segunda-feira, 12 de agosto de 2013

“A segunda vinda de Cristo”
de John Niven

Louvado seja Deus… ou qualquer coisa assim do género

 

“Mas que raio está a passa-se lá em baixo?”. A pergunta é da responsabilidade de Deus aquando de uma reunião que junta os santos João, André, Pedro e Mateus e Jesus Cristo, seu adorado descendente.

Estamos em 2011 e Deus regressou de uma merecida pausa de 400 anos de férias e encontra a Terra num caos sem memória. Conflitos bélicos, fome, miséria, desespero e, para seu grande espanto, milhões e milhões de cristãos, cada qual professando uma liberal e conveniente interpretação da Bíblia.

Longe vão os tempos e ideias do Renascimento e o grande Criador está desesperado pelo destino que o planeta levou na sua ausência e apenas encara uma possibilidade, extrema diga-se, de recuperar a sanidade terrena. Sim, Jesus – não, não falamos de nenhum porto-riquenho – tem de voltar à Terra e pregar o mais importante dos mandamentos: “Sê Simpático”.

Assim, Jesus Cristo – JC para os amigos – renasce no Midwest americano aos 31 anos em versão grunge e tenta seguir o sonho de muitos jovens: ser músico. No seio de uma comunidade composta por uma crescente trupe de disfuncionais, que inclui viciados em estupefacientes e álcool, prostitutas, traumatizados de guerra e seropositivos, Jesus é convencido a participar no reality show “Estrela Pop Americana” e parte para uma das maiores aventuras da sua longa (omni)existência.

À medida que as páginas avançam a divertida estória envolve de tal forma o leitor que é impossível largar o livro por muito tempo e, acreditem, é inata a vontade de fazer parte desta nova profecia que percorre milhares de quilómetros até chegar à verdadeiramente infernal Los Angeles.

Sem qualquer tipo de amarras ou preconceitos, o escocês John Niven arma-se de uma irreverente e hilariante escrita e transforma “A segunda vinda de Cristo” (Alfaguara, 2013) numa tresloucada desventura rock and roll em forma de bizarra epifania junkie que não desdenharia aos britânicos Monty Python.

Aqui, Deus fuma charros e é adepto de saladas – tal como Jesus -, os santos adoram satirizar a existência humana ao sabor de uma valente sessão de copos, Hitler e Reagan servem à mesa no restaurante infernal, Satanás é um justiceiro carnívoro convicto e ficamos a saber que Dante, afinal, se enganou no número de círculos do Inferno.

Com um humor afiado e muito inteligente, Niven, desafia dogmas e ataca algumas das heranças do desenfreado movimento capitalista que transforma as pessoas em massa anónima e amorfa e que integram uma sociedade consumista onda a obsessão pela fama é realizada com o auxílio de uma escala de mediocridade cultural.

Desconcertante e simplista, Jesus, o Cristo, filho de Deus pois claro, afirma que a salvação da humanidade é possível e está apenas à distância de uma guitarra, um pequeno amplificador e a eterna vontade de ajudar o próximo. Ámen?

In Rua de Baixo

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