Puro veneno
Com obras publicadas em vários países da Europa, assim como na China, Patrícia Melo, uma cidadã do mundo que vive entre a Suíça e o Brasil, é uma das mais galardoadas romancistas brasileiras da sua geração, tendo arrecadado importantes prémios com algumas das suas obras.
Se com “Matador” ganhou os prémios “Deux Océans” e “Deutsch Krimi”, “Inferno” valeu-lhe o Prémio Jabuti, fazendo com que Patrícia Melo fosse nomeada para o “Foreign Fiction Prize”. Para além destes títulos, também “Valsa Negra” e “O Elogio da Mentira” ajudaram a cimentar o estatuto desta brasileira em termos do panorama literário internacional, cujo trabalho foi devidamente reconhecido pela “Time Magazine” que, em 2000, a integrou numa lista entre os cinquenta “Líderes Latino-Americanos para o Novo Milénio”.
Se os títulos atrás referidos tiveram entre nós honras de publicação através da editora Campo das Letras, desta vez chega-nos “Acqua Toffana” (Quetzal, 2013), a primeira obra de Patrícia Melo, agora editada pela Quetzal e incluída na coleção “Língua Comum”.
Tal como acontece em outras obras escritas em português do Brasil, a linguagem de “Acqua Toffana” estranha-se e, depois e sem esforço, entranha-se: a elasticidade e o sentido pragmático dos termos brasileiros tornam a ação mais fluida, dinâmica e atraente.
Patrícia Melo divide o livro em duas estórias repletas de thriller e paranoia que, apesar de diferentes, acabam por se cruzar em determinados pontos, sendo o instinto sexual um dos vértices dessa intersecção.
Baseando-se num conhecido veneno originário do período renascentista da história, Patrícia Melo aplica a metodologia de “Acqua Toffana” à sua narrativa e, tal como a pérfida substância, a morte e o medo são sentimentos alimentados de forma gradual e quase impercetível, acabando por funcionar como uma arma temível e silenciosa.
Com uma escrita ritmada e alicerçada num delírio constante, “Acqua Toffana” é sinónimo de duas estórias onde a desconfiança, o medo, o ódio e o desespero são alguns dos ingredientes. Se no primeiro caso vamos conhecer uma mulher em estado avançado de paranoia, que suspeita que o companheiro é um cruel assassino, do outro somos confrontados por um aplicado funcionário de um cartório, que se sente ameaçado por uma vizinha ao ponto de planear a sua morte.
Sempre na primeira pessoa, “Acqua Toffana” descreve vidas à beira do colapso, cérebros assaltados pelo medo, relações decadentes, o efeito nocivo da dependência televisiva e, acima de tudo, mentes assassinas que se escondem por detrás da cívica convivência com os seus semelhantes, mascarando a sua sofisticada demência com a mais convincente das normalidades.
In Rua de Baixo
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