segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Ben Howard
"I Forget Where We Were"

Música para gente graúda


Em “End of the Affair”, oitava faixa de “I Forget Where We Were” e primeiro single do segundo longa-duração do britânico Ben Howard, a música atinge a sua plenitude. Howard, sob uma paleta sonora espartana, funde sons e silêncio com palavras que vão do sussurro ao grito. Ao longo de mais de sete minutos, a música invade-nos a mente de uma forma apaixonada, quente. Canta-se o amor, a perda, os novos começos, com guitarras, bateria e baixo a voarem livres.

Três anos depois de “Every Kingdom”, disco que teve honras de ser nomeado para o Mercury Prize, Ben Howard surge mais maduro. “I Forget Where We Were” é um excelente exemplo de uma sonoridade que mescla um folk de características mais indie com laivos de um pop doce, mas não em doses excessivas, que lembra, em parte, e por exemplo, alguns dos melhores momentos de Damien Rice.

A produção de “I Forget Where We Were” esteve a cargo de Chris Bond, baterista que acompanha regularmente Ben Howard, e o resultado final é um maravilhoso disco, composto por duas mãos cheias de canções que ousam ultrapassar, com frequência, os quatro minutos de duração, e que se afastam, e muito, da banalidade.

A coragem e confiança no seu trabalho levou mesmo Howard a destacar como primeira amostra do álbum o já referido “End of an Affair”, um tour de force encantador e intenso cujo clímax se assume como um espanta-espíritos face aos mais pessimistas que não acreditariam nas qualidades do jovem cantautor.

No seu todo, “I Forget Where We Were” é um disco de guitarras, mas ousa navegar por densos territórios repletos de uma profundidade rítmica assinalável, que explora uma dicotomia de opostos onde sons oníricos se fundem com camadas de uma pop que se transfigura entre momentos mais intimistas e outros mais aguerridos - algo que se declara como um corte face ao que Ben Howard fez em “Every Kingdom”.

Ouvir este disco é um exercício refrescante e arrebatador, e nas entrelinhas das palavras e sons que derivam das canções de Howard conseguimos sentir a magia assertiva de quem sabe que está a fazer um trabalho repleto de sentido. Tal pode ser comprovado nos primeiros acordes de “Small Things”, a faixa que inicia o álbum e cujo perfil nos remete para um math-rock açucarado, ou em momentos mais soltos como “Rivers in Your Mouth” ou “Time is Dancing”.

Já “In Dreams”, onde o folk se sente amiúde nas cordas das guitarras e nos lamentos que derivam do violoncelo, revela-se uma sentida canção que explora os sentimentos díspares entre reflexões mais depressivas, que vão desaguar num mar de confusões existenciais e em algum sentido de desajustada existência que, ainda assim, se dissipa em “She Treats Me Well”, um hino à “esperança”, onde o amanhã é encarado com tranquilidade e sob a forma de uma presença feminina.

Com uma clara veia experimentalista, Ben Howard não tem pejo em fazer canções como a lindíssima e melancólica “Evergreen” ou a despretensiosa “Conrad”, composição envolta numa simplicidade tal, que os seus acordes elétricos são como o resultado de um normal e regular batimento cardíaco, pois é o coração do ouvinte o maior destinatário das (grandes) canções de “I Forget Where We Were” - um exercício sonoro que é sinónimo de uma rara espécie de filigrana musical e um dos mais inesperados melhores discos de 2014.

Alinhamento:

1. Small Things
2. Rivers In Your Mouth
3. I Forget Where We Were
4. In Dreams
5. She Treats Me Well
6. Time Is Dancing
7. Evergreen
8. End Of The Affair
9. Conrad
10. All Is Now Harmed

Classificação do Palco: 9/10

In Palco Principal

Sem comentários:

Enviar um comentário