Interrupção (in)voluntária da existência
Um dos grandes vencedores da mais recente edição do SXSW Film Festival, tendo também arrebatado os maiores galardões no Los Angeles Film Festival e no Locarno Filme Festival, “Temporário 12”, escrito e realizado por Destin Cretton é, sem dúvida, uma das mais comoventes peças cinematográficas de 2013 e que tem num elenco praticamente desconhecido do grande público a sua grande mais-valia.
Com um perfil assumidamente indie onde a câmara subjetiva de Cretton ousa entrar na mente dos personagens através de muitos e ajustados grandes planos, “Temporário 12” centra a sua narrativa num centro de acolhimento temporário para adolescentes com um comportamento socialmente desviante que escondem dentro das ainda tenras existências segredos, medos e cicatrizes que os impedem de encarar o futuro de forma risonha.
De forma a conseguir uma ponte entre os jovens, a instituição e a vida fora das suas paredes, Grace (Brie Larson) é uma das mais dedicadas monitoras do centro e tem na sua relação apaixonada com o colega Mason (John Gallagher Jr.) um ponto de equilíbrio para a sua vida também ela manchada com alguns dos tormentos que assolam alguns dos adolescentes internados.
Enquanto alguns dos membros da comunidade lutam dentro de si para conseguir ganhar a necessária coragem para o inevitável abandono da instituição, outros estão a chegar. Se, por exemplo, o revoltado Marcus (Keith Stanfield) vê no festejo do seu 18 aniversário uma fronteira entre a desejada liberdade e o medo desse sentimento, a recém-chegada Jayden (Kaitlyn Dever) não esconde a raiva que lhe rói a alma, sensação essa também parceira de vida de Grace que se revê na atitude desesperada da jovem nascendo assim uma poderosa ligação entre ambas.
De alma e corpo entregue às responsabilidades profissionais, Grace não consegue ser tão pragmática na sua vida e relacionamento com Mason como o faz junto dos membros do centro de acolhimento sendo que os fantasmas do passado impedem que presente e futuro sejam formas verbais presentes no seu vocabulário.
Envolto de uma sensibilidade desarmante, “Temporário 12” coloca a nu os fantasmas e o reflexo dos sentimentos recalcados nas mentes perturbadas dos seus personagens que têm nos já referidos grandes planos um espelho da sua perversidade. Ainda assim entre cenas em que unhas castigam a carne e a automutilação se assuma como um poderoso grito de revolta, existe espaço para diálogos onde o humor, a partilha e a vontade de viver consigam resgatar laivos de uma ténue esperança.
Nesse aspeto o personagem encarnado pela excelente Brie Larson é sublime e Grace consegue criar fortes laços e elevados níveis de cumplicidade ao expor as próprias fraquezas conferindo às jovens almas solitárias uma crescente sensação de “conforto”, pertença e amor-próprio. No fundo “Temporário 12” dá a conhecer vidas sufocadas pela omnipresença da dor psicológica que se estende ao patamar físico.
Para além da mestria de Cretton, convém realçar a importância da banda-sonora de “Temporário 12” da autoria de Joel P. West que em toda a sua plenitude tem como propósito e significado algo mais que uma mera transposição entre cenas. Aqui, a música, muitas vezes num registo acústico ou envolto de uma simplicidade semelhante, representa sentimentos e emoções delicadas e que completam o perfil dos personagens. Se noutros filmes as canções possam transmitir ações e pensamentos impercetíveis pela representação dos atores, em “Temporário 12” West completa as pessoas presentes na tela através dos vários acordes e sons.
Repleto de emoções, honesto, apaixonado e arrebatadoramente simples, “Temporário 12” tem, obrigatoriamente, de figurar entre as listas dos melhores objetos cinematográficos de 2013 sob pena de se ostracizar aquilo que melhor traduz a arte de fazer cinema e que é a “simples” partilha de sentimentos puros.
In Rua de Baixo
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