terça-feira, 7 de abril de 2015

Courtney Barnett
“Sometimes I sit and Think, and Sometimes I Just Sit”

Inspiração quotidiana

 
Confissão: ainda que Courtney Barnett tenha editado três EP's antes de se aventurar no universo dos discos de maior “ambição”, o momento que mais despertou a atenção para o talento da jovem australiana foi a versão de “Cannonball”, das Breeders, a convite da publicação online norte-americana "A.V. Club".

Tal como as cerejas, e as conversas, as canções levam a outras canções. “Cannonball” serviu de ponte para “Avant Gardener”, canção retirada do segundo EP de Barnett, “How to Carve a Carrot into a Rose”, nomeada como uma das melhores faixas de 2013 pela (in)suspeita "Pitchfork", e, de descoberta em descoberta, chegámos a “Sometimes I sit and Think, and Sometimes I Just Sit”, álbum de 2015.

Desde as primeiras audições, é impossível não sentir um cheirinho ao indie rock, versão garagem, dos anos 1990, ao mesmo tempo que se cruzam referências mais clássicas e espartanas da música dos últimos 40 anos. Pavement e Nirvana mesclam-se com momentos perto da sonoridade de Lou Reed, The Velvet Underground ou dos patrícios de Barnett, The Drones. Tudo em nome da santa trindade do rock: guitarra, baixo e bateria.

Sejam quais forem as inspirações, “Sometimes I sit and Think, and Sometimes I Just Sit” cativa logo à primeira. Como que uma ode à normal vivência quotidiana, Coutney Barnett “exibe” um autêntico toque de Midas, uma fórmula intrigante e inteligente de captar a essência da “banalidade” e transformá-la em momentos de inspirado lirismo, sob a forma de uma canção.

A acutilância da escrita de Barnett reside, essencialmente, num estilo despretensioso, numa espécie de poesia tipo “polaroid”. Um momento, qualquer, pode tornar-se em algo “especial” em “Sometimes I sit and Think, and Sometimes I Just Sit”. A forma como Courtney conta uma história e a transforma em puro entretenimento musical revela um talento único, íntegro, honesto. E é, essencialmente, essa honestidade que torna tão especial este disco.

Mais do que procurar eventos distantes do ouvinte, as 11 faixas do álbum espelham a beleza da simplicidade mundana, desenhando uma ligação entre quem toca e quem é tocado por vivências cuja “banalidade” dá lugar a uma serena beleza. Exemplo disso é “Aqua Profunda!”, exercício musical que descreve alguém que nada numa piscina perto de Courtney. Apenas isso. E basta. Enquanto a guitarra (perto de uma sonoridade de uns Elastica) toca, Courtney canta: “I saw you in the lane next to me / You were doing freestyle, then you switched it around / To a little bit of backstroke / I couldn’t see underneath / Your swimming cap, but it appeared that you had / Dark colored hair, maybe it was blonde for all I know / I had goggles on / They were getting foggy / I much prefer swimming to jogging”. Simples, não?

Esta aproximação minimalista permite que Barnett brilhe, sem alarido, de forma competente, e canções como as mais tranquilas “Depreston”, “Kim's Caravan” e “Boxing Days Blues” mostram o que de melhor se pode esperar de Barnett. Com isso não queremos dizer que é a dolência que melhor define a música de “Sometimes I sit and Think, and Sometimes I Just Sit”.

Logo a abrir, “Elevator Operator” e, principalmente, “Pedestrian At Best”, talvez o melhor momento do disco, mostram a veia mais niilista e punk (termos longe do pleonasmo) da menina australiana que canta: “Put me on a pedestal and I’ll only disappoint you / Tell me I’m exceptional I promise to exploit you / Give me all your money and I’ll make some origami, honey / I think you’re a joke but I don’t find you very funny”.

“An Illustration of Loneliness (Sleepless in New York)”, mais preguiçosa, e “Dead Fox”, com um semblante mais sónico, são, por exemplo, como duas faces de uma mesma moeda - composições que se unem graças à coerência de uma sonoridade que mistura a harmonia simples de voz, guitarra, baixo e bateria, como um cheirinho aos dias mais quentes de um verão anunciado, ao final dos mesmos, quando o sol se põe, “alaranjado”, e a brisa marítima anuncia que a jornada de praia terminou. Essa languidez atinge o seu auge com “Small Poppies”, um tour de force desarmante, de sete minutos, que apaixona os mais duros.

No fundo, cada faixa de “Sometimes I sit and Think, and Sometimes I Just Sit” é uma pérola por descobrir, uma combinação de traços punk com momentos mais intimistas (bonitos, muito). Barnett é uma espécie de maestrina indie rocker, a dona de uma simples e mágica batuta que funde a normalidade da vida com minutos de pura distração e reflexão despretensiosa.

É e mesmo essa frescura, esse assumido novo olhar, que faz este disco brilhar, como o sol de verão, uma brisa marítima fresca que dissipa um calor exagerado. As histórias são simples e “conhecidas”, a música escorreita, no tempo e proporções certas.

Como aquelas paixões certeiras, ao primeiro olhar, o disco de estreia de Courtney Barnett é brilhante, cativante, memorável. Estamos, assim, prontos para o verão.

Alinhamento:
01."Elevator Operator"
02. "Pedestrian at Best"
03. "An Illustration of Loneliness (Sleepless in New York)"
04. "Small Poppies"
05. "Depreston"
06. "Aqua Profunda!"
07. "Dead Fox"
08. "Nobody Really Cares If You Don't Go to the Party"
09. "Debbie Downer"
10. "Kim's Caravan"
11. "Boxing Day Blues"

Classificação do Palco: 9/10

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