“Don’t think about making art, just get it done. Let everyone else decide if it’s good or bad, whether they love it or hate it. While they are deciding, make even more art.” Andy Warhol
quarta-feira, 10 de setembro de 2014
“A Sombra da Rota da Seda”
de Colin Thubron
Revisitar a história é um dos mais fascinantes exercícios que o Homem pode almejar. Na impossibilidade de poder fazer um regresso ao passado através de um instrumento (irreal) como uma “máquina do tempo”, resta recriar acontecimentos, períodos… ou rotas comerciais.
E é essa última abordagem que Colin Thubron faz em “A Sombra da Rota da Seda” (Bertrand Editora, 2014), transformando este maravilhoso livro de viagens em uma obra repleta de emoção, pertinência e acutilância.
O autor, que faz parte de uma lista elaborada pelo jornal The Times que engloba os 50 maiores escritores britânicos do pós-guerra e preside a Royal Society of Literature, conta com livros traduzidos em mais de duas dezenas de línguas, cujo conteúdo o levou a percorrer o Médio Oriente, nomeadamente países como a Síria, Líbano ou Chipre.
Em “A sombra da Rota da Seda”, Thubron inicia a sua demanda em Xian, antiga capital da China, de forma a percorrer os milhares de quilómetros que compunham a antiga Rota da Seda, vivendo uma experiência que mistura conhecimento histórico com pertinentes e muito interessantes notas sobre a vida contemporânea. A viagem é feita de autocarro, avião, a pé, em carroças com tração quadrúpede, de comboio ou jipe.
Desde o coração da China, Colin segue o trilho da primeira grande rota comercial e atravessa as montanhas da Ásia Central, as planícies do Irão e penetra em território turco. Pelo caminho ficam experiências ímpares e irrepetíveis, que tornam os mais de 4500 quilómetros percorridos numa das maiores aventuras levadas a cabo pelo homem “moderno”.
A narrativa é absolutamente maravilhosa e a escrita de Thubron leva o leitor a sentir as agruras e delícias da viagem de forma única. Tal como é seu apanágio, Colin mistura erudição com sensibilidade, bom gosto com assertividade, passado com presente e laivos de futuro.
A facilidade e capacidade com que Thubron fala mandarim ou russo permitiu recolher informações preciosas ao longo de um percurso que cresce à medida da presença dos seus intervenientes. Apenas assim é possível sentir a miscigenação interpessoal e intercultural que é intrínseca às tribos e nações que integram as várias fronteiras políticas percorridas pelo britânico.
Em alguns locais da China Ocidental, por exemplo, o nosso narrador tenta entender um território habitado há muito por tibetanos, uigures e outros povos que encaram a presença chinesa de forma quase dilacerante e “incógnita”. Os fenómenos migratórios são outro dos temas observados e debatidos neste livro, que também faz um pertinente perfil de alguns espaços, outrora quase virgens, que estão a ser invadidos pelo cinzentismo do betão e pela industrialização sem alma.
Colin Thubron consegue relembrar a Rota da Seda como um trajeto bipolar e com vários sentidos, ou seja, como o resultado de um nervosíssimo sistema com dois polos distintos: a China e o Mediterrâneo.
Este percurso, que existiu durante cerca de três milénios, era feito em territórios que hoje são extremamente perigosos e votados ao isolamento. Thubron percorreu muitas vezes os caminhos sozinho, pois nenhum guia local ousou pisar tais campos “minados”, enfrentando graves problemas de saúde e tendo mesmo ficado de quarentena devido a insuficiências que derivaram da síndrome respiratória – também conhecida por SARS.
Ultrapassando problemas vários e com uma persistência heroica, Colin Thubron consegue tornar esta viagem numa maravilhosa experiência que toca o leitor de uma forma absolutamente emocionante, onde a geografia, a cultura e a política são ingredientes essenciais para a elaboração de um prato com sabor a mundo.
In deusmelivro
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