“Don’t think about making art, just get it done. Let everyone else decide if it’s good or bad, whether they love it or hate it. While they are deciding, make even more art.” Andy Warhol
quarta-feira, 17 de setembro de 2014
“Jacques, o Fatalista e o Seu Amo”
de Denis Diderot
Ao longo dos últimos dois séculos, foram vários os nomes que ousaram analisar “Jacques o Fatalista e o seu Amo”, uma das mais marcantes obras do século XVIII. Se o alemão Friedrich Schlegel, homem de letras que fez a ponte entre os séculos XVIII e XIX, salientou o brilhantismo da criação da personagem de um criado imbecil que usa a estupidez como uma forma de crítica mordaz, o contemporâneo Milan Kundera chega mesmo a comparar este livro a clássicos como “D. Quixote” ou “Ulisses”.
Esta última observação, como facilmente pode verificar-se ao folhear a nova edição de “Jacques, o Fatalista, e o Seu Amo” (Tinta da China, 2014), com prefácio de Eduardo Prado Coelho, não tem a ver com a elevada erudição do texto, mas sim com a mestria da natureza do mesmo que se serve do riso como uma forma de tocar o leitor, de contar uma estória, de desafiar os limites da falência humana.
Claramente inspirado no romance “A Vida e Opiniões de Tristram Shandy”, de Laurence Sterne, e publicado originalmente em nove volumes – sendo os dois primeiros datados de 1759 -, “Jacques O Fatalista e o seu Amo” é uma maravilhosa peça de características anti-romance, uma forma de provocação feita por Diderot ao leitor através de uma sucessão de ideias, não necessariamente ordenadas cronologicamente, que resultam de um diálogo entre Jacques e o seu mordomo ao longo de um percurso cujo local de partida e destino afiguram-se desconhecidos e desnecessários.
Jacques o Fatalista e o seu Amo, Diderot, Tinta da ChinaMais que uma bússola, ao leitor é recomendada uma grande capacidade de encaixe literário – aqui entendido como uma mescla de humor -, seja ele corrosivo ou naïve, discussões filosóficas, aventuras amorosas, exposições de caráter religioso, médico, financeiro ou jurista. Tudo temperado com elevadas doses de senso-comum, nem que o tema central seja um palavrão ou a sua pertinência conceptual através de argumentos cuja valia encontra sentido tanto há dois séculos atrás como na atualidade.
Nas entrelinhas desta obra Diderot consegue traçar a fotografia da França pré-revolução, das suas relações sociais e dos conflitos que dai emergem. Tudo é caricaturado e a tendência natural é o exagero, ainda que o enquadramento seja bipolar e as visões entre mestre e amo se complementem. A liberdade é um lugar-comum na escrita de Diderot e não se espantem ao ler – e entender -, por exemplo, a necessidade óbvia que os filósofos sentem de ofender o próximo.
À imagem de outras obras de caráter discursivo, Diderot pensou este “Jacques o Fatalista e o seu Amo” como uma paródia (ou talvez não) que se estenderia por um período largo, existindo muito mais neste livro que a ridicularização e o conceito de paradoxo.
Diderot tinha por propósito fazer o leitor pensar, levar-nos a entender que o mundo pode estar organizado de uma forma que transcende os conceitos comuns de ordem e caos. “Jacques o Fatalista e o seu Amo” é um alerta face à modernidade que se aproximava, face às mudanças que o final do século XVIII poderia proporcionar.
A complexidade deste livro pode mesmo levar a equacionar, tal como já fora referido, o seu estatuto de romance. De facto, podemos mesmo considerá-lo uma narrativa parodiada ou ainda uma novela conceptual em forma de desafio. O extremo fatalismo de Jacques é o que faz funcionar um livro que se assume como um clássico sem espinhas, cujo todo assume a estrutura de um puzzle que deriva em um todo fragmentado mas incrivelmente (in)coerente, que o torna um documento único.
In deusmelivro
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