quarta-feira, 25 de maio de 2016

“The Empire”
de João Valente

FILHOS DO ROCK


Para os apaixonados pelo complexo universo da música, no ano 2000, o cineasta norte-americano Cameron Crowe, dava a conhecer ao mundo “Quase Famosos” (Almost Famous), um filme que nos transportava para os loucos anos 1970 onde o rock explodia no seu máximo esplendor e colocava no centro da atenção um rapaz de 15 anos que conseguiu o seu primeiro trabalho como jornalista na revista Rolling Stone com o foco de acompanhar a primeira digressão dos Stillwater por terras do Tio Sam.

Durante duas horas ficámos a conhecer os tortuosos, e mais íntimos, caminhos do rock e como tudo pode passar do sonho ao pesadelo num ápice, sendo o sucesso o mais realista e certeiro sinónimo de efemeridade.

E é esse o mundo que João Valente decidiu explorar em “The Empire” (Topseller, 2016), um livro que é uma nostálgica viagem sobre a vida de quarto rapazes, apaixonados por música, que subiram ao mais alto patamar do estrelato musical mas que, à semelhança de muitas outras bandas, experimentou uma queda de estrondo.

Durante 11 anos, os The Empire, ou Mário Andrade na voz e guitarra, Ricardo Gomes na guitarra, Tiago Gomes na bateria e Eddie Steppleton no baixo, venderam milhões de discos, esgotaram salas em todo o planeta e foram reconhecidos pela indústria fonográfica.

Os quatro amigos que se conheceram por um divino acaso viveram mesmo uma realidade alternativa, um sonho invulgar que levou a que uma banda desconhecida em Portugal, que sobrevivia à conta de concertos de covers e trazia na bagagem um “álbum” manhoso, gravado no suspeito estúdio S&M Records, passando a ser uma das maiores referência rock do mundo pelas mãos de tubarões da música como Mike Morris, A&R da Aberdeen Records, ou o guru e manager Jimmy Duncan.

Tudo nasceu da teimosia de uns putos que frequentavam a lojas de discos “Woodstock”, propriedade de Lafitte, um filho do rock que tinha na música a sua razão de viver e cuja casa, que ficou conhecida como o “Dramático”, foi durante uns tempos solo sagrado para o quarteto. Dessa convivência, a banda, ainda como os hard-rockers The Deadly Machine ou Lazy Mayhem Orchestra, deu os primeiros passos e encarou uma realidade complicada onde a família e os amigos podem ser a solução ou o problema.

Quando o percurso da banda conheceu um inesperado ascendente, a tal oportunidade de sucesso que se assemelha a «um comboio que se passa uma vez na estação da vida», os Estados Unidos da América foram a base de um sucesso quase galáctico, também ele construído com alguns dos mais conhecidos ingredientes da receita rock & roll que possibilita um caminho traçado com prazeres proibidos como as drogas, o álcool, a megalomania e paranoia, e outros excessos que inclusive podem resultar da mais dura das faturas: a morte.

Mas quem eram, na verdade por trás da espessa cortina da fama, os elementos deste quarteto fantástico? É esse o maior desafio que João Valente passa para o domínio do leitor ainda que dê pistas para tal ao orientar a narrativa para territórios perto de um puzzle que mistura uma biografia (muito bem) ficcionada de quatro amigos com um exercício bibliográfico que se alimenta de factos reais, e outros testemunhos de gente verdadeira, que levam o leitor, à medida que se acumulam as páginas lidas, a assumir o todo como verdade dada a sua consistência.

Aliado a toda esta estrutura, que vai encantar não só os fãs do mundo da música mas também àqueles que gostam de um romance bem «esgalhado», João Valente tem ainda o discernimento de sugerir uma banda sonora paralela, essa realmente verídica, como também uma referência, esta no reino da boa ficção, aos discos editados pelos The Empire assim como as letras das suas canções e que fecham este livro em forma de perfeito acorde.

In Rua de Baixo

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