Um livro grande ou um grande livro?
Um dos maiores fenómenos dos últimos anos no que toca ao universo literário, “O Pintassilgo” (Presença, 2014) da norte-americana Donna Tartt – considerada pela revista Time uma das 100 pessoas mais influentes no mundo – chega-nos envolto de uma embalagem de sucesso e qualidade cujo expoente foi o arrebatar o Prémio Pulitzer em termos de ficção no ano de 2013.
Depois de “A História Secreta” e “O Pequeno Amigo”, Tartt aposta num livro de toadas épicas que nos leva a percorrer a história recente dos Estados Unidos da América, um país onde o medo do terrorismo e a dicotomia constante entre espaço público e privado estão na ordem das discussões quotidianas.
Ao longo das quase novecentas (!) páginas de “O Pintassilgo”, ficamos a conhecer fatias da existência de Theo Decker, um rapaz de 13 anos que vê a sua vida explodir, no sentido literal da palavra. Depois de ver um pai ausente abandonar definitivamente o lar, Theo vive os normais dramas de um adolescente, mas um dia a sua mãe é chamada à escola pelo seu mau comportamento e tudo não voltará a ser igual.
A caminho da escola, Theo e sua mãe, depois de uma viagem de táxi algo atribulada, decidem visitar o Metropolitan Museum of Art, em pleno coração da nova-iorquina Quinta Avenida. Depois de uma curta visita, enquanto a mãe de Theo ruma à loja de recordações, o rapaz deixa-se enfeitiçar pela magia que emana do olhar de Pippa, uma ruiva intrigante.
Mas não é só o coração de Theo que estreme. Instantes volvidos, uma bomba rebenta na galeria do museu e Theo é um dos poucos sobreviventes. Na ressaca do acidente, o adolescente carrega uma pintura datada de 1654 intitulada “O Pintassilgo”. A referida obra de arte foi-lhe “oferecida” por um velho cujo último suspiro foi dado na presença de Theo.
Mais tarde, Theo conhece Hobie, um restaurador de arte que se torna num confidente e uma espécie de refúgio perante a constante dor de Theo face a uma vida sublinhada pela perda da mãe e a ausência do pai e que encontra no álcool e outras substâncias um ponto de fuga que deriva em um comportamento autodestrutivo.
Egoísta e admiravelmente desagradável, Theo assume as funções de narrador e personagem principal e, através da hábil narrativa de Donna Tarrt, consegue transmitir um sentimento de decência, apesar de tudo. Já Hobie é um personagem mais maduro enquanto Boris, outro dos comparsas de Theo, é o reverso da medalha e não esconde a sua faceta desonesta, despreocupada e arrogante, sem qualquer pejo.
Com excelentes criticas um pouco em todo o mundo, “O Pintassilgo” deixou boquiabertos grandes mestres da literatura entre os quais Stephen King, que afirma que a obra de Tartt é: “um daqueles livros raros que aparecem meia dúzia de vezes por década” e cuja narrativa “resulta em um magnífico romance literário capaz de tocar tanto o coração como a mente”. Já outros referem a vertente dickensiana e algum virtuosismo vitoriano de “O Pintassilgo”, mas ao folhear a obra de Donna Tartt aquilo que fica é uma sensação controversa.
Se, por um lado, “O Pintassilgo” tem momentos de grande brilhantismo onde a capacidade de detalhe e dinâmica de Tarrt é assinalável, noutras passagens o leitor mergulha em um lento e desencorajador relato (por exemplo, as passagens que versam sobre Theo a ingerir substancias proibidas são um verdadeiro teste de resistência ao leitor, assim como o inicial relato da explosão do museu. Ambos os “episódios” prolongam-se por 50 ou mais páginas…) que leva à (quase) exaustão enquanto folheia este thriller. Será este registo bipolar que torna o livro em um fenómeno à escala mundial?
Outras das questões menos positivas da trama prende-se com o uso recorrente de clichés, sobretudo na pessoa da personagem de Theo, uma alma perseguida e assombrada por fantasmas do passado que impedem o seu amadurecimento, algo que assume alguns contornos de “banalidade”.
O próprio romance não se refugia de um eterno mar de coincidências que formam o evoluir da narrativa. Correndo o risco das próximas linhas serem uma espécie de spoiler, como entender que o senhor idoso que está no museu aquando da explosão peça a Theo para furtar a já referida pintura? Porque será que toda a gente que rodeia Theo está, mais ou menos, associada à arte? Será apenas sorte ou Theo conhece sempre a pessoa certa no momento certo, para mais numa metrópole como Nova Iorque? Estas são algumas das pontas soltas que podem ser identificadas em “O Pintassilgo”.
Somando virtudes e “defeitos”, entende-se porque “O Pintassilgo” tem sido alvo de tanto atenção apesar de, como referimos, a estatuto de obra-prima nos parecer exagerado, tal como o elevado e injustificado número de páginas. No entanto, é compreensivelmente difícil resistir à tentação de pegar em um livro cujo rasto seja sinónimo de um incomensurável sucesso mundial e tal, per si, pode justificar a sua pertinência.
In Rua de Baixo
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