segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

“22/11/63”
de Stephen King


A morte de John Fitzgerald Kennedy foi um dos acontecimentos mais marcantes da história dos Estados Unidos da América e, ainda hoje, continua envolta de uma negra sombra. O que levou, alegadamente, Lee Harvey Oswald a ter praticado tão hediondo crime?

A cidade de Dallas e o dia 22 de novembro de 1963 fazem parte do mais tenebroso imaginário social e político dos norte-americanos e não existe melhor escritor do que Stephen King para reflectir, ainda que fruto de um pensamento narrativo que mistura o fantástico com doses contidas de uma particular ficção – apanágios literários que o colocaram na linha da frente da cultura pop mundial – sobre este tema.

Conhecido com o grande mestre do terror, Stephen King conta com um invejável currículo literário, cujo espólio foi enriquecido ao longo de décadas com mais de cinco dezenas de títulos que representam cerca de 300 milhões de exemplares vendidos em 35 países.

Obras como “Carrie”, “Misery”, “A História de Lisey e Cell” ou “Chamada para a Morte”, entre muitas outras, levaram o escritor natural de Portland, Maine, a conquistar o prestigiado National Book Award e a ser nomeado Grande Mestre nos Prémios Edgar Allan Poe, na edição de 2007, e é hoje, rezam as crónicas, o escritor mais bem pago do mundo.

Entre os apreciadores da obra de King, em género de caricatura, diz-se que existem dois tipos de leitores do autor que trouxe à vida personagens como o palhaço Pennywise (“It”) ou Jack Torrence (“The Shining”): os que seguem o autor devido ao ambiente negro associado ao terror e os que sabem que todo o espólio literário do autor remete para a série “Torre Negra”.

Ainda que possa parecer redutor, a maioria do material escrito por Stephen King está de certa forma conectado com as aventuras que têm como figura maior o pistoleiro Roland Deschain e um sentido particular de viajar através do tempo, talvez um dos maiores sonhos do Homem em toda a história da Humanidade.
E é esse o maior leit motiv de “22/11/63” (Bertrand Editora, 2014), um livro que “condena” o leitor a um voraz deleite face às quase 900 páginas de uma obra que nos agarra desde o primeiro toque em uma das mais felizes capas dos últimos anos.

A trama narra a história de Jack Epping, um professor de alma atormentada que viaja no tempo sendo compelido a impedir que JFK seja brutalmente assassinado. Num ápice, o leitor é confrontado com a fantástica, de facto, premissa de inverter a lógica do calendário e conseguir evitar algo trágico. Essa janela temporal foi encontrada acidentalmente por Al, um amigo de Epping e proprietário de um restaurante que possui um especial cantinho que permite viajar no tempo.

Depois de uma primeira experiência que levou Epping a viver in loco a azáfama de 1958, a vida deste mudou. Fazendo uso desta peculiar forma de viajar, e depois de conhecer pessoalmente Elvis Presley e James Dean, Al tem uma revelação: porque não evitar a morte de JFK?

Mas o mais complicado é que este regresso ao passado está envolto de uma terrível condicionante. A data mantém-se no dia 9 de setembro, pelas 11.58 da manhã, e independentemente do período passado nesse limbo temporal, apenas dois minutos passaram na realidade. No fundo, a cada regresso ao presente o relógio faz reset, a magia faz-se sentir e tudo o que foi feito é apagado.

Começa assim uma das mais transcendentes epopeias em forma de livro dos últimos tempos e King consegue, mais uma vez, descrever a América do passado recente de uma forma única e intrigante, reflectindo sobre o crescimento económico de um país que se afirmava através de um espírito positivista mas que não conseguia afastar as nuvens negras causadas pelo racismo emergente e a ameaça real que representava o conflito nuclear. No fundo, King questiona a natureza das sociedades democráticas, fazendo um pertinente alerta para o perigo dos extremismos ideológicos.

“22/11/63” é uma forma de meditação sobre a memória, o desespero, a perda, o livre-arbítrio e uma clara batalha entre a vontade e a necessidade. Entre as páginas deste poderoso romance, pergunta-se se o Homem, enquanto ser individual, pode fazer a diferença face a uma conjuntura omnipotente e opressiva. Pode a história ser mudada ou um regresso ao passado não passa de uma frustrada tentativa de remediar um qualquer pesadelo? É o amor o elo aglutinador da humanidade? Tem a palavra o senhor King, Stephen para os amigos.

In deusmelivro

Sem comentários:

Enviar um comentário