sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Ashrae Fax
“Never Really Been Into It”

Ecos do Passado



Têm sido frequentes, nos últimos anos, várias abordagens sonoras que remetem os nossos ouvidos para melodias e ambientes perfeitamente datados. Os anos 1970, 1980 e 1990 têm sido “vítimas” de múltiplos revivalismos numa espécie de (eterno) retorno. Se em alguns casos as experiências têm sido bastante satisfatórias, noutros, o resultado é, no mínimo, duvidoso.

Na música, como na arte em geral, a recriação pode ser entendida como um processo revivalista ou, para os mais pessimistas e desconfiados, uma forma descarada de copiar o que já existe. Em ambos os casos os terrenos assemelham-se a um verdadeiro campo minado.

Nas últimas décadas foram muitas as bandas ou movimentos estéticos que deixaram escola. Do punk, à new wave, passando pelo rock ou pelos sons mais étnicos ou experimentalistas, o universo musical global presta repetidamente homenagem a bandas como, por exemplo, os Sex Pistols, Joy Division, The Cure, Bauhaus, Depeche Mode, The Pixies, Dead Can Dance ou Cocteau Twins. Todos estes nomes, alguns deles diretamente, ou não, associados à mítica editora 4AD, não surgem por acaso neste contexto, principalmente no que toca à banda de Elizabeth Fraser e Robin Guthrie. Banda de referência dos anos 1980, os Cocteau Twins deixaram um legado com maravilhosos discos que misturavam uma ambiência mágica e um cenário etéreo. Trabalhos como “Treasure”, “Victorialand” ou “Blue Bell Knoll” são ainda hoje uma referência e o seu conteúdo imaculado.

Natural da Carolina do Norte, o duo Ashrae Fax, formado pela vocalista Renée Mendoza e o guitarrista e também produtor Alex Chesney, depois de editar, em 2003, “Static Crash”, um disco descaradamente mergulhado em ritmos new wave e synth pop, regressa agora com um, de certa forma, inesperado segundo trabalho, encaixando-se perfeitamente no que acima escrevemos.

“Never Really Been Into It”, apesar de ser um objeto lançado em 2014, através da indie Mexican Summer, faz inevitavelmente uma ponte entre os anos 1980 e o presente. Fruto de um parto longo, este disco traz à tona os “fantasmas” estéticos dos Cocteau Twins, ainda que sob a versão mais tardia da banda, quando Fraser já tinha abandonado a linguagem “elfica” dos primeiros discos e cantava em inglês, de facto.

Musicalmente, os Ashrae Fax estão fechados em si mesmos e refugiam-se na beleza da conjugação entre laivos góticos, um drum beat minimal, um baixo denso, teclas etéreas e uma voz que mistura (claras) influencias da já referida vocalista dos Cocteau Twins, como também da peculiar comunicação verbal de Siouxsie Soiux. E tal sente-se logo desde os primeiros acordes.

“Dreamers Tied to Chairs”, a primeira canção de “Never Really Been Into It”, tem o condão de interromper a contagem do tempo e remete-nos para os idos anos 1980. A melancolia das guitarras, juntamente com as batidas dolentes da secção rítmica, permite à voz avançar de forma segura e planante, mesmo quando a ambiência experimenta um pouco de intensidade na parte final da composição.

Se “Dreamers Tied to Chairs” é uma peça exemplar de um pop com salpicos góticos, a fazer lembrar aos mais saudosistas as brisas suaves das canções de discos como por exemplo “Treasure”, “CHKN”, a segunda faixa do álbum, vinca uma vontade de mostrar, e oferecer, momentos musicais que rejeitam urgências desmedidas. Enquanto a voz desliza suavemente, as guitarras (muito próximas dos acordes dos The Cure de “Three Imaginary Boys”) marcam um perfil pop muito elegante. Já “The Big Lie” afasta-se deste palco mais contemplativo e ataca ambientes mais densos e escuros de uns The Soft Moon ou da fase mais punky dos Dead Can Dance, nomeadamente aquando do seu álbum de estreia.

Mas não é a fúria que move os Ashrae Fax e faixas como “Fits and Stars”, Decaax”, “Hurricanes in a Jar” - que junta a presença de um saxofone à restante orquestra - ou “Second Chances” mostram novamente a face mais açucarada do duo norte-americano. “You Make Me Question My Mind” é outra peça de assinalável beleza que cresce à medida das audições e que leva a descobrir pormenores que podem transformar uma canção banal numa composição de excelência.

Ao chegar a “In Motion”, o tranquilo e último tomo de “Never Really Been Into It”, já as almas foram tomadas pela dolência de Mendoza e Chesney e o fim do disco assemelha-se a um leve acordar depois de um sonho bonito.

Não sendo uma obra-prima, e apesar de parecer algo “desfasado” temporalmente, “Never Really Been Into It” é um álbum bem conseguido, bonito e lembra o que de melhor já se fez nas últimas décadas no que à música mais indie diz respeito. Mais do que um exercício de memória ou revivalismo, os Ashrae Fax conseguiram fazer nascer um disco que faz bem aos sentidos, nos deixa tranquilos e de sorriso (nostálgico) nos lábios. Afinal, a música também serve para isso mesmo.

Alinhamento:

01.Deamers Tied to Chairs
02.CHKN
03.The Big Lie
04.Fits and Stars
05.Decaax
06.Hurricanes in a Jar
07.You Make Me Question My Mind
08.Intexus
09.Second Chances
10.In Motion

Classificação do Palco: 7/10

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