terça-feira, 6 de novembro de 2012

The Walkmen
TMN ao Vivo

Pontapé na crise



Quando, há poucos dias, foi anunciada a mudança de sala do espetáculo dos The Walkmen em Lisboa, muitos entenderam que a causa de tal mudança poderia ter a ver com uma eventual menor procura dos bilhetes. Afinal, a crise não perdoa... Ainda que há cerca de dois anos tenha sido um Coliseu de Lisboa cheio a receber a banda de Nova Iorque aquando da sua digressão de apresentação de “Lisbon”, no domingo, o espaço TMN Ao Vivo chegou perfeitamente para as centenas que, nessa noite, se resguardaram do frio outonal.

Trazendo na bagagem o muito bem conseguido “Heaven”, Hamilton Leithauser e comparsas começam este muito animado concerto com “Line By Line”, algo que já vem sendo habitual nesta digressão e que destaca a (grande) competência do guitarrista Paul Maroon. Eram precisamente 22h00 e na sala ouviam-se os primeiros acordes indie de laivos pós-punk, características que se mantiveram por cerca de quase hora e meia. A proximidade entre público e artistas que esta sala proporciona revela-se sempre como um fator importante e alia ambas as partes. Se alguém esperou um concerto a meio-gás, enganou-se.

A segunda da noite foi “Love is Luck”, um tema que faz lembrar o universo dos Strokes, cuja vibração não deixou ninguém indiferente. “Heartbreaker” é outro exemplo da boa safra do disco editado em maio, com Leithauser a atirar-se a uma versão hipnótica, assumindo o papel de um cronner à beira do colapso. A reação do público foi bastante efusiva.

Ao longo da noite, os norte-americanos ofereceram um concerto muito estimulante e esgalhado, não deixando de fora alguns dos seus temas mais conhecidos. A primeira recordação calhou a “Blue as Your Blood”, de "Lisbon" (2010), com o palco tingido de azul nos momentos mais calmos da performance.

De visual straight e formal (Leithauser de blazer ao longo de todo o concerto contrastava com as camisas arregaçadas dos restantes membros da banda), os The Walkmen atacavam agora “Angela Surf City”, também de "Lisbon", ideal para bater o pé, sacudir a alma e encher os sentidos com um ritmo punky delicioso, com Nova Iorque sempre no pensamento, claro. O processo de regressão cronológica continuou e a próxima paragem trouxe à tona “On the Water”, de "You and Me" (2008). O muito excitante Matt Barrick na bateria fazia-se agora acompanhar de uma maraca e o ar respirava um ambiente perto do folk.
Estacionado em 2008, Leithauser atira-se a “In the New Year”, aquela que foi uma das prestações mais bem conseguidas da noite, com as teclas a dar um ambiente intenso. Apesar da voz falhar a espaços, a paixão resistiu, e os merecidos aplausos não se fizeram esperar.

Seguiu-se a muito Dyliana e serena “138 th Street”, de "Bow and Arrows" (2004), em registo acústico, com o público a respeitar o silêncio deste tema. Leithauser, muito pouco interventivo, elogiou a solenidade do público. Segundo o vocalista, por terras de Sua Majestade o público é mais efusivo durante a interpretação deste tema.

Sensivelmente a meia da atuação, os The Walkmen invertem o sentido cronológico e voam até 2008, aterrando em "You and Me". À beira do lamento, os versos de “Donde está La Playa” servem de preparação para o panfletário e esgalhado “All Hands in the Cook”, o único tema tocado de "A Hundred Miles Off" (2006). A performance mereceu muitos aplausos e alguém do público gritou a bravura com que a voz de Leithauser aguentou o tema. Seguiu-se a mais mexida e com ambiente por vezes ska “Woe is Me”, de "Lisbon".

“Juveniles”, outro dos maiores hinos da banda, e uma das músicas com alma mais radiofónica, é irresistível e coloca toda a gente a dançar, antecedendo a fabulosa “The Rat”, a música que define o que são os The Walkmen: fúria, paixão, lirismo e entrega. Uma das receitas para afastar qualquer crise que arrisque colocar-se à frente deste quinteto.

Depois da tempestade quase sónica, “Love is Luck” é tocada, e cantada, como um elogio à surf music. Sem dúvida que os The Walkmen de "Heaven" são uma banda mais madura, consciente e consistente. O pop sussurrado de “We Can’t Beat” é um exemplo disso mesmo. À voz de Leithauser junta-se outro registo vocal e regressa a toada mais intimista e acústica.

Antes do merecido encore, a banda despediu-se com a faixa homónima do mais recente trabalho, uma das canções mais orelhudas e clean dos The Walkmen. O público aproveitou a boleia da melodia da canção e entoou a mesma, em coro, até ao regressar da banda ao palco.

O regresso foi bastante saudado e os presentes tiveram o privilégio de ouvir ainda mais três temas. “I Lost You”, de "You and Me", fez ressaltar a importância da banda enquanto um todo, com a voz nasalada de Leithauser a remeter para o espetro musical dos anos 1970, e com as teclas a assumirem relevância acrescida. Com as luzes sumidas, já perto do fim, “Everyone Who Pretend to Like Me is Gone”, faixa-título do primeiro álbum da banda, inicia em crescendo, alicerçada em algum feedback e com Leithauser a cantar “I made the best of it”.

Cerca de hora e meia depois, o concerto encerra com o vocalista a apresentar a banda, que se despediu com “Another One Goes By”, de "A Hundred Miles Off", uma versão de Marc Manzarrin, músico que ganhou reputação como baterista e vocalista e que marcou a cena musical nova-iorquina nas décadas de 1970 e 1980.

Os The Walkmen de 2012 continuam tão, ou mais fortes, que em 2010 ou 2008, e todos os que que encheram o TMN Ao Vivo deram, por certo, bem empregue a noite. Desejamos que a banda regresse em breve com a mesma força e dedicação que exibiu no domingo, pois precisamos de espetáculos assim, que nos façam acreditar que ainda há esperança, com ou sem Coliseus…

Antes dos The Walkmen, o palco foi de Rui Carvalho, aka Filho da Mãe, um dos mais talentosos guitarristas da nova geração de músicos portugueses. Com a sala já muito bem composta, Filho da Mãe, apoiado na sua guitarra, pedais e imenso talento, tocou um punhado de excelentes canções, que são, acima de tudo, paisagens sonoras.

De olhos fechados e num universo só seu, este trovador revela-se egoísta, toca para si mesmo, mas liberta uma magia tão grande que as suas composições nos levam para fora de órbita, num planeta distante, mas, simultaneamente, tão perto de nós. Obrigatório para quem gosta do melhor que as cordas de uma “simples” guitarra podem oferecer.

In Palco Principal

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