamente à fraca qualidade das músicas mais recentes, quer do álbum “The 2nd Law”, quer de “Drones” - um decréscimo de qualidade para com os episódios discográficos anteriores que, como seria de esperar, acabou por se refletir no exercício ao vivo.

Os Muse parecem ter caído num fosso criativo, numa espiral de falta de ideias. E tal condição começa a afastá-los, lentamente, do estatuto de banda épica, capaz de incendiar um estádio com as suas canções. Atualmente, preocupam-se mais com os néons das suas guitarras e com os tunings de pianos e baterias do que propriamente em construir músicas que encham o ouvido, ao invés de encherem o olho. Mas passemos aos exemplos concretos.

A primeira sequência de todas a denunciar uma queda substancial na qualidade musical e na própria aceitação por parte do público aconteceu logo no início do concerto. “Plug In Baby” roubou os primeiros coros uníssonos da noite – depois de uma partida morna ao som de “Psycho” (provavelmente, a melhor do último álbum, a repescar uma cena clássica de “Full Metal Jacket”, de Stanley Kubrick), “Supermassive” e “The Handler” –, deixando o recinto em euforia, para, logo de seguida, “Dead Inside” mergulhar o público numa profunda apatia. São poucos os que cantam, são ainda menos os que saltam. Há quem vire as costas ao palco para retomar a conversa deixada a meio aquando da subida do trio (ou do quarteto, visto trazerem um elemento a mais para tomar conta dos teclados e percussão), ignorando por completo a vocalização e o solo a la Brian May de Bellamy.

De seguida, “Hysteria”, do álbum “Absolution”, volta a reconquistar o público com o seu refrão inteligentemente endereçado às multidões, para depois “Drones”, do último álbum, e “Madness”, do penúltimo, protagonizarem nova quebra no espetáculo – apesar desta última ainda ter resgatado um coro ou outro aqui e ali, todo o espetáculo visual, com letras rechonchudas e coloridas nos ecrãs, e Bellamy a pedir ao público para acenar da esquerda para a direita (ou da direita para a esquerda, como preferirem), foi digno de um concerto da Violetta ou dos One Direction, e não Muse.

Não obstante o constante carrossel em que se transformaram os concertos de Matt e companhia, há que ressalvar as suas qualidades enquanto performers – não há uma nota que falhe na voz e guitarra de Bellamy, um tempo ao lado na bateria de Howard e uma harmonia desencontrada no baixo de Wolstenholme. Mas a grande arma dos Muse ao vivo nem é essa. É a experiência que têm nestas andanças, pois sabem exatamente como agir em palco, quando devem ou não adereçar palavras ao público (em português, claro, para combinar com a bandeira que têm sobre o estrado da bateria; bandeira essa que Bellamy coloca sobre os ombros, perto do final do concerto), quando devem ter uma atitude mais rebelde para acordar os mais adormecidos (no final de “Reapers”, o vocalista e guitarrista atira a sua guitarra contra o amplificador, provocando um gigantesco estrondo) e quando têm que transformar as suas atuações em verdadeiras festas de Ibiza, com jatos de fumo, confetis, serpentinas e bolas gigantescas. E fazem-no, curiosamente, em músicas menos interessantes, como foi o exemplo de “Reapers” e “Mercy”.

Ainda assim, apraz-nos sublinhar que o concerto acabou em grande. “Uprising” e “Knights Of Cydonia” fizeram a festa junto de um recinto esgotadíssimo, com dezenas de milhares a cantarem e a aplaudirem duas canções que ainda podem ser consideradas dos anos de ouro da banda britânica. Faltaram temas como “Bliss” e “New Born” à chamada, mas ficarão certamente para outras núpcias. Que a próxima passagem do coletivo por Portugal aconteça em momento de maior inspiração, de forma a que possam servir um espetáculo sólido, sem altos e baixos.

Django Django | 01h40, Palco Heineken 

Enquanto os Muse iniciavam o encore, alguns convivas optaram por percorrer outros caminhos. Ainda que os decibéis libertados pela banda de Matthew Bellamy se fizessem ouvir num raio de quilómetros, o relógio indicava que, tanto no NOS Clubbing como no palco Heineken, havia mais música para ouvir.

Ainda que o destino estivesse parcas centenas de metros mais adiante, o gosto pela música dos portugueses X-Wife fez-nos deliciar uns breves instantes, como que a fazer a “purga” auditiva entre os Muse e os senhores que se seguiam no Palco Heineken, nem mais nem menos do que os britânicos Django Django, um dos projetos musicais mais interessantes que surgiram nos últimos anos.

O interesse residia em saber como é, ao vivo, o recente “Born Under Saturn”, o fresquinho segundo álbum do coletivo que em 2013 apresentou o debutante e homónimo disco neste mesmo local. Tal como nesse concerto, ontem, os Django Django puseram toda a gente a saltar, naquela que talvez tenha sido a melhor atuação do dia/noite.

Visivelmente bem-dispostos e com vontade de aquecer as almas presentes, os Django Django não perderam tempo e lançaram-se de cabeça, com o psicadélico “Introduction” a revelar umas boas vibrações que se prolongaram durante cerca de uma hora, non-stop.

Vincent Neff liderava a nau hipnótica, experimentalista e psicadélica que são os Django Django com peças irresistíveis como “Storm” e “Shake and Tremble”. Coincidentemente (ou não), com o final da atuação dos Muse o espaço do Palco Heineken trasvestiu-se de simpaticamente preenchido para lotação esgotada em poucos minutos e, quando “First Light” já soava, a loucura era saudavelmente coletiva.

O céu, ou Saturno, pareciam (não) ser o limite e composições como a desafiante “Waveforms”, a egípcia “Skies Over Cairo” e, principalmente, a robótica “Default” tornaram um simples concerto em algo deveras especial, onde guitarra, teclas, bateria e sintetizadores soavam como partes de uma doce e oleada máquina.
O relógio galopava para as três da manhã, mas o corpo dos presentes manteve-se fiel ao clima festivo dos Django Django e “Life’s a Beach” e “WOR” terminaram a cerimónia da melhor forma possível, com uma alegre sensação de cansaço e de dever cumprido. Amanhã, hoje, há mais.

In Palco Principal

Com Manuel Rodrigues

Fotografias: Marta Ribeiro e Rita Bernardo

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