domingo, 6 de março de 2016

“Histórias de Aventureiros e Patifes”
de George R.R. Martin e Gardner Dozois


Seja dentro do universo do cinema, teatro ou literatura, a complexidade com que os personagens são pensados, caracterizados e posteriormente apresentados e vividos, é uma das mais significativas mais-valias para se conseguir um bom resultado, seja ele um filme, uma peça ou uma boa estória em formato livro.

E é, acima de tudo, pelos personagens que nos apaixonamos, que nos rendemos a essas narrativas, principalmente aquelas cuja construção nos identifique com algo ou, no limite, sirva de catarse. Nesse sentido, uma considerável parte desses personagens são os patifes, os irrascíveis, os vilões.

Que atire a primeira pedra quem não se deixou levar pela astúcia de Moriaty, de Arthur Conan Doyle, a perversidade desastrada de Capitão Gancho, de J. M. Barrie, o caráccter abjecto de Bill Sikes, de Charles Dickens, a maldade pandémica de Sauron, de J. R. R. Tolkien, a mortífera sagacidade de Hannibal Lecter, de Thomas Harris, o instinto assassino de Mr. Kurtz, de Joseph Conrad, ou a icónica maldade de Claudius, de William Shakespeare.

Foi com base nesse fascínio pelo lado “negro” das personagens que nasceu “Histórias de Aventureiros e Patifes” (Saída de Emergência, 2015), de George R.R. Martin e Gardner Dozois, uma colecção de 10 contos – a versão original apresenta 21 – que atribui à vilanagem o papel principal e deixa encantado quem segue ladrões e verdadeiros piratas sem escrúpulos, cuja génese está relacionada com o fascinante mundo do Fantástico, território preferido dos coordenadores desta compilação. O resultado final são duas mãos cheias de contos que conseguem uma fantástica envolvência, deixando o leitor entregue a uma estória que, apesar de curta, o deixa a salivar por mais.

Entre os autores selecionados, a dupla Martin/Dozois entregou as páginas a gente como Gillian Flynn (autora de “Em Parte Incerta”), Neil Gaiman (autor de “Sandman”), Patrick Rothfuss (criador de “O Nome do Vento”), Scott Lynch (autor de “As Mentiras de Locke Lamora”) ou Connie Willis (ideóloga de “O Dia do Juízo Final”).

Há ainda tempo para uma breve introdução à temática do livro por parte de J. R. R. Martin, do qual temos ainda a honra de ler “O Príncipe de Westeros ou O Irmão do Rei”, conto que encerra a colecção e nos transporta para o mundo épico de “A Guerra dos Tronos”, revelando alguns detalhes das gerações do célebre clã Targaryen.

Existem, sem dúvida, muitos pontos de interesse em “Histórias de Aventureiros e Patifes” e, além dos já referidos textos do autor da saga “As Crónicas de Gelo e Fogo”, destacam-se os trabalhos de Gaiman ou Willis. Se “Como o Marquês Recuperou o seu Casaco” faz eco ao terrível Marquês de Carabas de “Neverwhere – Na Terra do Nada”, já “Em Exibição”, de Connie Willis, traz-nos um cenário natalício muito especial.

Mas as (boas) surpresas não ficam por aqui. “A Caravana para Nenhures”, de Phyllis Eisenstein, traça uma tangente à noção de viagem e urbanidade, “Galho Vergado”, de Joe R. Lansdale, apresenta-nos um surpreendente sacana heróico de – espante-se! – bom coração e, quanto a “A Árvore Reluzente”, de Patrick Rothfuss, recupera o atípico Bast da série “A Crónica de Regicida”.

In deusmelivro

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