quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

“Um Estranho Lugar para Morrer”
de Derek B. Miller

Herói Improvável


Quando um livro chega até nós sob uma chuva de prémios e com os holofotes mediáticos apontados, a expectativa tende a crescer.

Na capa de “Um Estanho Lugar para Morrer” (Asa, 2014), primeira obra de Derek B. Miller, diretor do Policy Lab – um instituto internacional que se dedica ao design político e ajudar organizações a conseguirem um maior impacto social através dessa arte – o nome deste mistura-se com referências a mestres do policial nórdico como Stieg Larsson, Henning Mankell e Jo Nesbo.

A ambição, desmedida dirão alguns, precipita o leitor a folhear este livro e a sensação é, no mínimo, um misto de agradável certeza com o surgir de um género que funde características de thriller, policial e romance literário.

No centro da ação está Sheldon Herowitz, um judeu norte-americano, ex-veterano da Guerra da Coreia, viúvo, octogenário, com aparentes sintomas de demência. A neta, Rhea, pressentindo sua a fragilidade, decide convidá-lo a viver consigo e com Lars, o seu marido, em Oslo. A adaptação revela-se complicada mas Sheldon vai conseguindo (sobre)viver.

Mas um dia tudo muda. Na ausência da neta e do marido, Sheldon ouve barulhos e apercebe-se que a vizinha está em apuros. Numa sequência de acontecimentos fruto de uma situação incontrolável, o octogenário consegue salvar o filho da vizinha mas a mulher acaba morta de forma selvagem.

Este acontecimento muda por completo a vida de Sheldon, que se vê envolvido em um intrincado jogo de “gato e rato”, devolvendo ao ex-militar a hipótese de dar algum sentido ao que resta de uma vida atormentada por um inferno interior que assombra a sua alma há dezenas de anos.

Esta que é a sua última tentativa de se redimir de um passado que colheu a vida de Saul, seu único filho, Sheldon abraça com uma determinação férrea o objetivo de salvar “Paul” dos seus perseguidores e assassinos de sua mãe. O ambiente frio da Noruega assume-se como um cenário “ideal” para uma fuga épica movida por um gangue kosovar cujo líder não consegue apagar da mente os horrores vividos nos Balcãs durante a década de 1990.

Ao longo das páginas “Um Estranho Lugar para Morrer”, Miller traça uma tangente na exorcização da culpa, da guerra, da perda. Para isso serve-se de uma contextualização narrativa alicerçada em constantes flashbacks entre Sheldon, Mabel, a sua ex-mulher, e Saul, o filho morto no Vietname.

Os conflitos da Coreia e Vietname – duas pedras no sapato da mente dos norte-americanos – e os fantasmas herdados do holocausto nazi, moldou a vida de muitos homens como Sheldon, dizimados pelo destino, aqui entendido como uma mola espiral de um vulgar relógio, metáfora que ganha forma com a tentativa do nosso herói em consertar o passado, especialmente depois de passadas as guerras, época essa que transformou um militar num relojoeiro de bairro que aos 80 anos de idade continua a “falar” com o vizinho Billy, um dos fantasmas mais presentes na mente do velho judeu.

Esses diálogos percorrem a história recente da América e mantém Sheldon conectado com o mundo, a vida, ainda que tal possa ser sinónimo de um lapso temporal, demente e insano, mas que não deixa de ser um precioso elo de sobrevivência para o personagem principal.

Paralelamente, e muito ao jeito dos já referidos mestres do policial nórdico, Miller faz o retrato da própria sociedade norueguesa e da herança da invasão nazi, algo que o próprio país encara de forma incoerente, pois o acontecimento é visto por muitos por uma dupla perspetiva entre o epiteto de vítima e mera testemunha.

Assumindo-se também como a outra face de uma mesma moeda psicológica, a agente Sigrid Odegard, responsável pela operação que pretende resgatar a dupla Sheldon e “Paul”, pensa os conflitos do século XX e transpõe as suas consequências para a sociedade atual que atua como um sistema reciclador de consciência, ao mesmo tempo que tenta perceber qual o próximo passo de perseguidores e perseguidos.

Brilhante, Miller consegue transformar “Um Estranho Lugar para Morrer” num livro sobre a expiação, uma forma alternativa de redenção e não apenas um “mero” romance policial cuja inspiração está assente num evidente complexo (aqui entendido no bom sentido) Huckleberry Finn, o maravilhoso personagem criado por Mark Twain.

In Rua de Baixo

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