“Don’t think about making art, just get it done. Let everyone else decide if it’s good or bad, whether they love it or hate it. While they are deciding, make even more art.” Andy Warhol
quinta-feira, 19 de março de 2015
“Viagem ao coração dos pássaros”
de Possidónio Cachapa
Escritor, argumentista e realizador, o eborense Possidónio Cachapa é uma das vozes mais peculiares da arte de escrever romances em Portugal.
No seu currículo pontuam obras como “Nylon da Minha Aldeia”, Materna Doçura” e “Viagem ao Coração dos Pássaros” (Marcador, 2015), este último cuja primeira edição data de 1999 mas que volta aos escaparates via editora Marcador, de cara lavada e alvo de revisão do autor tendo por base o texto original.
É assim que regressamos ao Portugal insular à boleia de uma narrativa que aponta – e se fixa – a um mundo particular de um personagem ímpar, cuja pureza nos remete para uma visionária ligação com a Natureza e para com os seus semelhantes.
No centro deste do mundo que é “Viagem ao Coração dos Pássaros” está Kika, uma menina-mulher visionária cujos poderes inatos dão acesso ao âmago do ser humano e permite fazer uma douta reflexão sobre as contradições e a dialética da vida, do amor, da perda, da ausência.
Sob a batuta de uma (viciante) prosa e com um forte sentido de dramatismo circunstancial, ao leitor é permitido realizar um trajecto onírico que reúne magia, ilusões e sonhos perdidos. Com a ajuda do seu anjo da guarda, Kika, filha de um ausente Filipe e de uma incompleta e sensual Evangelina, descobre a vida da pior das formas; isto é, à sua exclusiva conta e exclusividade.
Pelo meio surgem personagens laterais, mas não secundárias, que ajudam a contextualizar uma estória que leva o leitor, pelas nuvens, da Madeira até à Venezuela, fazendo escala nos sorrisos ou lamentos de Adalberto, o fura-mundos, ou do Escritor – este último uma espécie de “auto-retrato” de Cachapa.
Ao milagre da existência, Possidónio Cachapa junta a beleza da natureza local à matemática da vida, que pode ser dura, supersticiosa, alvo de preconceito e metáforas que norteiam personagens que, por exemplo, têm uma moreia dentro de si, de outros que sentem a partida e outros o simples e doloroso ficar.
Fora do seu âmbito mais surreal, este é também um livro que versa sobre o amor, sobre a paixão de Filipe e Etelvina, de Etelvina e Adalberto, da relação circense de Blirina e Ocarino, da doentia relação entre o Escritor e Kika, da existência, seja ela breve ou eterna.
Para ler ou reler, “Viagem ao Coração dos Pássaros” é um livro inteligente, subliminar ou em estado bruto, ora doce ora amargo, mas acima de tudo uma maravilhosa experiência literária onde a acutilância do seu todo o torna de leitura obrigatória.
In deusmelivro
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