“Don’t think about making art, just get it done. Let everyone else decide if it’s good or bad, whether they love it or hate it. While they are deciding, make even more art.” Andy Warhol
domingo, 13 de novembro de 2016
“Doce Carícia”
de William Boyd
Conhecido por obras como “Viagem ao Fundo do Coração” ou “Inquietude”, o britânico William Boyd traçou um percurso literário marcado por um assinalável e muito competente conjunto de narrativas onde o amor, a paixão, é uma vincada imagem de – e que – marca.
O seu mais recente livro, “Doce Carícia” (D. Quixote, 2016), tem como figura central a fotógrafa Amory Clay, e conta-nos a sua vida desde 1908, data do seu nascimento, até 1977, altura em que, quase septuagenária, olha, narra e reflecte sobre a sua atribulada existência a partir do seu retiro de campo algures numa ilha ao largo da costa oeste da Escócia. A história evolui, sem respeitar a normal ordem do calendário, e onde presente e passado se confundem num puzzle emotivo e emocional que traz à tona a revelação de muitos segredos.
Armory Clay teve uma existência épica, num constante rebuliço, através de um século XX pejado de surpresas e que levou a nossa repórter a percorrer o globo e a derrubar fronteiras entre Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos da América, México, França, Escócia e Vietname. Com uma carreira pejada de aventura, Clay testemunhou – e registou – alguns dos maiores eventos da história recente, incluindo no seu currículo pedaços da Segunda Guerra Mundial que marcaram a vida de todos. E foi esse “fogo amigo” que cravou estilhaços na vida de alguns dos homens mais próximos de Armory (o seu pai, o irmão e o marido), deixando cicatrizes profundas na sua alma.
A sangria começa logo nas páginas iniciais do livro, com uma Armory, aos 19 anos, a sentir o fel do desamor quando se apaixona sem ser correspondida. Como um murro no estômago, depressa vai perceber que a vida é uma teia complicada de emoções, derrotas e vitórias e que convém ter noção de que ver apenas aquilo que se quer leva a erros irremediáveis.
Essas falhas, sub-reptícias ou mais evidentes, dominam todo o romance e, por conseguinte, a vida da protagonista. Existem também, claro está, observações casuais que podem alterar o âmago de qualquer relação, reflexões sobre a pertinência (ou não) da vida militar ou de complexas manobras profissionais que podem colocar em causa um profundo impacto financeiro.
Dada a estrutura e estilo narrativo de “Doce Carícia”, não resistimos a fazer uma quase inevitável comparação com o principal visado do já referido “Viagem ao Fundo do Coração”, pois as vidas de Armory Clay e Logan Mountstuart fazem uma admirável tangente e, em ambos os casos, Boyd faz o seu universo criativo girar em torno de uma interação entre figuras históricas reais e outras nascidas da ficção.
Neste tipo de abordagens existe sempre um risco (calculado ou não) de algumas perdas individuais e estruturais dos próprios personagens, mas “Doce Carícia” ultrapassa essa questão sem mácula e faz o leitor percorrer uma história rica e bem montada onde o tempo não pára e as emoções andam à solta, em desalinho. Esse dinamismo hábil e a sua construção cinematográfica deixam mesmo a ideia que não fará muito tempo para vermos a estória criada por Boyd no grande ecrã.
In deusmelivro
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